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Manuais de Direitos Humanos ajudam veteranos e novos profissionais da imprensa

Apesar de escassos, produções dão dicas de como tratar grupos e questões como racismo, gênero e adolescência

Em resposta às barbáries da Segunda Guerra Mundial, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU). No mesmo ano, foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). O documento foi elaborado entre janeiro de 1947 e dezembro de 1948, estabelecendo a proteção universal dos DHs. 

No jornalismo, não é difícil encontrar abordagens que ferem os princípios básicos dos Direitos da Declaração Universal, e manuais sobre temas como racismo, gênero, nomeação de pessoas LGBTQIA+ dentre outras questões, têm surgido como ferramenta para atualizar profissionais da imprensa sobre parâmetros legais e éticos de abordagem em apurações jornalísticas. De acordo com Rafael Paes, professor de jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santos, os manuais relacionados aos DHs abordam temas importantes, de forma rápida e objetiva. 

“O jornalismo é essa caixa de ressonância que muitas vezes reverbera os preconceitos, lugares comuns, maus entendimentos, e amplifica o preconceito, a discriminação”, afirma Rafael, que também é mestre em Ciências da Comunicação e doutor em Filosofia. Segundo o professor, os jornalistas precisam estar muito bem preparados. “O jornalista não é um ser de Marte, não é um extraterrestre, vive na nossa sociedade, é resultado dela. Os manuais são interessantes porque geralmente são textos claros, diretos, e que quase sempre trazem exemplos bons e ruins”, afirma.

“Infelizmente, Direitos Humanos não é uma pauta que seja enxergada claramente nas universidades no ensino do jornalismo, mas eu acho que antes disso, é necessário revisar o que são o conceito dos DHs”, diz Graciela Natansohn professora associada da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Graciela explica que o campo dos Direitos Humanos já surge de modo sexista, a começar pelo seu “primeiro significado”. Os Direitos Humanos aparecem na Revolução Francesa como ‘direitos do homem e do cidadão’. 

“Humano é um conceito muito amplo”, diz. “No plano internacional é muito nova essa visão de que os Direitos Humanos exige uma leitura de raça, de classe e de gênero. É necessário ampliar o conceito para  uma visão interseccional, ou seja, vislumbrar que os humanos não são iguais, então a perspectiva precisa enfocar as especificidades de grupos humanos que estão na sociedade com interesses diferentes”, defende a professora.

Para Luiz Lasserre, editor do Jornal A Tarde, mesmo que relevantes, os manuais têm um papel reduzido. “O repórter no dia a dia não fica ali: ‘eu vou escrever e consultar o manual”. Isso até acontece quando aparecem algumas questões específicas, uma dúvida, mas no geral não. Acredito que a responsabilidade deve ser dos gestores de redação, das pessoas que editam a matéria, esses sim tem que estar bem atentos porque são os que dão os textos finais ao repórter. Para o jornalista, ex-colaborador da Cipó – Comunicação Interativa, uma organização que presta serviços de consultoria em criação e execução de campanhas colaborativas em defesa dos  direitos de crianças e adolescentes, figuras como a do editor são chave numa redação.

“Por exemplo: uma pessoa é presa numa situação bem preliminar, mas a imprensa  diz que a pessoa é acusada ou culpada, já praticou um assassinato ou é um assaltante, muitas vezes, lá na frente, mostra-se que não era bem assim, que a prisão foi arbitrária, a pessoa é absolvida, mas o problema já está feito”, exemplifica Luiz.  Muitos jornais enfrentam problemas sérios porque publicam coisas que depois não se confirmam. A pessoa fica prejudicada e processa o veículo. Então, é um cuidado que os veículos devem ter porque existem prejuízos financeiros, além de éticos”, completa.

Para Lassere, que foi responsável anos atrás por uma reestruturação na antiga editoria de “polícia” no jornal A Tarde – na época, configurada para editoria de segurança (que hoje já não existe mais) -, é possível que os manuais de redação “tradicionais”, aqueles que levam orientações sobre a escrita das reportagens, possam ser mais aprofundados nas questões de Direitos Humanos, mas esse trabalho de conscientização, de aprimoramento, é de todos e não deve ficar preso no manual. 

Graciela faz uso de manuais em sala de aula, incentiva a leitura das diversas opções disponíveis na Internet e Rafael também. De acordo com a professora, “não há menor dúvida que questões de DHs devam ser inseridas em manuais de redação”. “Já revisei antes manuais da Folha, do Estadão, da Editora Abril, hoje eu não reviso mais. No entanto, tenho certeza que manuais de diversos veículos estão cheios de problemas”, conta.

“Se os manuais de redação são manuais de como escrever corretamente, não ser machista, não ser racista, não ser capacitista, não ser gordofóbico, isso é correto, isso tem deve estar nos manuais tradicionais, como não?!”, exclama Natansohn. “Não vou dizer que deveriam ser tratados teóricos em absoluto, mas incorporar as inovações, as transformações”, completa. 

Papel da Imprensa

Segundo o coordenador da área de Direitos Humanos do Ministério Público da Bahia, Edvaldo Vivas, a responsabilidade na criação de manuais sobre Direitos Humanos é da imprensa. “Quem deve tomar iniciativa na criação desses manuais são as associações, os conselhos de classe e tudo mais, são essas entidades jornalísticas que têm legitimidade para discutir como é que a imprensa deve abordar isso de uma forma que respeite a liberdade do jornalista mas ao mesmo também respeite algumas questões, alguns limites da liberdade de expressão que estão postos na Constituição Federal”, afirma o especialista. 

Edvaldo orienta questões que acredita que os manuais devam pontuar. “Primeiro, situar os profissionais de imprensa dos conceitos básicos. As pessoas acham que sabem sobre racismo, questão de gênero, etc., mas na verdade não sabem nada, e acabam reproduzindo racismo estrutural, homofobia. Então, trabalhar com conceitos básicos é uma coisa que os manuais precisam desmistificar. Esse é o primeiro caminho”, explica. O segundo caminho é a questão da linguagem. 

“É muito interessante que, por exemplo, se um profissional está fazendo material específico para pessoas trans, não ocorram erros de linguagem, adotando por exemplo uma linguagem neutra. Se você está fazendo algo específico para essas pessoas, precisa atentar para a linguagem delas. Outro exemplo é o Movimento Sem Terra (MST), você não pode usar por exemplo a palavra “invasão”, porque por mais que a matéria tenha um enfoque positivo, se a linguagem for inadequada, vocês estarão errando”, orienta Vivas.

Manuais sobre Direitos Humanos, onde encontrar?

Manuais gerais sobre Direitos Humanos são difíceis de encontrar, mas algo que todo jornalista deve saber é quais são os direitos fundamentais de cada pessoa. Esse “é um exercício de afinar nossa sensibilidade como comunicadores”, defende a estudante de jornalismo Larissa Costa, do 5º semestre na Facom. Ela foi aluna de Graciela na disciplina “Oficina de Jornalismo Impresso” e conta que a experiência de acesso a manuais específicos de DHs em sala de aula foi proveitosa. 

“Acredito que a experiência na Oficina de Jornalismo Impresso, tem um ponto de vista diferente das outras disciplinas. Então a gente tem esse momento, quase sempre perto do final do semestre, quando vamos fazer o seminário e os temas são voltados para Direitos Humano”, conta. E onde encontrar esses materiais específicos sobre temas como antirracismo, identidade de gênero, pessoas com deficiência e muito mais? 

Por meio de indicações das fontes dessa reportagem e pesquisas sobre a área de Direitos Humanos, separamos alguns manuais que vão te ajudar com escrita, produção de reportagem para rádio e ou televisão e para toda a vida. 

  1. Minimanuais de Jornalismo Humanizado do Think Olga 
Ediçoes do “Minimanual do Jornalismo Humanizado | Imagem/Reprodução

De acordo com a Ong Think Olga, a imprensa (pode e deve) ser melhor. No site da Think, na aba ferramentas, é possível encontrar as 7 edições do intitulado “Minimanual do Jornalismo Humanizado”, são manuais disponibilizados em pdf com os temas: racismo; esteriótipos nocivos; aborto; violência contra a mulher; pessoas com deficiência; jornalismo esportivo e LGBTA+.

Os manuais são em formato “pocket”, e deliberam um conjunto de regras básicas para evitar erros clássicos na abordagem de notícias relacionadas a grupos minorizados. O Minimanual de Jornalismo Humanizado “traz exemplos práticos e diretos para jornalistas e veículos de comunicação que desejam limpar o conteúdo editorial que produzem de preconceitos e visões limitadas da sociedade”, aponta o manual sobre racismo. 

Encontre todos os minimanuais aqui.

  1. Manaul de Comunicação LGBTI+ da Rede de Igualdade de Direitos (GayLatino) e a Aliança Nacional LGBTI

Organizado por Toni Reis, o manual “visa apresentar aos meios de comunicação, incluindo jornalistas e estudantes desta área, a terminologia mais atualizada sobre a população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e intersexual (LGBTI+)*, trazendo à discussão temas importantes para o debate nacional e internacional sobre seus direitos”. 

Indicado por Eder Luis Santana, doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom/UFBa) e mestre em Cultura & Sociedade (PósCultura/UFBa), sua pesquisa de doutorado defende a nomeação como fundamento do jornalismo, ele relata que o Manual de Comunicação LGBTI+, organizado pela Rede pela Igualdade de Direitos (GayLatino) e a Aliança Nacional LGBTI é uma obra que preenche algumas lacunas deixadas pelas manuais de redação convencionais. 

“São importantes os manuais de redação específicos, não produzidos pelas organizações noticiosas, mas elaborados por outras organizações sociais em temáticas que precisam de um olhar assertivo”, defende o pesquisador. Sua tese de doutorado identifica como jornais de grande circulação, ao longo dos anos apresentam diferentes modos de nomear as pessoas da comunidade LGBTQIA+ e a sexualidade dissidente da heterossexual. 

  1. Manual de boas práticas para cobertura de violência contra a mulher

Recentemente, no Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, a Universa/UOL lançou um manual de conduta para a cobertura de violência contra mulher. O material aponta detalhes sobre como abordar familiares de uma vítima de feminicídio durante a apuração de uma reportagem, a que tipo de imagem usar em matérias sobre denúncias de assédio sexual. Com trinta e três páginas, o arquivo tem projeto gráfico e ilustrações da artista Deborah Faleiros e foi analisado pelo AzMina e Instituto Patrícia Galvão. 

Helena Bertho, diretora de redação da Revista AzMina e representante do grupo que analisou o material antes da Universa antes da publicação diz que iniciativas como essa são importantes porque “por mais que ainda tenha toda uma mídia que já está cobrindo a violência contra mulher da maneira mais respeitosa e correta possível, ainda tem muito veículo fazendo isso de maneira machista, em processos que podem revitimizar a mulher, ou seja, a causar uma nova violência no processo de cobertura jornalística”. Para ela esse tipo de manual organiza essas informações, orienta o jornalista saber o que fazer o que não fazer e é um conteúdo prático e útil de ser disseminado, devendo  parte da nova formação das jornalistas. 

  1. Guia de referência para a cobertura jornalística sobre Crianças e Adolescentes

O Guia de Referência faz parte de uma série de publicações que a ANDI – Comunicação e Direitos e foi lançado em 2013. O objetivo dos materiais reunidos no arquivo é oferecer aos profissionais de imprensa orientações de fácil manuseio, “com vistas a uma cobertura qualificada sobre temas da agenda social brasileira – em especial, os relacionados aos direitos de crianças e adolescentes”.

Dentre os temas que permeiam e são destacados nele está a exploração sexual. “Acreditamos que o investimento na qualificação dos jornalistas brasileiros representa um passo decisivo para assegurar e fortalecer, no âmbito do debate público, a devida prioridade em relação aos direitos das novas gerações, prevista na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em diversos acordos internacionais firmados pelo país”, relata o site. 

  1. Guia Mídia e Direitos Humanos do Intervozes

O Guia Mídia e Direitos Humanos é uma publicação fruto da parceria do coletivo Intervozes com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), e foi elaborado depois de oficinas sobre a formação em direitos humanos realizada pela organização. 

O objetivo do material de 130 páginas é “apresentar informações sobre os direitos humanos de mulheres, população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT), negras e negros, crianças e adolescentes, população idosa e pessoas com deficiência e atentar para o papel central dos meios de comunicação na valorização dos direitos destes segmentos, além de orientar a produção para a cobertura ética e responsável sobre temas relativos aos Direitos Humanos”.

I’sis Almeida é estagiária da ABI sob a supervisão da jornalista Joseanne Guedes e Simone Ribeiro

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