Quando memória e jornalismo se encontram, nascem obras que resgatam o passado e reorganizam o presente. É o que propõe A saga dos sírios e libaneses no sudeste da Bahia, o mais recente livro do jornalista e escritor Wilson Midlej, um trabalho que mistura apuro documental, narrativas de família e o cuidado literário de quem passou a vida garimpando histórias. A obra, que será lançada no próximo dia 17 de outubro, às 17h, na Livraria LDM do Shopping Bela Vista, em Salvador, recupera histórias de famílias que, vindas do Oriente Médio no início do século XX, ajudaram a construir a identidade social e econômica de municípios da microrregião.

O livro, fruto de pesquisas iniciadas em 2019 e revisado com rigor técnico, percorre a trajetória de famílias como Hagge, Maron, Midlej, Salomão e Thiara, imigrantes do fim do século XIX e início do XX que se instalaram em municípios da microrregião do sudeste baiano, entre sertões, rios e pequenas cidades. Midlej não se limita a levantar fatos; busca contar “como” essas vidas se entrelaçaram com a terra, o trabalho e as tradições locais, as vitórias e os ruídos, os amores e as perdas.
O autor traz ao livro uma história pessoal que explica parte de sua dedicação ao tema. “Exatamente em razão de minhas origens. Meu avô materno é libanês, natural da cidade de Kaituly e minha avó é egípcia, nascida em Alexandria”, conta ele, explicando que as memórias domésticas – os sabores, falares, encontros familiares – foram o gatilho para a investigação.
De repórter esportivo em 1969 a chefe de sucursal e editor, a trajetória profissional de Midlej é longa e diversa. Nascido na Ponta do Humaitá, em Salvador (4 de dezembro de 1945), estudou em escolas públicas e concluiu o bacharelado em Direito em Jequié (BA), cidade onde reside há 14 anos e preside o Instituto Pensar Jequié. Ele integra a Assembleia Geral da Associação Bahiana de Imprensa e já trabalhou em veículos como A Tarde e Correio da Bahia, dirigiu a extinta revista Bahia em Foco e assinou livros de crônicas, contos e um romance histórico antes deste volume. Entre suas obras já publicadas estão “Crônicas da Bahia sob o sol de Jequié” (2014), “Gatilhos de lembranças – A eternidade do tempo” (2015) e “Anésia Cauaçu – Lendas e histórias do sertão de Jequié” (2017).
Entre dados e relatos
O processo de pesquisa, conta Midlej, não foi simples. “Penoso. As famílias já se encontram na terceira ou quarta geração. Os imigrantes ou descendentes diretos, em primeiro grau, já haviam falecido ou já se encontravam em idades provectas, o que dificultava as lembranças de fatos, nomes, datas…”, lembra o autor, que recorreu a cruzamentos entre relatos orais, fotos antigas, memórias de contemporâneos e registros cartoriais (o chamado “modelo 19”), documento de controle de estrangeiros que ajudou a ancorar datas e locais.
A pandemia impôs outra barreira: viagens e entrevistas foram interrompidas entre 2020 e início de 2021, exigindo do autor paciência e reorganização do calendário de trabalho. Ainda assim, a interrupção não desfez sua convicção. “Ao cessar as atividades profissionais, em 2014, em pleno ócio criativo, segui a ordem cronológica ao escrever sobre o tema; em 2019, tomei a decisão de dar início às pesquisas que dariam subsídios autênticos para a elaboração do roteiro do livro”, disse Midlej, descrevendo um movimento que foi de anotações íntimas à investigação sistemática.
Mito e realidade
Entre os achados mais pungentes, estão as histórias que desafiam versões repetidas pela memória coletiva. Midlej relata que, ao reorganizar narrativas, pôde “separar mito e realidade”, e destaca o romance entre José Hagge e Lindaura Vieira como um exemplo de amor que rompeu tradições e gerou prosperidade concreta. “Construíram, juntos, a partir de uma pequena roça de cacau, um verdadeiro império, com respeitável produção de 50 mil arroubas de cacau/ano”, relata.
O equilíbrio entre rigor acadêmico e narrativa agradável foi uma das preocupações do autor. A obra contou com revisão técnica de Jussara Midlej e edição do professor Sérgio Mattos, que também assina o prefácio. Midlej ressalta que seu objetivo principal foi contar histórias humanas de maneira fiel e documentada.

No plano historiográfico, o escritor observa que seu trabalho não disputa o lugar de Jorge Amado, que, com talento ficcional, já retratou a presença árabe no Sul da Bahia, mas oferece algo complementar: um inventário mais documental, de acesso facilitado para pesquisadores que queiram trabalhar memória, migrações e economia regional. “A narrativa do Amado se atinha aos aspectos ficcionais. Agora, a identidade dos imigrantes, suas dores, seus amores e pleno sucesso financeiro, pretenderam ser registrados neste trabalho”, explica.
O lançamento do livro assume também uma carga afetiva. Para Midlej, cada nova obra representa uma “estreia”, a chance de ser lida, contestada, acolhida. “Um lançamento é sempre um sinal de nova estreia, de expectativa de obtenção de aprovação, de acolhimento”, afirma o autor, que vê no título uma homenagem à coragem de homens e mulheres que buscaram paz e prosperidade fora de suas terras natais.
“A saga dos sírios e libaneses no sudeste da Bahia” chega, portanto, como um esforço de resgate memorial e como instrumento para futuros estudos sobre imigração e identidade regional. Para leitores interessados em genealogia, história local, economia do cacau e do café, ou simplesmente em boas histórias de vida, o livro oferece tanto dados quanto relatos que nutrem a imaginação e a pesquisa.
Assim como ocorreu no lançamento em Jequié, em agosto, na sessão de autógrafos de Salvador, Midlej espera ver reunidos jornalistas, historiadores, representantes da comunidade sírio-libanesa e o público que acompanha sua trajetória, em uma noite de celebração de memória que materializa o que ele sempre fez: transformar vidas em palavras e, com isso, preservar parte fundamental da história da Bahia.
SERVIÇO
Lançamento: “A saga dos sírios e libaneses no sudeste da Bahia”, de Wilson Midlej
Data: 17 de outubro (sexta-feira)
Hora: 17h
Local: Livraria LDM do Shopping Bela Vista (L2 – Asa Sul), Alameda Euvaldo Luz, 92 – Horto Bela Vista, Salvador-BA