Consuelo Pondé – Diretora da ABI
Quem, semanalmente, ocupa um espaço no jornal não pode deixar de tecer comentário sobre um assunto que impacta o país.
Não me interessa, no caso, comentar sobre a “logística” capenga que “desorientou” a chegada do Papa ao Rio de Janeiro, as gafes cometidas pelos governantes do país, os gastos descabidos e ineficientes com a preparação do Campo da Fé, assuntos por demais divulgados pela mídia.
O que me impulsiona a escrever estas linhas é comentar o sucesso da Jornada Mundial da Juventude, evento que se realiza com intervalos de dois a três anos. No Brasil o encontro estava fadado ao mais completo fracasso, diante das manifestações ocorridas desde o mês de junho. É verdade que grupos radicais tentaram tumultuar a jornada, mas ficaram restritos a pequenos e irreverentes protestos, que não tiveram a repercussão desejada por essas pessoas.
A propósito do iluminado papa, lúcido artigo foi escrito por Hélio Pólvora, nosso escritor maior, que versou sobre os “Falsos Arautos da Mudança“, colocando em cheque a sinceridade do papa Francisco em oposição “à encenação do ex-presidente Lula“, em que se destacam posições antagônicas entre o apego ao poder e ao seu desapego.
O texto de domingo é para ser guardado, pois encerra verdades indiscutíveis e foi escrito por quem tem o pensamento livre para dizer o que lhe vem à cabeça, porque não depende de governo nem escuta a voz da conveniência política. Desconheço, porém, sua crença religiosa.
Em todos os pronunciamentos o Pontífice da Igreja Católica foi coerente com seu pensamento acerca da justiça social, sobre os abusos perpetrados contra jovens infratores pela polícia brasileira (Candelária nunca mais), tendo sido contundente nas críticas feitas aos equivocados rumos da igreja atual.
Na entrevista exclusiva, concedida ao jornalista Gerson Camarotti, respondeu com coragem e transparência todas as questões que lhe foram postas, não poupando críticas contundentes aos casos de pedofilia praticado por sacerdotes, nem a lavagem de dinheiro realizada no banco do Vaticano e outras falcatruas.
Não estava preocupado, como alguns articulistas pretenderam criticá-lo em relação às suas atitudes pessoais, ao seu acolhimento às crianças, jovens e idosos, até a opinião sobre os gays.
Vale destacar o que saiu da pena lúcida de Hélio Pólvora, quando escreve: “Francisco prega a doutrina do humanismo. Concita jovens e idosos a não se deixarem excluir, pois são as pontas do leque da vida: na primeira, a fé e a energia; na outra, a sabedoria amealhada. Quer a Igreja nas ruas, nos protestos para higienizar a política“.
Não sei se outra personalidade do mundo atual arrastaria multidão comparável aos eventos em que o papa foi o protagonista. Queiram ou não os contumazes detratores, mas, o que o Papa possui e falta aos líderes brasileiros, inclusive os religiosos, é o Carisma, graça do céu, conforme escreve Caldas Aulete.
Essa palavra grega – Kharisma, se traduz por dom. Segundo o mesmo dicionarista, dom, s.m, é presente, dádiva, privilégio adquirido por um modo sobrenatural. Em Francisco a delicadeza, a afabilidade e a ternura são expressões naturais do seu temperamento. Apesar de um jesuíta preparado, culto, conhecedor da teologia, sua doçura é franciscana, despojada e simples e não deriva da inteligência. Nasce do seu coração misericordioso, amoroso e compassivo.
Quando o papa se dirigiu aos membros do Conselho Episcopal da América Latina insistiu em enfatizar que o sacerdote deve conservar-se perto dos pobres, participar da vida dos necessitados, não cultivar a “psicologia do luxo”, não ser “príncipe”, não se utilizar veículos de luxo, não abusar do conforto e da opulência.
Posicionou-se contra o “clericalismo” e advertiu sobre a necessidade de valer-se dos conselhos dos laicos, que podem ajudar a Igreja na tarefa da evangelização. Durante os dias em que esteve no Brasil não revelou cansaço. Antes, pelo contrário, sempre se mostrou disponível para enfrentar a “maratona” programada, revelando energia e têmpera incomuns.
Ao inverso do que seus “desafetos“ tentaram impingir aos incautos, não mudou sua maneira de ser e de agir. É o mesmo religioso que, na condição de Arcebispo de Buenos Aires, andava de metrô e preparava seus próprios alimentos. Não é homem de aparências, porque essas são dissimuladoras e acabam por trair aquele que falseia.
Audacioso, mas comedido, sua autoridade se centra na verdade, alertando, em suas pregações, sobre o desapego aos bens temporais, advertindo sobre a necessidade de assumir responsabilidades, acerca da necessidade de repartir, de incluir os excluídos, num discurso simples, despretensioso e cativante, no qual usou gírias brasileiras, condição essa que o aproximou mais e mais do nosso povo. Desapegado do protocolo, infringiu-o várias vezes, quando desceu do veículo que o conduzia para aproximar-se dos que se encontravam na multidão.
Confesso que não arredei o pé da televisão e, após o domingo sobrecarregado de emoção, custei a dormir. Uma inquietude tomou conta de mim e varreu o meu sono, até que fui forçada a usar medicação para relaxar. Nunca, em tempo algum da minha vida, experimentei igual sentimento de admiração por um ser humano que não tive a ventura de conhecer pessoalmente.
Em 31.07.2013