“Como é possível pensar o futuro sem pensar o presente?”, questionou o economista e professor Paulo Miguez, vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), durante reunião da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), na manhã de hoje (10). O reitor em exercício foi recebido pela entidade para falar sobre o “Future-se”, projeto do Ministério da Cultura (MEC) que prevê, entre outras mudanças, a possibilidade de cessão de “naming rights” (direitos de nome, em português) de universidades públicas a empresas privadas (ler minuta aqui). A participação de Miguez integra o ciclo “Temas Diversos”, projeto mensal da ABI onde acontecem debates para discutir assuntos relevantes sobre imprensa e sociedade.
A proposta quer alterar o modo de financiamento do Ensino Superior público no Brasil, ao ampliar o papel das verbas privadas no orçamento das universidades. O projeto apresentado pelo MEC, no dia 17 de julho de 2018, também relaciona a permissão para as universidades celebrarem contratos de gestão compartilhada do patrimônio imobiliário com empresas privadas; a criação de fundos patrimoniais com doações de empresas ou ex-alunos, para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo; e a criação de ações de cultura que possam se inscrever em editais da Lei Rouanet ou outros de tipos de fomento.
De acordo com Paulo Miguez, o projeto destrói os pilares da universidade pública e não se sustenta juridicamente. “Tem pouca possibilidade de prosperar porque é inconstitucional. Ele prevê, entre outros pontos inaceitáveis, a abertura dos hospitais universitários ao atendimento privado. Sabemos da necessidade de um programa que enfrente os problemas das instituições de ensino, mas esse não é o caminho”, avalia. “O Future-se inviabiliza a assistência estudantil, a expansão e a diversidade, torna insustentável o tripé ensino-pesquisa-extensão, e compromete a autonomia da universidade”, explicou.
Sufoco orçamentário
Miguez apresentou a estrutura da UFBA e ressaltou a importância de “desmistificar a ideia de que o professor universitário não trabalha e é bem remunerado”. Ele ironizou o argumento de Abraham Weintraub, ministro da Educação, sobre as universidades estarem promovendo “balbúrdia” em seus campi. “A Universidade adora uma balbúrdia, mas nunca a barbárie”, disse.
Ele denunciou ataques à universidade e as tentativas de “quebrá-la”, por meio de contingenciamentos e bloqueios de verbas. “O sufoco orçamentário a que estamos submetidos no governo atual prejudica o funcionamento de uma instituição que contribui para a redução da desigualdade. A universidade é um projeto de futuro da sociedade. Não é propriedade de nenhum governo. Uma imprensa livre e uma universidade crítica são fundamentais para a vida democrática”, enfatizou.
Miguez também destacou o caráter combativo da ABI e sua atuação nos períodos de censura no Brasil. “Os conselheiros da ABI, como representantes de um importante segmento da sociedade, são fundamentais para que os baianos compreendam o papel relevante da universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade”.
Segundo o presidente da ABI, Walter Pinheiro, a imprensa tem um papel forte e não tem se omitido nas denúncias. Ele também destacou “os sucessivos erros cometidos pelo MEC” e a “dança das cadeiras” na pasta. “Seria bom se os governantes pudessem exercitar aquilo que prometeram antes de serem eleitos. Não tem esse que, em campanha, não reconheça a importância educação. Quando eles sentam na cadeira, as coisas mudam. Infelizmente, o MEC deste governo tem desacertado constantemente”, criticou.
“Espero que este debate contribua para que a imprensa compreenda as possíveis implicações do Future-se como uma ameaça à educação superior no país, trazendo à luz as ambiguidades e incertezas não suficientemente esclarecidas pelos seus proponentes”, afirmou Paulo Miguez. “É preciso que a sociedade compreenda, sem sombra de dúvida, a ameaça que o projeto pode representar para o futuro da educação pública superior do Brasil, a partir da discussão de suas proposições nos mais diversos fóruns”, pontuou.
Rejeição
A maioria das universidades federais já decidiu não aderir ao Future-se ou manifestou críticas ao programa. As principais críticas das instituições estão concentradas na perda da autonomia acadêmica e financeira, uma vez que os contratos de trabalho ou para pesquisas seriam fechados por meio de organizações sociais (OSs).
A UFBA ainda não emitiu comunicado. No dia 29 de outubro, às 14h, uma reunião extraordinária do Conselho Universitário (Consuni), será realizada no Salão Nobre para definir o posicionamento oficial da instituição. “Não fomos consultados e a minuta do projeto veio em tom de chantagem, embora o ministro tenha dito que a adesão não é obrigatória. Tivemos uma atitude cuidadosa e pedimos que as unidades analisem antes de nos pronunciarmos formalmente”, completou Miguez.
O Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública na Justiça para que o MEC realize Consulta Pública sobre o programa Future-se, obedecendo as regras estabelecidas pela lei. O MPF quer que o MEC refaça a Consulta Pública sobre Future-se e ouça a sociedade. A petição ressalta que a Consulta foi realizada por uma organização social, embora a legislação determine que consultas públicas sejam efetuadas, em todas as suas etapas, pelo Poder Público. Segundo o MPF, o MEC encaminhará ao Congresso Nacional propostas obtidas através de consulta irregular.