A importância do Catolicismo na Formação da Cultura Brasileira

Dom Murilo S.R. Krieger, Arcebispo de São Salvador da Bahia

Convidado a falar sobre “A importância do Catolicismo na Formação da Cultura Brasileira”, começo com um agradecimento. Com esse convite, a Associação Cultural Brasil-Portugal está me oferecendo uma excelente oportunidade para eu prestar uma homenagem – uma justa homenagem! – a todos aqueles que, especialmente nos primeiros tempos da descoberta desta Terra de Santa Cruz, aqui viveram sua fé e a propagaram e, não por poucas vezes, foram incompreendidos, desprezados, e até caluniados.

            Nesta minha palestra, abordarei três temas: 1º) A superação de um preconceito; 2º) Um breve panorama da cultura brasileira; 3º) Cinco contribuições do catolicismo na formação da cultura brasileira.

           1º – A superação de um preconceito

 Um famoso professor de história e estudos religiosos nos Estados Unidos, Philip Jenkis, chamou o anticatolicismo de “o último preconceito aceitável nos Estados Unidos”. Será que é somente na nação norte-americana que ainda existe esse preconceito? (Uso aqui a palavra preconceito nos sentidos consignados pelo Aurélio – ou seja: “Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; ideia preconcebida; julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste;  por extensão: suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão”.)

Felizmente, já não se aceita mais o preconceito contra os gays (ou, para usar uma expressão politicamente correta: contra os homoafetivos); aliás, a homofobia é crime. Pode-se discordar deles, mas é preciso respeitá-los. Esse respeito é o mínimo que se espera,  em benefício da  boa convivência humana na sociedade.

Não se aceita mais – na verdade, isso nunca deveria ter sido permitido  – manifestar  preconceito em relação a alguém, por motivo de raça ou cor. Nossos irmãos judeus e  afrodescendentes podem testemunhar o quanto de sofrimento precisaram suportar injustamente. Sim, injustamente porque, em dignidade, todos temos o mesmo valor; todos nós fomos criados à imagem e semelhança com Deus, como lemos na primeira página da Bíblia.

Não se admite, igualmente, preconceito contra as pessoas de baixa estatura, contra aquelas que são marcadas por alguma deficiência ou contra idosos. A humanidade já deu grandes passos nesse campo dos preconceitos. Mas há muitos outros que precisam ser dados. Um deles é contra o último preconceito que ainda se admite – e penso que não só nos Estados Unidos: o preconceito contra os católicos. Exemplifico: é permitido  falar publicamente qualquer coisa contra os católicos; pode-se escrever contra eles, sem precisar provar o que se diz; é tolerado menosprezar os símbolos católicos em shows musicais; permite-se que em revistas ou canções se  ofendam  os católicos ou os seus líderes; pode-se fazer generalizações contra os católicos – isto é, acusar a todos por causa do eventual erro cometido por  alguns. Nossa sociedade acha isso normal, como se fosse um direito incontestável de qualquer pessoa. Mas ai de quem se manifestar, na mesma medida e com a mesma intensidade, contra judeus, afrodescendentes, gays ou outros grupos! A reação será vigorosa, às vezes violenta; leis serão brandidas, em protesto; reportagens especiais sobre o tema serão produzidas; críticas aos fatos serão repisadas. Será que a nossa geração verá, um dia, a superação desse último preconceito ainda aceitável pela sociedade?…

            A melhor resposta que nós, católicos, podemos dar a esse último “preconceito aceitável”, naturalmente para tentar superá-lo, é, em primeiro lugar, continuar praticando  nosso espírito de tolerância, estimulando  a convivência  pacífica das pessoas e dos diversos agrupamentos sociais, e exercer a nossa capacidade de, pelo bem da paz entre as pessoas, passar por cima de ofensas que nos são arremessadas. Em resposta a elas, o que podemos e até devemos fazer, usando os meios legítimos de que dispusermos, é destacar o quanto a Igreja Católica é credora de nossa civilização. Há os que reconhecem que ela influenciou a música, a arte e a arquitetura, mas não vão além disso. Para muitos professores, inclusive universitários, de quem se poderia esperar maior imparcialidade, a história do catolicismo pode ser resumida em três palavras: ignorância, repressão e estagnação. As afirmações são gratuitas e preconceituosas e não há necessidade de prová-las. Poucos ensinam – por ignorância ou por mero preconceito – que “a civilização ocidental deve à Igreja [Católica] o sistema universitário – as universidades nasceram à sombra dos mosteiros! –, as ciências, os hospitais e a previdência, o direito internacional, inúmeros princípios básicos do sistema jurídico etc., etc. Devemos muito mais à Igreja Católica do que a maior parte das pessoas – incluídos os católicos – costuma imaginar. Porque, para sermos exatos, foi ela que construiu a civilização ocidental” (Thomas E.Woods Jr., Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental, Quadrante, São Paulo, 2013, p. 5).

            É verdade que o Ocidente não nasceu apenas da Igreja Católica; é inegável a importância da antiga Grécia e de Roma e das diversas tribos germânicas que sucederam ao Império Romano no Ocidente, como elementos formadores da nossa civilização. “E a Igreja não só não repudiou nenhuma dessas tradições, como na realidade aprendeu e absorveu delas o melhor que tinham para oferecer. Nenhum católico sério pretende sustentar que os eclesiásticos tenham acertado em todas as decisões que tomaram. Cremos que a Igreja manterá a integridade da fé até o fim dos tempos, não que cada uma das ações de todos os papas e bispos que já houve esteja acima de qualquer censura. Pelo contrário, distinguimos claramente entre a santidade da Igreja, enquanto instituição guiada pelo Espírito Santo, e a natureza inevitavelmente pecadora dos homens que a integram, incluídos os que atuam em nome dela. Mas estudos recentes têm submetido a revisão de uma série de episódios históricos tradicionalmente citados como evidências da iniquidade dos eclesiásticos, e a conclusão a que chegam depõem em favor da Igreja. Hoje sabemos, por exemplo, que a Inquisição não foi nem de longe tão dura como se costumava retratá-la e que o número de pessoas levadas aos seus tribunais foi muito menor – em várias ordens de magnitude! – do que se afirmava anteriormente. E isso não é nenhuma alegação nossa, mas conclusão claramente expressa nos melhores e mais recentes estudos. ” (idem¸p. 6).

            Eu poderia mencionar, aqui, a contribuição da Igreja Católica para o desenvolvimento do sistema universitário, para o estudo da astronomia, para o desenvolvimento do Direito Internacional, para a consolidação dos direitos humanos, para a economia, para as obras assistenciais etc., porém me contento em afirmar que a Igreja Católica deixou marcas profundas na civilização em que vivemos.

           2º – Breve panorama da cultura brasileira

Não é sobre a civilização ocidental e as influências que sofreu na sua formação que vim falar nesta noite. Meu tema é mais modesto e restrito, pois vou me limitar a falar sobre o Brasil e a contribuição do Catolicismo para a formação do que se convencionou chamar de “cultura brasileira”. Não pretendo fazer aqui uma análise com a profundidade do soteropolitano Thales de Azevedo, que em seus estudos sobre a Sociologia do Catolicismo mostrou o quanto a Igreja Católica deixou marcas na vida de nosso país.

            A cultura brasileira é o resultado de três culturas diferentes: a ameríndia, a branca dos colonizadores portugueses e a afro, dos escravos trazidos da África. Penso não errar ao dizer que, quando afirmamos ser brasileiros, estamos declarando – claro que dito isso de forma geral – ser um pouco ameríndios, um pouco portugueses e um pouco africanos. É verdade que podemos também acrescentar que, ao longo dos séculos, a eles vieram se somar o sangue e a cultura dos árabes, dos imigrantes japoneses, alemães, italianos, poloneses etc. Foram essas fontes de nossa cultura que nos fizeram ser o que somos. Quem percebeu isso foi o Bem-aventurado Papa João Paulo II que, ao falar na Catedral de Salvador, no dia 6 de julho de 1980, afirmou: “Pisando este solo, tenho viva consciência de um encontro marcado com as nascentes mais puras do Brasil. No litoral baiano desembarcaram os descobridores. Não muito longe daqui a voz, embargada de emoção, de Frei Henrique de Coimbra pronunciou, pela primeira vez na terra apenas descoberta, as palavras da consagração. Aqui foi criada a primeira diocese brasileira. Esta cidade foi a primeira capital da Pátria, quando esta nasceu para a independência. Creio que posso dizer, sem desdouro para as outras regiões do País, que aqui tocamos com as mãos a brasilidade no que lhe é mais essencial”.

            A cultura é o conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam, se preservam e aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. Ela é, pois, fruto do relacionamento do homem com o mundo, com os outros homens e com Deus.  O ser humano é o único sujeito da cultura que também é seu objeto. Na variedade e riqueza de suas manifestações, é a cultura que torna o homem um ser diferente e superior ao mundo que o cerca. Os estudos antropológicos nos têm mostrado que a religião ou sua ausência é que particularmente inspira ou influencia os demais setores da vida humana – por exemplo, a família, a economia, a política, a arte etc., na medida em que abre esses setores para o transcendente ou os fecha em seu próprio sentido. Nenhum povo tem uma cultura predeterminada, definitiva ou estanque. Somos livres e, por isso, podemos fazer novas escolhas; por isso, uma cultura precisa ser preservada, pois sofre contínuas pressões. A Igreja se encarna nas culturas, mas não se identifica com nenhuma delas. Ela assume tudo o que há de bom nas formas de viver de cada povo, ao mesmo tempo em que deixa nelas a sua marca.

Não estou inventando nada ao afirmar que a cultura brasileira tem um profundo substrato católico. Não se pode negar, por outro lado, que a partir do século dezoito a cultura brasileira passou a ser fortemente influenciada pelo iluminismo, pelo liberalismo, pelo relativismo, pelo secularismo etc. Se não houver um esforço renovado de nossa parte, aquele substrato católico de que eu falava ficará em segundo plano ou poderá, mesmo, desaparecer. Ora, como a cultura de um povo é a sua maior riqueza, precisamos preservar a cultura brasileira em sua integridade e defendê-la, para assim conservar seus valores cristãos. Aqui mesmo, em Salvador, dia 20 de outubro de 1991, em sua segunda visita pastoral, o Bem-aventurado Papa João Paulo II pediu: “Neste momento, nesta Bahia que desde o início foi o local privilegiado onde se plasmou a cultura brasileira, permito-me formular os votos mais ardentes de um renovado vigor desta cultura em suas manifestações mais autênticas. Que o “substrato católico” da maneira de ser do homem brasileiro não se perca, mas adquira nova vitalidade. Que as qualidades humanas e cristãs do povo, os valores morais e espirituais que lhe dão uma feição tão singular não se frustrem nem se contaminem. Sobretudo que se conserve, como um verdadeiro dom de Deus, sua capacidade excepcional de integrar e de tornar solidários, sem qualquer tipo de discriminação, os diversos componentes étnicos de sua fisionomia humana em todo o Brasil” (João Paulo II, Discurso aos Representantes do Mundo da Cultura, 20.10.91).

 3º – Cinco contribuições do catolicismo na formação da cultura brasileira

 Qual foi a contribuição específica do Catolicismo, na formação da cultura brasileira? Limito-me a destacar aqui cinco contribuições.

            1ª – A fé. Para que nos entendamos bem, lembro que “A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e revelou, e que a santa Igreja nos propõe para crer, porque ele é a própria verdade. Pela fé, o homem livremente se entrega todo a Deus” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1814). Enquanto a maioria dos povos conheceu a Cristo e ao Evangelho depois de séculos de História, o Brasil nasceu cristão. Junto com as caravelas de Pedro Álvares Cabral e com os primeiros portugueses estavam os franciscanos, notadamente Frei Henrique de Coimbra. Entre os primeiros atos nesta terra, destacam-se a cruz que foi erguida e a missa que foi celebrada. D. João III (1502 – 1557), décimo quinto rei de Portugal, cognominado “o Piedoso”, “o Pio”, pela sua devoção religiosa, escreveu ao primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à nossa santa fé católica”. Os colonizadores portugueses consideravam a conquista do Brasil uma verdadeira “cruzada”. É preciso reconhecer que nem todos os que vieram para estas novas terras estavam imbuídos de santos propósitos. Houve, da parte de muitos, erros, exageros e atitudes deploráveis. Mas isso não pode apagar a ação, por exemplo, de José de Anchieta, que se colocou decididamente ao lado das populações indígenas, aprendeu sua língua, assimilou os seus gostos, adaptou-se à sua mentalidade, defendeu sua vida e, ao mesmo tempo, anunciou-lhes as verdades de Jesus Cristo, convertendo-os ao Evangelho, batizando-os e integrando-os na Igreja. Como não lembrar, também, Manoel da Nóbrega e uma multidão de missionários que nada tomaram desta terra, nada levaram deste país e que trabalharam – e só Deus sabe com que sacrifícios – para evangelizar e defender os índios? A grande maioria desses missionários morreu aqui mesmo,  normalmente mais pobres do que quando chegaram. O resultado dessa presença evangelizadora pode ser facilmente constatado até em aspectos externos: muitas cidades brasileiras foram construídas em torno de uma igreja; o nome de um significativo número delas se deve ao santo do dia em que foi fundada; a vida dessas cidades girava em torno das festas religiosas. Não se pode negar que a vida religiosa, nos primeiros séculos, não era fundamentada em grandes estudos ou reflexões teológicas, mas no culto dos santos, dos patronos das cidades, nos protetores das lavouras ou das pessoas, “um culto em grande parte doméstico e que não se conformava muito estritamente com o calendário oficial da Igreja nem com as prescrições litúrgicas; esse culto traduzia-se muito em novenas e orações recitadas e cantadas, em procissões e romarias aos santuários em que se veneram as imagens mais populares…; manifestava-se também por meio de promessas” (Thales de Azevedo, O Catolicismo no Brasil: um campo para a pesquisa social, Salvador, 2002). Imperava no Brasil o que hoje se chama de religiosidade popular. 

            Nosso povo é profundamente religioso. Temos uma prova disso não só no nome de vários Estados – São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina –, como de capitais: Belém, São Luís, São Salvador da Bahia – hoje, Salvador– , São Sebastião do Rio de Janeiro – hoje, Rio de Janeiro – , São Paulo; nas inúmeras devoções a Nossa Senhora e em seus santuários, que atraem anualmente milhões de peregrinos. Como não lembrar, por exemplo, Aparecida e o Círio de Nazaré? Para ficar com o que está próximo de nós, como não lembrar a Basílica Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Praia – padroeira da Bahia? Podemos recordar, também, a devoção ao Divino Espírito Santo, expressa de mil formas; a festa do Senhor do Bonfim; as procissões da Semana Santa etc. Como não destacar o carinho deste povo por seus sacerdotes e bispos, e o carinho especial pelo sucessor de Pedro, como testemunhamos em julho último, no Rio de Janeiro, com o Papa Francisco?

            Com a fé católica, nosso povo herdou a capacidade de respeitar o diferente. Vemos a capacidade de nosso povo de se relacionar com pessoas de outras crenças, embora esse respeito possa levar, por vezes, a um sincretismo que é negativo para os dois lados.

            2ª – As obras assistenciais e educacionais. Não havia, nos primeiros tempos do Brasil, a ideia de que deveria caber ao governo a preocupação com aquelas que são as necessidades básicas da população – necessidades hoje apontadas e protegidas pela nossa Constituição (Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais): “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados…” (Art. 6º); “A saúde é direito de todos e dever do Estado…” (Art. 196); “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família…” (Art. 205) etc. Tendo em vista essas necessidades básicas da população, que não tinham proteção alguma por parte do Estado, a Igreja se viu na obrigação de fundar escolas, de incentivar a formação de Irmandades para assumirem Santas Casas de Misericórdia (a de Salvador é de 1549!), além de fundar seus próprios hospitais, creches e asilos. As obras de misericórdia fazem parte do ser da Igreja (cf. Mt 25: Julgamento Final) e, por isso, era natural que a Igreja investisse em trabalhos que favorecessem os mais necessitados.

            3ª – A arte. A vida religiosa no Brasil foi retratada  por meio da  arte sacra. O apreço que a Igreja tem pela arte parte de uma constatação: Deus, ao enviar ao mundo o Seu Filho  Jesus, para que assumisse a nossa carne, nos ensinou que podemos valer-nos das coisas materiais em nossa busca de Deus; podemos tentar expressar o invisível pelo visível. Creio que uma das mais destacadas contribuições  da Igreja Católica na História do Brasil foram as produções artísticas barrocas luso-brasileiras (séculos dezessete e dezoito), que tiveram como principal expoente o artista plástico Aleijadinho. Nossa cidade de Salvador é uma amostra viva do quanto arte e fé estiveram unidas ao longo dos séculos, dando origem a um patrimônio artístico que não tem similar na América Latina.

            4ª – O espírito de fraternidade. A fraternidade é uma lei fundamental do cristianismo. Nossos irmãos portugueses, influenciados por sua fé cristã católica, trouxeram para estas terras a certeza de que se pode buscar uma convivência harmoniosa e construtiva com os mais diferentes povos. No Brasil, houve uma convergência de maneiras diferentes de ver o mundo, o homem e Deus; “um dos caldeamentos mais importantes da história humana” (João Paulo II, Salvador – BA, 07.07.80). O Brasil oferece ao mundo um testemunho altamente positivo, pois aqui se construiu uma comunidade humana multirracial, um verdadeiro tapete de raças, como afirmam os sociólogos. Nossa cultura está impregnada, desde o descobrimento, pelos valores da fé e da capacidade que esta fé tem para integrar raças e etnias diferentes. Juntamente com a língua, a fé católica da maioria de nosso povo foi um grande fator dessa integração, que se conseguiu, apesar das enormes distâncias, das difíceis comunicações e das diversidades climáticas. A fé cristã católica respeita as expressões culturais de qualquer povo, desde que sejam verdadeiros e autênticos valores. Isso não nos exime de anunciar o que é fruto de nossa convicção: “Todo homem deve poder encontrar-se com Jesus Cristo” (João Paulo II, Encíclica Redemptores Hominis, 13). “Todo homem, aliás, necessita de Cristo – homem perfeito e salvador do homem. Cristo é a luz que, integrada nas mais diversas culturas, as ilumina e eleva por dentro. A fé cristã não está em contradição nem mesmo com os valores religiosos da religião de cada povo, pois revela-lhes a verdadeira face de Deus, que é Pai.” (João Paulo II, Salvador – BA, 07.07.80).

            5ª – A família. Uma das maiores riquezas que recebemos dos portugueses foi o valor que já no século XVI eles davam à família. O papel dela é o de prestar um serviço ao amor e à vida. A saúde e o bem-estar da sociedade passam necessariamente pela família. Destruí-la é destruir a sociedade; construí-la é colocar os alicerces para uma sociedade harmoniosa. O ditador russo Gorbachev, que mudou radicalmente o seu país, ao dirigi-lo de 1985 a 1991, escreveu um livro sobre seus sonhos: “Perestróica” – palavra que significa “reconstrução”. Ali ele observou que uma das causas do fracasso soviético no que diz respeito ao marxismo foi a tentativa de acabar com o modelo tradicional da família, passando a educação das crianças para o Estado. Aqui em nosso país, ao contrário, a família sempre foi valorizada. No meio das dificuldades que enfrenta, dos problemas e desafios sempre presentes, ela  continua sendo vista como um valor a ser preservado. Mas há muita gente trabalhando para destruir a família; há quem se dedique a ridicularizar o modelo de família que a Palavra de Deus nos apresenta – isto é, aquela unidade constituída por pai, mãe e  filhos (claro: entram, aí, de certa maneira, também os avós, os tios etc.). Há os que pretendem dar o nome de “família” a qualquer grupo de pessoas. Podem ter certeza: a partir do momento em que a família –  que chamo de “tradicional”, como poderia chamar de “bíblica” –, deixar de ser vista como um valor, vão multiplicar-se em nossa sociedade aqueles problemas que já sabemos a que nos levarão.

 Conclusão

            Sabemos que o Deus apresentado pelo catolicismo tem quatro características principais: 1ª) Deus é um só – ao contrário, pois, do que ensinam as religiões politeístas; 2ª) Deus é absolutamente soberano, porque não deve a sua existência a nenhuma outra realidade anterior e não está submetido a nenhuma outra força; 3ª) Deus é transcendente, absolutamente distinto de toda a sua criação, e está acima dela; 4ª) Deus é bom: o Deus do catolicismo ama a humanidade e quer o bem do homem. Deus não procura somente a adoração do homem, mas também a sua amizade. Para isso, ele armou a sua tenda no meio dos homens (“E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós.” – Jo 1,14). Ao assumir nossa carne, tornou-se semelhante a nós em tudo, menos no pecado. Isso significa que Jesus Cristo procurou nosso amor sem nos esmagar com a majestade da visão beatífica – visão que só teremos na eternidade –, mas relacionando-se conosco em nosso nível.

            Curiosamente, vemos a importância da contribuição da Igreja Católica para a civilização ocidental e, particularmente, para a cultura brasileira à medida que desaparece o rosto de Deus em nossa sociedade. Quanto mais Ele é esquecido, ignorado ou combatido, mais dominam o egoísmo, a ganância, a sensualidade, a instrumentalização do ser humano, o vazio existencial etc.

            Por isso, mais do que nos gloriarmos do que fizeram nossos antepassados, somos chamados a trazer o Evangelho para o nosso tempo e a nossa realidade. Evangelizar é levar a Boa Nova a todos os ambientes, transformando-os a partir de dentro e tornando nova a própria humanidade: “Eis que faço de novo todas as coisas” (Ap 21,5). No entanto, lembrava o Papa Paulo VI, “não haverá humanidade nova, se não houver em primeiro lugar homens novos, pela novidade do Batismo e da vida segundo o Evangelho” (Evangelii Nuntiandi, 18). Somos chamados a evangelizar a cultura e as culturas humanas. Nossos antepassados procuraram fazer isso. Agora, somos nós que devemos procurar transformar a cultura em que vivemos, enriquecendo-a com os valores do Evangelho. Se fizermos a nossa parte, as gerações futuras nos serão agradecidas.

 Associação Cultural Brasil-Portugal

Salvador, 5 de novembro de 2013.