ABI BAHIANA

ABI e Afirme-se assinam termo de doação do acervo da “Província da Bahia”

Expoente da imprensa alternativa em Salvador, impresso circulou de forma gratuita durante a década de 1990

A ABI e o Centro de Práticas e de Estudos de Diversidades Culturais – Afirme-se assinaram, na manhã de hoje (3), o termo que oficializa a incorporação da coleção da “Província da Bahia” ao acervo do Museu de Imprensa. O veículo fundado pelo jornalista Fernando Conceição, professor vinculado à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/Ufba), representa um marco para a imprensa alternativa no estado. Suas páginas receberam a colaboração de importantes jornalistas em todo o período de circulação, desde meados dos anos 90 até 2005, quando suas atividades foram encerradas. 

Foram doados pelo Afirme-se 36 exemplares – com exceção dos números 1, 3 e 32. Após a avaliação técnica, histórica e cultural do material pela equipe coordenada pela museóloga da ABI, Renata Santos, a coleção incorporada será disponibilizada à sociedade para fins educativo-culturais e de pesquisas.

Diante de convidados como Tuzé de Abreu, José Cerqueira e Carlos Verçosa, o ato de doação reuniu na sede da ABI estudantes de comunicação e profissionais das áreas da museologia, restauração, história, arquivologia e biblioteconomia. 

De acordo com o presidente da ABI, Ernesto Marques, em breve, a ABI realizará um evento para abordar com profundidade os aspectos da imprensa alternativa. Ao lado do 1º vice-presidente da instituição, o jornalista e pesquisador Luis Guilherme Pontes Tavares, especializado na história da imprensa baiana, ele recebeu o professor Fernando Conceição e a presidente do Afirme-se, a professora Rebeca Teles, para a formalização da transferência do acervo.

Acervo

Rebeca Teles agradeceu à ABI por assumir a tarefa de cuidar da coleção anteriormente doada ao Afirme-se por Fernando Conceição. A dirigente também pontuou semelhanças entre os objetivos da ABI e da ONG.

“A preservação da memória é um fator histórico e cultural que também está dentro das competências e escopo do Afirme-se, como uma organização não-governamental”, afirmou Teles. “Após ouvir o relato de todos os presentes a respeito da relevância da imprensa alternativa, a passagem de acervo para a ABI é ainda mais importante e especial”, salientou Teles.

Presidente executivo da ABI, o jornalista Ernesto Marques agradeceu a doação, reafirmando a importância dos acervos e do trabalho de preservação da memória baiana que é feito pela entidade.

“É um ato de confiança, nós entendemos dessa forma. O que se deposita aqui não são livros e documentos. Quando recebemos, por exemplo, em 2015, o acervo de Walter da Silveira, tivemos a noção exata da responsabilidade que estava sobre os nossos ombros”, relembrou Marques.

“Do ponto de vista institucional é uma satisfação tê-los nesta cerimônia”, celebrou Luis Guilherme Pontes Tavares, reconhecendo a riqueza do bate-papo que teve a participação de alunos da matéria “História do Jornalismo”, ministrada por Fernando Conceição na Facom. “Disciplinas como essa são fundamentais para a formação e nunca deveriam ter saído do currículo do curso de Jornalismo”, avaliou. 

Emile Batista, estudante do bacharelado interdisciplinar (BI) em humanidades e futura aluna da Facom, afirmou ter enriquecido ainda mais sua compreensão sobre a área em que deseja atuar. “Achei muito importante, principalmente porque sai um pouco da lógica de imprensa engessada. Existem coisas que jamais seriam ditas como são na mídia alternativa, além desse resgate da memória”.

O professor, pesquisador e jornalista Fernando Conceição reiterou o compromisso com a salvaguarda da história da imprensa baiana e o papel da ABI como guardiã da sua coleção e de outros periódicos importantes para a cidade. “Eu gostaria de agradecer a ABI por receber esse acervo, para preservar a memória da imprensa alternativa. Foi um prazer encontrar vocês todos aqui”, resumiu.

Memória

A Província da Bahia foi lançada por Fernando Conceição, em 1996, com o objetivo de contribuir com o debate político-cultural de Salvador, e se firmou como forte representante local da imprensa alternativa, com suas pautas criativas, que traziam reportagens investigativas e polêmicas.

O impresso, encerrado em 2005, era distribuído gratuitamente na capital baiana, com periodicidade quinzenal, no início, e, mais tarde, mensal. A tiragem poderia variar entre 5 mil a 10 mil exemplares. Seu slogan “Quem não é o maior, tem de ser o melhor” já traduzia a disputa com a mídia tradicional.

Foto: Joseanne Guedes/ABI

O jornal chegou a faturar o prêmio Banco do Brasil de Jornalismo em 2001, ao lado de A Tarde, e o primeiro lugar no prêmio de Jornalismo Ambiental do Cofic, ao lado da TV Bahia, em 2003.

Na breve conversa que antecedeu a assinatura do termo de doação, o jornalista e associado da ABI, José Cerqueira, traçou um contexto histórico da imprensa alternativa em Salvador, estabelecendo paralelos entre os periódicos “O Verbo Encantado” e “Província da Bahia”. Em comum, os jornais tinham o humor ácido, as principais pautas trazidas sobre o direito das mulheres, do movimento negro e das questões levantadas por LGBTQIAPN+, além das dificuldades financeiras para  manter a periodicidade da publicação. Uma das particularidades do “Verbo” foi ter circulado na capital baiana durante a ditadura militar.

“Nós queríamos ultrapassar as barreiras morais da época”, destacou Cerqueira. Segundo o jornalista, O Verbo passou a buscar liberdade existencial, fundamentalmente. “O Verbo Encantado enfrentou o ápice da ditadura militar, o mais sanguinário dos ditadores, que foi Médici”, relembrou. Ele também descreveu como a contracultura influenciava as pautas do jornalismo alternativo e falou sobre as articulações que originaram movimentos culturais de vanguarda como o tropicalismo, ocorrido no Brasil no final da década de 60 e capitaneado por figuras como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Leitor assíduo de jornais alternativos, o cantor, compositor e multi-instrumentista Tuzé de Abreu revelou como teve seu primeiro contato com a Província. “Eu saía muito, frequentava todos os cinemas de Salvador, principalmente a Sala Walter da Silveira”, contou Abreu. “Eu via todos os filmes que passavam ali, desde que inaugurou. Chegava cedo, tomava um cafezinho e lia os exemplares”. Já O Verbo, ele adquiria nas bancas a Cr$ 1,80.

Preservação

No final da década de 1970, a ABI, sob a supervisão da pesquisadora e folclorista Hildegardes Viana, iniciou o projeto que deu início ao acervo de periódicos do Museu de Imprensa, inaugurado em 10 de setembro de 1976. O trabalho de preservação da memória foi lembrado pela bibliotecária da Associação, Valésia Vitória.

“Hildegardes Viana foi quem teve a ideia de começar a conservar os jornais em circulação na Bahia. Foi como começou, com a museóloga Lygia Sampaio sendo responsável pela catalogação dos exemplares”, observou.

A pesquisadora e arquivista Niury Magarefe, mestranda em Cultura e Sociedade (IHAC/UFBA), acompanhou a equipe da ABI e foi responsável pela catalogação dos exemplares. Por entender a importância de acervos como esse, celebra sua preservação e o projeto realizado.

“Agradeço a oportunidade de participar do projeto. Gostaria de lembrar que a preservação também se dá a partir dos arquivos das bibliotecas e dos museus. Não é só pegar um jornal e guardar em uma gaveta”, afirma Magarefe. “Também é preciso descrever e colocar em sistemas, fazer com que esses documentos estejam disponíveis e acessíveis para pesquisa. Os arquivistas e museólogos são essenciais para isso”, ressaltou.

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