A LEI
Justiça Eleitoral em guerra indefinida contra as fake news
Por Roberto Aguiar
As eleições brasileiras de 2018 foram marcadas por uma forte polarização política, debates acalorados em redes sociais e pelo uso de notícias falsas, as chamadas fake news. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou medidas no intuito de combater a disseminação de informações inverídicas, que comprometessem o processo eleitoral. Contudo, as fake news ganharam proporções maiores do que se esperava.
A ministra Rosa Weber, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em entrevista no dia do primeiro turno das eleições, defendeu as ações adotadas pela Corte e lembrou que o tribunal criou um conselho consultivo para pensar medidas contra as fake news, ainda em dezembro do ano passado. Nossa reportagem buscou obter um posicionamento do TSE, mas a assessoria de imprensa informou por telefone que todas as declarações seriam emitidas em coletivas de imprensa ou por nota pública no site do tribunal.
- Confira trechos da coletiva de imprensa com a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, concedida no dia 7 de outubro, data do primeiro turno das eleições:
Conversamos com o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) na Bahia, o Procurador Regional Eleitoral, Cláudio Alberto Gusmão Cunha. O magistrado disse que por ser um fenômeno mais recente ainda não teria como ter avaliação definitiva sobre as ações do TSE no enfrentamento às fake news.
“Considero pré-maturo dizer se foram eficazes ou não. Essa análise depende da perspectiva, de qual olhar. Se formos examinar do ponto de vista do controle dos instrumentos digitais, acredito que as medidas adotadas não foram suficientes. Materialmente impossível, sobretudo nas últimas eleições onde tivemos dentro do ambiente digital uma plataforma que gerou desequilíbrio, o WhatsApp, cuja a forma de comunicação entre os interlocutores é pontual, em grupos fechados, o que dificulta um controle efetivo”, disse o procurador.
“Mas sobre o aspecto jurídico, avalio que foi positivo. A justiça atua mediante provocação, naqueles pontos que foram objetos de representações específicas, determinando a retirada de conteúdo com teor difamatório e inverídico, a justiça respondeu”, completou.
A batalha nas redes sociais
O TSE divulgou que 50 ações sobre fake news foram protocoladas na Corte durante o período eleitoral. O quantitativo de processos representou menos de 12% do total das demandas submetidas aos três ministros designados para atuar no julgamento desses tipos de ações. Um dos processos era sobre o tão falado “kit gay”.
A disseminação de conteúdos duvidosos cresceu conforme foi se aproximando a data de votação. Apenas no fim de semana do primeiro turno eleitoral, a agência de checagem Aos Fatos desmentiu 12 boatos que, somados, acumularam mais de 1,17 milhão de compartilhamentos no Facebook. Do início da campanha até o encerramento do primeiro turno, a equipe do projeto Fato ou Fake desmentiu 114 boatos espalhados na internet, pelas redes sociais.
Importante destacar que um levantamento realizado pela empresa MindMiners apontou que as redes sociais foram os principais meios de informação nas eleições, citadas por quase 60% dos entrevistados. Em seguida, vieram o horário eleitoral gratuito na TV (53%) e conversas com amigos e família (38%). As redes sociais mais populares foram o WhatsApp (90%), o Facebook (85%) e o YouTube (72%).
Procuradas pela reportagem, Facebook e Google decidiram se posicionar por notas, enviadas por e-mail. O Facebook afirmou que “notícias falsas são ruins para as pessoas e ruins para o Facebook. Estamos fazendo investimentos significativos para cessar a disseminação desses conteúdos e para promover o jornalismo de alta qualidade […]. Nossa estratégia para impedir a desinformação no Facebook tem três pilares: remover contas e conteúdos que violem nossos Padrões da Comunidade ou políticas de publicidade; reduzir a distribuição de notícias falsas e outros conteúdos de baixa qualidade como caça-cliques; informar as pessoas, dando a elas mais contexto sobre os conteúdos que elas veem”, diz a nota.
A empresa ainda destacou que apoiou o Projeto Comprova, coalizão de 24 empresas de mídia para combater desinformação no Brasil nas eleições, financiando a iniciativa e fornecendo suporte técnico e treinamentos por meio do Projeto de Jornalismo do Facebook. Fechou parcerias com a Agência Lupa, Aos Fatos e AFP Brasil, verificadores de fatos independentes certificados pela International Fact-Checking Network (IFCN), unidade do Instituto Poynter cujo objetivo é reunir jornalistas dedicados à verificação de fatos em todo o mundo. Assinou um Memorando de Entendimento com o TSE e o Comitê Consultivo sobre Internet e Eleições no qual reforça o compromisso com iniciativas que visem combater a desinformação.
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O Google disse que leva a disseminação de conteúdo enganoso online a sério e, que desde sua origem, trabalha para combater aqueles que procuram manipular o sistema ou inundar os resultados da pesquisa com material de baixa qualidade e enganoso. Informou que investe bilhões e desenvolve tecnologia de ponta para proteger os usuários contra spam, malware ou ‘fazendas de conteúdo’.
“Lidamos com o fenômeno da desinformação e conteúdo enganoso online a partir de cinco frentes principais: apoiamos a produção (GNI, NewsLab) e detecção (rótulos nutricionais, atualizações de algoritmos…) de conteúdo jornalístico de qualidade; reduzimos o fluxo de tráfego (ranking alternativo, política de deturpação) e monetização (política de falsidade ideológica) para sites e/ou criadores de conteúdo mal- intencionados; oferecemos maneiras para que nossos usuários identifiquem conteúdo de má qualidade (botões de feedback) e também os ajudamos a encontrar conteúdo enganoso (checagem de fatos…); financiamos pesquisa (por exemplo, o papel de aplicativos de conversa) e parcerias (por exemplo, First Draft e Projeto Comprova) para ajudar nossos usuários a lidarem com a desinformação; ajudamos as redações a encontrar modelos de negócios inovadores e sustentáveis (assinaturas, GPP)”, afirma a nota do Google.
Assim como Facebook, o Google ressaltou que trabalha com verificação de fatos, através da rotulagem de artigos no Google Notícias, em parceiras no Brasil com a Agência Lupa, A Publica, Aos Fatos e UOL Confere. A empresa também fechou parceria com a International Fact Checking Network (IFCN). Apoiou o Projeto Comprova e assinou um Memorando de Entendimento com o TSE e o Comitê Consultivo sobre Internet e Eleições.
O Procurador Regional Eleitoral, Cláudio Alberto Gusmão Cunha, avalia que a sociedade esperava mais do TSE porque o próprio tribunal passou essa expectativa. “Respeito muito o ministro Luiz Fux. É uma das figuras mais importante do nosso mundo jurídico, pela sua história e conduta, mas quando esteve na presidência do TSE cometeu um erro de avaliação. Superestimou o papel do tribunal e subestimou o fenômeno fake news. Isso gerou essa desigualdade tão significativa, entre o que se esperava e o que efetivamente ocorreu. Contudo, isso é uma briga de gato e rato, pois a cada iniciativa faz-se uma provocação e busca-se suprimir aquele conteúdo”, ressaltou.
Gusmão defende que, ao lado de medidas legais, o TSE deve usar a educação midiática como antídoto contra notícias falsas. “É preciso estabelecer critérios preventivo de controle e combate às fake news, sem que isso acarrete ou enseje a configuração de censura ou cerceamento ao direito da liberdade de expressão e manifestação. Vejo a educação digital como uma importante ferramenta nesta luta, para que as pessoas possam ter mais cuidado com o que consomem e divulgam como notícia”, afirmou.
O represente do MPE defendeu que essa ação do TSE aconteça em parceria com os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). “Algumas coisas não podem mais repetir. O TSE estabeleceu uma discussão em nível nacional sobre as fake news, mas não replicou isso nos Estados. Não houve uma orientação. As medidas ficaram concentradas no âmbito do TSE, o que demonstra um equívoco estratégico. Nos Estados teve discussões sobre esse tema por iniciativas dos servidores e dos tribunais regionais, a exemplo do projeto ‘Eleições limpas passam pelas nossas mãos’ organizado pela Ouvidoria do TRE Bahia”, destacou.
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Série completa
Parte 1 – VÍTIMA DA MENTIRA: De trabalhador a criminoso. O impacto das fake news
Parte 2 – CURA MILAGROSA: Tratamentos alternativos podem trazer consequências graves
Parte 3 – A LEI: Justiça Eleitoral em guerra indefinida contra as fake news
Parte 4 – CHECAGEM: Apuração basta? Saiba o que dizem pesquisadores e editores de veículos baianos
Parte 5 – RASTILHO DE PÓLVORA: Educação para mídia online
*Este texto é parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)/2018 apresentado ao Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) pelos alunos Francisco Artur Filho, Lívia Oliveira, Pedro Vilas Boas e Roberto Aguiar.