A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) foi palco de celebração dos 190 anos da Revolta dos Malês, no último dia 25. O evento, organizado pela Federação de Entidades Negras da Bahia (Feneba) e que rememora um dos episódios mais marcantes na história das lutas do povo negro no Brasil, foi aberto ao público e marcado por palestra do consagrado historiador João José Reis.
Foi em 25 de janeiro de 1835 que centenas de negros e negras rebelados, muitos deles adeptos da religião islâmica, tomaram as ruas de Salvador com o propósito de se libertar da escravidão, ocupar o poder e instituir uma nova ordem social. Duramente reprimido pelas forças policiais, o levante terminou com dezenas de mortos, feridos e presos.
Presidente do Feneba, o filósofo e ativista Raimundo Bujão, afirmou que a celebração dos 190 anos da Revolta dos Malês é um momento-chave na luta antirracista. “Este ato se junta a um conjunto de atividades que se iniciaram em novembro passado”, disse.
João José Reis, autor de diversas obras sobre a resistência de escravizados, como Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835 – lançada em 1986 pela editora Brasiliense e reeditada em 2003 pela Companhia das Letras-, apresentou sua perspectiva e revelou algumas atualizações de sua investigação histórica sobre o episódio.
Ele citou a notícia sobre o processo de devolução, pela Universidade de Havard, do crânio de um suposto líder da Revolta dos Malês. Os restos mortais teriam sido roubados por um diplomata americano, em Salvador, logo após o levante, há quase dois séculos. A repatriação do crânio é pleiteada pelo Centro Cultural Islâmico da Bahia (CCIB) desde 2022, quando a existência dos despojos foi descoberta.
Anfitriã – “A ABI ficou gigante”, disse o presidente da ABI, Ernesto Marques, ao se referir à recepção do evento e de referências intelectuais, entidades e movimentos ligados às lutas do povo negro e pelos direitos humanos.
Marques lamentou pela celebração não ter acontecido no sexto andar da sede da ABI, onde há um auditório projetado e carregado de história. “A ABI faz uma luta para recuperar esse espaço, mas para isso é preciso um acerto de contas com o nosso inquilino [a prefeitura de Salvador], que, por decisão unilateral e de forma inexplicável e inaceitável, congelou o aluguel desde outubro de 2015”, disse.
Ele informa que, com a correção devida, já se soma um passivo de R$ 2 milhões. “Esses recursos poderiam ter sido investidos nesse espaço, onde já funcionou o plenário da Assembleia Legislativa da Bahia e também onde, pela primeira vez, uma mulher presidiu uma sessão legislativa e foram cassados 13 mandatos pelo AI5, inclusive do jornalista Sebastião Nery. Esse prédio não foi apenas construído por jornalistas e para jornalistas. Estamos aqui sobre muita história e mobilização social”, explicou, argumentando que a associação conta com esses recursos para continuar funcionando e abrindo as portas para eventos que são de suma importância para a sociedade.
Imagem: Débora Alcântara / Ascom ABI
Correção histórica – Após a palestra de João José Reis e debate mediado pelo cineasta Antônio Olavo, o público se deslocou da ABI para a Ladeira da Praça, cujo nome foi rebatizado neste mesmo dia. Unindo a Rua Chile à Avenida José Joaquim Seabra (Baixa dos Sapateiros), a ladeira onde se desencadeou a maior rebelião urbana de escravizados do Brasil recebeu a placa do seu novo nome: Ladeira Revolta dos Malês.
A alteração do nome foi fruto de projeto da vereadora Marta Rodrigues (PT). A ideia é valorizar e reforçar a memória sobre “os heróis nacionais” e a “representatividade do povo negro” que sofre com a tentativa de “apagamento histórico e cultural”.