Aos 60 anos, ela está ativa e experimenta novidades, apesar de um tanto insegura com os interesses dos mais jovens. É baiana, com orgulho, mas também reivindica o lugar de brasileira. Ela tem muita história para contar. Esse pode ser um perfil da televisão na Bahia traçado, na última quinta-feira (19), em um debate que reuniu jornalistas, pesquisadores e profissionais da TV para discutir a história e o futuro da produção televisiva na Bahia, em seu sexagenário.
O evento foi a 30ª edição do Em Casa com a Facom, encontro virtual da Faculdade de Comunicação da UFBA, que teve a participação do pesquisador e diretor de televisão Gabriel Priolli, do professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Sérgio Mattos e do apresentador e produtor da TV Aratu Pablo Reis.
A mediação ficou por conta do também jornalista e professor da Facom Washington de Souza Filho. Para ele, com o evento, a UFBA fortalece seu lugar de preservação da memória e discussão das práticas atuais da profissão. Em entrevista à Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Washington lembrou que, há 10 anos, a única lembrança dos 50 anos da TV na Bahia foi um livro publicado pela Edufba. Agora, novamente, coube à universidade marcar os 60 anos. “É importante esse diálogo de quem está na academia com quem está no mercado, termos um debate ampliado sobre as transformações político, econômicas e sociais que a TV tem promovido”, afirma o professor.
Baiana boa
Paulista, Gabriel Priolli dedicou sua exposição para mostrar seu incômodo com os rótulos e discussão sobre o que é uma televisão regional e o que seria a TV nacional, quase sempre entendida como a produção do eixo Rio–São Paulo. “Em setembro, aqui, comemoramos os 70 anos da TV. Não os 70 anos da TV em São Paulo, mas os 70 anos da TV. Enquanto agora comemoramos os 60 anos da TV na Bahia, como se fosse um assunto apenas dos baianos”, provocou Priolli, que lembrou que apenas eventos pontuais, como o Carnaval de Salvador, tornam-se produtos televisivos alçados às redes nacionais. “A TV nacional é a TV do sudeste projetada nacionalmente ou ela pode vir a ser a somatória do que é produzida nas diversas regiões do país?”, indagou.
A primeira emissora da Bahia foi a TV Itapoan, lançada exatamente no dia 19 de novembro de 1960. Ao resgatar o histórico e o protagonismo da emissora, o pesquisador Sérgio Mattos lembrou que a importância da TV baiana para a história da TV nacional passa por experimentações, pela projeção de artistas como Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Maria Bethânia, pela atração e fundação das primeiras agências de publicidade no estado e o pioneirismo até mesmo em formatos, como a exibição do primeiro seriado de aventura e a primeira adaptação televisiva do livro Senhora, de José de Alencar – fato contestado pelos paulistas, lembra Mattos.
“A Bahia ainda carece de uma história da sua imprensa. Temos alguns recortes dessa história, mas a história da imprensa da Bahia não foi contada”, sugere o professor, que é o autor de História da Televisão Brasileira: Uma Visão Econômica, Social e Política. “Essa história da TV na Bahia é repleta de lutas, êxitos, gafes e pioneirismo. A TV Itapoan contribuiu para a mudança de mentalidade da população como um todo e dos profissionais de comunicação, mudou a cabeça dos empresariados”, avalia Mattos.
Apesar dessas mudanças, os integrantes da mesa concordaram que os interesses comerciais ainda mandam e desmandam na televisão. “A gente tem uma televisão que não existe para fazer cultura e educação, mas para fazer dinheiro. O conteúdo se subordina um pouco a isso e sufoca a cultura regional”, resumiu Priolli.
Padrinhos
Dois nomes apareceram de modo recorrente nas declarações dos debatedores. Assis Chateaubriand e Antônio Carlos Magalhães, lembrados como importantes articuladores do fortalecimento da TV na Bahia, mas não só. “Ele [Chateaubriand] não é só o iniciador da TV no Brasil como também é responsável pela regionalização ou expansão nacional da TV. Não enfatizam esse aspecto, mas embora tenha saído de São Paulo, a televisão brasileira é obra de um nordestino. Talvez, para os paulistanos, isso seja algo difícil de engolir”, brinca Priolli. Chatô, como é conhecido, é paraibano e além de empresário e jornalista foi político, advogado e professor.
Já o político baiano ACM foi lembrado como um dos mais poderosos ministros da Comunicação que o Brasil já teve, responsável pela relação que hoje as emissoras têm com a política partidária em vários estados, por conta do modo como ocorreu a distribuição das concessões feita no governo Sarney. Mas também, lembrou Pablo Reis, ACM é responsável por um “DNA baiano” no modo de se fazer televisão.
Futuro
Sobre o dilema entre nacional e local, no jargão televisivo também conhecido como cabeça de rede e afiliadas, o diretor e apresentador de TV Pablo Reis revela que é um tipo de discussão que tem vivenciado na prática na TV Aratu/SBT e que há uma busca por equilíbrio. Ele conta que a queda de audiência do conteúdo nacional tem contribuído também para a experimentação e ampliação de conteúdos segmentados e ao vivo. “O pessoal quer se ver mais na TV. Isso [de maior produção local] exige mais investimento, o que, em um ano como esse se coloca em stand-by”, afirma Pablo.
Como homem de televisão, Pablo mira o histórico do rádio. Ele argumenta como a mídia vizinha saiu de um produto nacional para se fortalecer como um tipo de produção local, mais próxima e com maior participação do público. Pablo, por suas declarações no evento, aposta que esse pode ser o caminho para a TV e, na falta de horas de programação na rede, tem feito experimentações convergentes e formatos de transmissão nas redes sociais, o que tem permitido inclusive realizações de “TV de uma pessoa só”, em substituições de equipes de no mínimo 15 pessoas. Além disso, Reis pensa que os multicanais trazidos pela TV Digital possam ser uma oportunidade das emissoras locais ampliarem sua programação.
Pablo aponta como uma das principais mudanças recentes no modo de fazer televisão a medição da audiência pelo chamado “real time”. Na prática, a resposta do público que antes demorava semanas e depois dias agora é vista minuto a minuto. “Baseado numa reação imediata do público, a gente vai tomando decisões muito com base na psicologia das massas e isso faz com que a gente não tenha tanto tempo assim, algumas vezes, para refletir sobre as decisões que tomamos. Isso é a grande explicação do porquê a TV, e principalmente a TV na Bahia, é do jeito que é atualmente”, avalia.
Veja como foi o evento