Prisões superlotadas, dificuldade de acesso à Justiça, uso indiscriminado de prisões provisórias, estrutura inadequada e outros problemas do sistema penitenciário brasileiro foram alvo de um polêmico relatório apresentado ontem (10) pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que reuniu 47 países em Genebra (Suíça). Produzido pelo grupo de trabalho da ONU depois de visitas a sete locais de privação de liberdade em cinco cidades brasileiras, o documento alerta para o aumento de pessoas presas, que hoje faz o Brasil ocupar a quarta posição no mundo em número de detidos, e destaca a preocupação com o montante de presos provisórios e com a dificuldade de acesso à Justiça.
O relatório mostra apreensão com a ausência de separação entre pessoas condenadas das detidas temporariamente, com a integridade física e a saúde desses detidos, bem como com a ocorrência de maus-tratos praticados por guardas e policiais. Em relação a esse tipo de violência, destaca o preconceito sofrido por minorias no sistema penitenciário, especialmente jovens afrodescendentes.
O grupo recomendou que o país passasse a utilizar penas alternativas à privação de liberdade, que “está sendo usada como primeiro recurso, em vez do último, como seria exigido pelos padrões internacionais de direitos humanos”. Mas, as informações não foram bem recebidas pela delegação nacional, que não comentou a preocupação com o número de detenções no país, exposta em análise da entidade sobre detenções arbitrárias. Apresentada pela embaixadora do Brasil nas Nações Unidas, Regina Maria Cordeiro Dunlop, a declaração oficial destacou apenas o que apontou como incorreções e erros do relatório.
Embora tenha reiterado interesse no diálogo com o grupo de trabalho e citado que “o relatório identifica os desafios que o Brasil já reconhece e tem procurado superar”, a diplomacia brasileira considerou infundadas ou incorretas as considerações feitas sobre o Judiciário; o tratamento dado aos imigrantes e às crianças e adolescentes em conflito com a lei; o funcionamento das defensorias públicas; bem como as atribuições conferidas ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Departamento Penitenciário Nacional.
Criticou, ainda, a inclusão de comentários sobre situações que não foram analisadas na visita ao país, feita em março do ano passado, como a privação de liberdade de pessoas com deficiência mental, e apontou ser “incorreto afirmar que o número de indivíduos indígenas na detenção aumentou a uma taxa de 33% nos últimos anos”. De acordo com o Ministério da Justiça, entre 2010 e 2012 o índice cresceu 13%”, representando apenas 0,16% da população carcerária total. Já as críticas sobre o tratamento dado a outros grupos, como jovens afrodescendentes, não foram comentadas.
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Além do comentário oficial do Brasil, também estava prevista a contribuição da organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, de São Paulo, que tem status consultivo na ONU. A participação foi adiada para a próxima sexta-feira, dia 12. Em nota, a Conectas critica o posicionamento do governo brasileiro, que “evitou as duras críticas dos especialistas às políticas de encarceramento em massa e desconversou sobre a necessidade de medidas urgentes para solucionar as violações verificadas”.
A Conectas também rebateu parte das críticas apresentadas pela embaixadora brasileira, especialmente em relação à internação compulsória, que Dunlop afirmou não ser comum no país, bem como sobre a aplicação da Lei de Drogas e a detenção de pessoas por porte de entorpecentes. Para a Conectas, o Brasil “desperdiçou os cinco minutos de que dispunha para abordar questões tangenciais, abafando as principais conclusões dos especialistas”.
Segundo dados de 2013 do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, a população carcerária brasileira é composta por 574.027 pessoas. O Conselho Nacional de Justiça considera que já são mais de 715 mil pessoas cumprindo penas no país. Para Vivian Calderoni, os números revelam os limites do sistema brasileiro e mostram que “a lógica do encarceramento em massa precisa ser rompida”. Além do Brasil, as prisões da Grécia, Hungria e do Marrocos também foram objetos de relatórios e devem ser debatidas na reunião.
*Informações de Helena Martins para a Agência Brasil e do Jornal O Dia.