ABI BAHIANA

III Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura reforça a importância da liberdade de expressão

Homenagens marcam evento organizado por ABI, ABL e Gabinete Português de Leitura

Samantha Freire e Maria Raquel Brito


Em tempos de proliferação cada vez mais intensa de notícias falsas e utilização equivocada de ferramentas de inteligência artificial, reforçar o papel do jornalismo e da literatura na defesa da verdade se mostra uma tarefa cada dia mais urgente. É por isso que, em sua terceira edição, realizada nesta quinta-feira (12), o Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura, através do tema “Verdade e Liberdade de Expressão”, reconhece aqueles que se destacam na luta contra a desinformação e a censura.

A abertura do evento foi marcada pela emoção, com homenagens à jornalista catarinense Juliana Dal Piva (ICL Notícias), ao jornalista baiano Flávio Costa (Portal UOL/Alma Preta) e ao jornalista britânico Dom Phillips (assassinado em 2022 na Amazônia, junto com o indigenista Bruno Pereira), representado por sua viúva, a ativista baiana Alessandra Sampaio. O site de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM) também foi homenageado.

Para Ordep Serra, presidente da Academia de Letras da Bahia (ALB), os homenageados representam a importância da escolha do tema do Simpósio. “Eu costumo dizer que a liberdade de expressão tem sido caluniada […] Esses [jornalistas e escritores] que trabalham com veracidade, que usam efetivamente a liberdade de expressão, são combatidos. Por isso essa nossa ideia de homenagear jornalistas que sofrem perseguição, porque usam de maneira efetiva a liberdade de expressão para procurar a verdade” afirmou o antropólogo.

Ele mencionou ainda em seu discurso o jornalista Julian Assange, editor-chefe do “WikiLeaks” que ficou preso por 1901 dias por revelar documentos que registravam crimes cometidos por militares norte-americanos nas chamadas “Guerras contra o terror”, no Afeganistão e Iraque.

A jornalista Juliana Dal Piva (ICL Notícias), apresentadora do podcast “A vida secreta do Jair” e autora do best seller ”O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro”, foi a primeira homenageada. Para Dal Piva, o jornalismo investigativo ganhou um novo significado nos últimos anos, caracterizados por uma aceleração na produção e disseminação de fake news, passando a ser uma defesa do próprio ofício do jornalismo.
“Mais do que se propor a investigar e trazer as informações corretas dos assuntos, que normalmente já teriam que ser feitos pela sociedade em que a gente vive, pelos programas que nós temos, [o jornalista] ganha mais um trabalho, que é também investigar as mentiras que são feitas. Inclusive em cima de jornalistas e do exercício jornalístico” afirmou.

A jornalista desenvolvia trabalhos de apuração relacionados à ditadura brasileira e começou a pesquisar sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo envolvimento dele com militares presentes nos casos que ela investigava.

Dal Piva recebeu mais de uma vez ameaças por seu trabalho. Em 2021, quando foi ao ar o último episódio de “A vida secreta do Jair” – produzido em colaboração com o UOL – recebeu ameaças do então advogado de Bolsonaro e precisou adotar medidas de segurança no ambiente digital.
O segundo homenageado da manhã foi Flávio Costa, colunista do Portal UOL e consultor editorial do site Alma Preta, autor de reportagens investigativas sobre corrupção no Judiciário e na política, crime organizado e violações de direitos humanos. Flávio relata que seus 21 anos de carreira foram marcados por perseguições e preconceito.

Baiano, ele destaca que sua construção enquanto jornalista se deu nas ruas de Pernambués, bairro em que cresceu, e revela uma relação de “amor e indignação” com Salvador, cidade “mãe, mas cruel”, e a desigualdade, racismo e preconceito . Essa relação e as dificuldades, segundo o jornalista, inspiram sua batalha como jornalista.

“É um momento ruim para as empresas [de comunicação] baianas. Eu acho que as pessoas não se veem representadas e não veem sendo discutidos os problemas que mais as preocupam em relação à cidade”, afirmou o jornalista, que vê o Simpósio e eventos semelhantes como ações de resistência.

A terceira homenagem foi para o jornalista britânico Dom Phillips (assassinado em 2022 na Amazônia, junto com o indigenista Bruno Pereira), representado pela viúva, a ativista baiana e diretora do “Instituto Dom Phillips”, Alessandra Sampaio. Na época do assassinato, Dom Phillips estava no Vale do Javari, região da Amazônia marcada por conflitos por terra e presença de grileiros, fazendo pesquisas para a escrita de seu novo livro.

Em discurso transmitido em vídeo, Alessandra destacou a importância do combate à desinformação no caso do assassinato de seu marido. A ativista afirmou que, na época do crime, surgiram versões que chamavam Dom e Bruno de aventureiros.

“Acho muito importante trazer a verdade das histórias, porque fica muito claro que pessoas que criam e espalham fake news usam isso em benefício próprio, o que causa muito prejuízo para toda a sociedade. Por isso, eu acho tão importante a gente defender a liberdade da imprensa, sendo a imprensa essa fonte de informação confiável”

defende Alessandra.

Juliana Dal Piva e Flávio Costa estarão amanhã (13) às 16h30 no Gabinete Português de Leitura, na Praça da Piedade, para uma sessão de autógrafos. Costa é autor dos livros de contos “Caçada Russa” (publicado pela Penalux em 2016) e “Você morre quando esquecem seu nome” (Bissau, 2020).

União entre instituições
A abertura do Simpósio foi realizada pelas instituições organizadoras do evento, Associação Bahiana de Imprensa (ABI), na pessoa do presidente Ernesto Marques, Academia de Letras da Bahia (ALB), com o presidente Ordep Serra, e o Gabinete Português de Leitura (GPL), representado pelo presidente Daniel Bento e pelo vice-presidente Flávio Novaes.
Para Marques, a necessidade das instituições trabalharem juntas se encontra em compartilharem da mesma matéria-prima: a realidade e os fatos. O presidente da ABI destaca ainda que o Simpósio ocorre em um momento que há debates sobre possibilidades de regulamentação e os impactos na atuação desses profissionais.

“Isso afeta diretamente tanto os jornalistas, que trabalham com fatos, como os escritores, que precisam ter essa liberdade de expressão garantida para que, a partir das suas reflexões teóricas ou literárias, possam converter realidade em ficção, literatura, cinema e todas as linguagens possíveis” comenta.

Este ano, o simpósio é realizado presencialmente pela primeira vez desde a edição inaugural, que aconteceu em 2021, em meio à pandemia. Para selar esse compromisso, a ABI e a ALB, que se unem na realização desde o primeiro simpósio, assinaram ainda um acordo de cooperação técnica durante a abertura.

Nesta edição, o Gabinete Português de Leitura se juntou pela primeira vez à ABI e à ALB no evento. Para Flávio Novaes, que também é jornalista e associado à ABI, integrar o simpósio ao lado das duas associações é motivo de orgulho. O Gabinete levou para o simpósio um convidado de honra: João Figueira, jornalista, professor e coordenador da pós-graduação em Comunicação na Universidade de Coimbra, que apresentou a primeira conferência do evento.

“É uma alegria para o Gabinete participar pela primeira vez desse seminário. Eu estou muito feliz com esse processo de aproximação que tem sido conduzido por Ernesto, na presidência da ABI, e também nesse evento junto com a Academia de Letras da Bahia. São três instituições importantíssimas para a nossa sociedade”, defende.

Novaes aponta que o GPL é a instituição cultural mais antiga em atividade na Bahia, com 106 anos, e sua sede, assim como outros prédios do Centro Histórico, passou por um momento de desvalorização e esquecimento e tenta se reerguer “A gente acredita que nesse movimento de reconhecimento desse espaço importante na história da nossa cultura que a gente consiga também voltar aos anos de ouro do Gabinete. E estar em companhia da ABI e ABL, só reforça esse movimento”.

publicidade
publicidade