Há 94 anos era fundada a Associação Bahiana de Imprensa. Naquele ano de 1930, os 73 jornalistas que se reuniram nos salões da Associação Tipográfica Baiana para oficializar a criação da entidade enfrentavam, como os jornalistas de hoje, desafios substanciais. Muitos, incluindo o idealizador e primeiro vice-presidente Thales de Freitas, levavam em paralelo outras profissões como farmácia e advocacia. Pagava-se muito pouco nos jornais.
E, se a ABI já foi criada com a missão de defender a liberdade de imprensa, a chamada “Revolução de 30” chegaria em apenas alguns meses para trazer os primeiros atos da censura que a entidade passaria toda a sua história enfrentando. Neste marco de 94 anos, a ABI comemora sua história de atuação e um dos maiores motivos da sua resiliência: o edifício Ranulfo Oliveira.
Ranulfo, à época grafado com “ph”, foi presidente da Associação por 39 anos e o maior realizador da campanha pela construção desse edifício que leva o seu nome, e que já nasceu com o propósito de proporcionar uma renda fixa à entidade, garantindo a perpetuação da memória da imprensa baiana e a defesa dos seus direitos. A história desse prédio, que em muitos aspectos se confunde com a da ABI, já começou em relação estreita com a sociedade na chamada Campanha do Tijolo, em que empresários e cidadãos contribuíram para a construção do edifício através da compra de “tijolos” simbólicos. Além das longas caravanas feitas pelo interior para angariar recursos de prefeitos e outras autoridades, eventos culturais e esportivos promovidos pela ABI também ajudaram a pagar a construção.
“Esse edifício ao mesmo tempo é um ativo físico, material, um imóvel que alugado rende a nossa principal fonte de receita, mas é também o mais importante e o mais valioso item do nosso acervo, porque ele conta uma grande parte da história da ABI. Pelo menos os primeiros 30 anos de existência da Associação Bahiana de Imprensa foram basicamente voltados para a construção do prédio, um esforço que mobilizou toda a sociedade baiana, o meio político, empresarial, e segmentos bem populares também participaram de todas as campanhas para viabilizar a construção do edifício”, pontua o presidente da ABI, Ernesto Marques.
O presidente da Assembleia Geral e ex-presidente executivo, Walter Pinheiro, também reitera a importância do prédio, destacando mais uma vez as suas portas abertas. “[O Ranulfo Oliveira] foi um dos primeiros a seguir a linha modernista na região e se caracteriza como um equipamento muito importante e muito visto, numa área que sofreu forte degradação. A ABI com esse edifício contribui para a conservação do centro histórico de Salvador, que é patrimônio histórico da humanidade. É um dos equipamentos que mais oferta acesso à comunidade na região”, afirmou ele.
Desde a sua inauguração em 1960, o edifício foi palco de eventos históricos da capital baiana. Nele, até 1974, funcionou a Assembleia Legislativa da Bahia, atravessando muitos dos piores anos de ditadura militar. Nelson Cadena, diretor cultural da ABI é autor de um livro sobre a história da entidade e testemunha: “Toda a repressão da ditadura na Assembleia Legislativa da Bahia ocorreu lá no Ranulfo Oliveira. A ABI se manifestou contra a violência com jornalistas na época, mas não podia resistir. Podia protestar, mas se resistisse fechava”.
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A ABI, cuja adesão inicial ao regime militar foi reconhecida numa nota de reparação publicada em 2014, não obstante esteve na linha de frente da defesa à liberdade de imprensa. Foi assim em 1972, quando pleiteou audiências com o governador Antonio Carlos Magalhães para tentar pôr fim à perseguição que o Jornal da Bahia vinha sofrendo por parte do governo, e foi assim em 1931, quando a entidade se mobilizou para se opor à prisão do diretor do jornal Diário da Bahia, Octávio de Carvalho, acusado de publicar artigos desfavoráveis ao interventor Arthur Neiva. E continua sendo também no século 21: em 2013, por exemplo, a ABI sentou com o governador Jacques Wagner para demandar ação quando integrantes da Polícia Militar do Estado da Bahia se voltaram contra jornalistas, durante as manifestações que ocorreram naquele ano.
Janelas para o futuro
A continuidade de todo esse legado no século 21 é tão desafiadora quanto essencial. Um exemplo das renovações atuais são as reformas do Edifício Ranulfo Oliveira, com novas instalações elétricas e hidráulicas, Plano de Combate a Incêndio, climatização do auditório e do Laboratório de Conservação, e implantação de energia solar. O Museu da Imprensa, aberto em 2020 no térreo do edifício, também foi um passo relevante para tornar o arcabouço de memória da ABI contida no Ranulfo Oliveira mais acessível ao público, assim como a consolidação da Série Lunar de apresentações gratuitas de música clássica no auditório da entidade. Outra vitória foi a publicação do Protocolo Antifeminicídio, um guia para a cobertura da violência contra a mulher que busca difundir boas práticas no trato desse tema no jornalismo.
São muitas as transformações recentes e em curso, incluindo a aprovação de um plano específico de comunicação com ajustamento à LGPD e fortalecimento do site. Mas, talvez, as mudanças mais importantes sejam as que dizem respeito aos associados da ABI. “Temos quase 10 vezes mais associados ativos do que cinco anos atrás. Só de 2022 para cá tivemos um aumento considerável da representação de faixas etárias mais jovens, na casa dos 30 anos. Também houve um aumento substancial na porcentagem da nossa receita que é mantida pelos associados, que era de apenas 1% em 2020 e passou a ser 7% hoje”, detalha o presidente Ernesto Marques.
Todas essas transformações, no entanto, não deixam de trazer desafios árduos. Um exemplo são os gastos com a reforma dos sistemas do Edifício Ranulfo Oliveira, solicitada pela Prefeitura de Salvador, que forçaram a ABI a suspender seu expediente presencial até a renegociação do contrato de aluguel da Prefeitura Bairro que funciona no prédio. A regularização desse cenário e retorno à adimplência da entidade é atualmente um dos seus objetivos principais a curto prazo. Pensando no cenário mais amplo, porém, os desafios para a ABI são os mesmos do jornalismo em geral: a adaptação às mudanças tecnológicas e culturais do ramo da comunicação.
Em meio a todas essas mudanças, porém, a ABI chega aos seus 94 anos de história ainda com muita vida e ânimo para realizar e debater. Como diz o ex-presidente Walter Pinheiro, a ideia plantada lá em 1930 pelos 73 jornalistas que se reuniram para formar a ABI está gerando hoje frutos cada vez mais concretos. Tudo isso, é claro, graças aos seus alicerces no Edifício Ranulfo Oliveira.
*Caio Valente é estagiário de Jornalismo da ABI | Edição: Jaciara Santos