Todos os dias, chova ou faça sol, mãe e filho cumprem uma dura rotina de superação. São duas horas e meia para sair da Fazenda Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador e chegar até a Facom, em Ondina. O mesmo esforço e tempo para voltar para sua casa. Adauto Menezes ingressou no curso de Jornalismo no primeiro semestre de 2019, pela política de cotas para pessoas com deficiência. Ele tem ossos falcêmicos e desvio de joelho valgo – quando os joelhos nascem desalinhados, e ocorre um desvio voltado para dentro dessas articulações.
Entrar num dos melhores cursos de Jornalismo do país foi até fácil. Difícil mesmo é ter que enfrentar, no ambiente universitário, as dificuldades de locomoção encontradas em seu dia a dia. Em vez de desistir ou esperar mudanças na estrutura da universidade e da própria cidade, inóspita para pessoas com deficiência, ele resolveu criar uma campanha de arrecadação online através da plataforma Vakinha. A meta estabelecida é o suficiente para comprar uma cadeira de rodas motorizada – entre R$ 10 mil a R$ 12 mil.
Adaptada no prédio construído originalmente para ser um restaurante universitário, a Faculdade de Comunicação não tem elevadores. O prédio foi projetado com o fosso necessário, mas os equipamentos nunca foram instalados. Em 2008 foi feito um pregão para a compra de equipamentos, mas a aquisição foi condenada pela Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura da UFBA (Sumai).
Para possibilitar, provisoriamente, o acesso de pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção aos andares superiores do prédio, a direção da Facom construiu uma rampa. Mas a solução paliativa, segundo Adauto, não é satisfatória: “quando tenho aula fora do térreo, tenho que dar uma volta e entrar pelos fundos da faculdade, num acesso bem ruim, uma ladeira bastante íngreme”, relata, indignado. Para assistir aulas no segundo andar, ele precisa solicitar a realocação para o térreo ou primeiro andar ao Colegiado e aos professores.
Prosseguir estudando, para Adauto, é sempre sinônimo de desafio e incerteza, mas ele leva a situação com otimismo. Comprar uma cadeira de rodas motorizada significa também ter maior autonomia, mesmo que a questão de acessibilidade dependa de ações institucionais capazes de assegurar condições mínimas para pessoas com deficiência ou necessidades especiais de educação permanecerem até a conclusão do curso na universidade.
Desafio duplo para uma mãe que sonha junto com o filho e fica dividida entre a necessidade de trabalhar e o auxílio sem o qual Adauto não acessa a Faculdade. No texto da campanha, Menezes relata inclusive, que sua mãe, Bárbara Menezes “vem sentindo dores em consequência de todos os anos o ajudando”. Desde quando Adauto era criança a rotina se repente. “Não estou mais aguentando empurrar a cadeira, são quase 15 anos fazendo isso, por isso a campanha é tão importante para nós”, exclama Bárbara.
Foto: I’sis Almeida
Acompanhamento institucional
O Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais (Nape) acompanha a rotina de Adauto e outros estudantes na UFBA. Criado através da Portaria nº 74, de 26 março de 2008 e vinculado à Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil – Proae, o núcleo “têm a missão de contribuir para a eliminação de barreiras atitudinais, arquitetônicas, comunicacionais, e outras com vistas à inclusão da pessoa com deficiência na Universidade Federal da Bahia”, segundo aponta o site.
Contatado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), José Gonçalves, atual coordenador substituto do Nape, informou que no atual semestre, são, ao todo, 75 alunos com algum tipo de deficiência acompanhados pelo núcleo, sendo, seis deles, da Faculdade de Comunicação, mas que o número total de alunos com deficiência pode aumentar, considerando os alunos que não solicitam acompanhamento. “Esse dado refere-se ao número de alunos que procuram o núcleo e que recebem algum tipo de atendimento do setor. Eventualmente pode haver aluno com deficiência matriculado na universidade que não necessite de suporte”, alerta o coordenador.
Cortes na educação podem influenciar andamento da instalação de elevadores na Facom
No dia 30 de abril o ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarou que cortaria 30% do orçamento de universidades federais. A decisão vigente, antes anunciada apenas para a Universidade de Brasília (UnB), à Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi estendida à todas universidades federais e muitas já constataram o bloqueio de verbas.
De acordo com Suzana Barbosa, atual diretora da Facom, os cortes nas despesas obrigatórias proferidos pelo Ministério da Educação às universidades podem afetar a instalação dos elevadores assim como vêm afetando o orçamento da Faculdade de Comunicação e da UFBA. Ela relata que até mesmo a finalização do semestre de 2019.2 é incerta: “Com o panorama atual de muita restrição orçamentária, isso só dificulta, infelizmente. Nós estamos lutando para que a UFBA consiga finalizar o seu semestre”, lamenta.
Para contribuir com a campanha para a compra da cadeira de rodas para Adauto basta entrar no link da Vakinha, preencher os dados e confirmar a colaboração após o preenchimento dos dados.
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*I’sis Almeida é estagiária de jornalismo sob supervisão do jornalista Samuel Barbosa