Exatamente há 50 anos, no dia 15 de março de 1972, o Brasil se despedia de uma das mais potentes vozes da luta pela justiça social: o jornalista, escritor, político e advogado Cosme de Farias, ‘Anjo da guarda dos excluídos’. A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) dedicou a manhã desta segunda-feira (14) para celebrar a trajetória desse importante personagem da nossa história. Em cerimônia realizada no auditório da entidade, jornalistas, pesquisadores e representantes de instituições relacionadas a Cosme de Farias compartilharam depoimentos e relembraram as razões que tornam tão especial o seu legado.
Para o presidente da ABI, Ernesto Marques, o evento abriu uma sequência de iniciativas com o mesmo propósito de trazer Cosme de Farias para os nossos dias, atualizando suas lutas, “considerando que as violências das desigualdades herdeiras da escravidão que mobilizaram o Cosme cidadão-ativista, político, jornalista e advogado. Estas mesmas feridas atravessam séculos e estão aqui, bem presentes”, refletiu o jornalista, no discurso de abertura da cerimônia. “Ele combateu muitos bons combates tendo a palavra como arma forte, a serviço de suas causas: as lutas por liberdades, por justiça e contra o analfabetismo. Quem se enganar com a sua fragilidade aparente descobre um gladiador em Lama e Sangue [1.ed. Salvador: e.a., 1926]”, disse Marques.
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Como parte das homenagens, o cantor Rallie apresentou a inédita canção “A imprensa tem papel”, um samba que enaltece a atuação dos trabalhadores da notícia. “A verdade dos fatos buscar/ Na imprensa, é essencial dever./ E o interesse público mirar/ Noticiando, doa quem doer”, diz trecho da música.
Na sequência, ele convidou o ator Dody Só para interpretar a letra do “Hino dos Jornalistas”, escrito por Cosme de Farias e musicado por João Antônio Wanderley, o regente que dá nome à Banda de Música Maestro Wanderley da Polícia Militar da Bahia. A partir das partituras do Maestro Wanderley, o maestro Luã Almeida, titular da banda de Rallie, produziu o instrumental que ambientou a interpretação de Dody Só. “Funcionou como uma música de fundo e colocamos uma percussão em cima. Ficou com uma força regional, mantendo o tradicional e o samba criou a contemporaneidade”, explica Rallie.
A palestra ficou por conta da jornalista e doutora em História, Mônica Celestino, autora da primeira biografia publicada sobre Cosme. Sua pesquisa sobre o advogado inicia com uma reportagem para o jornal Correio* e a partir daí ela se aprofunda na relação de Cosme com o contexto histórico da Bahia dos séculos XIX e XX. “Cosme de Farias era um humanista por natureza e relembrá-lo, saudá-lo, trazer de volta os seus princípios e ideias é oportuno em um momento em que a gente tem crise de valores, contestação de direitos e necessidade de garantir os direitos humanos e sociais em todo o Brasil”, afirmou a jornalista.
A série de depoimentos da manhã surgiu de um lugar especial: a memória afetiva dos convidados que foram, todos a seu modo, ajudados por Cosme. Talvez ninguém possa falar melhor sobre isso que a guia turística Creusa Carqueija, uma das netas do major. Cosme, que não teve filhos, deixou seus descendentes através dos apadrinhamentos que fazia com várias crianças. Creusa veio para Salvador ainda criança, como retirante, junto com sua família. Sem lugar para morar, todos dormiam nas ruas da cidade, até que a mãe foi avisada de que podia buscar a ajuda de Cosme. O político foi responsável por conseguir vagas em um internato para os irmãos de Creusa e por lhe ensinar uma lição de vida de um modo muito simples.
Questionada se sabia ler, a menina de prontidão puxou a cartilha do ABC do major e leu as lições com destreza. “Eu disse: ‘Eu sei ler. Agora me dê um queimado’. Ele disse que ia me dar uma coisa de que gostava muito, cortou uma fatia de queijo Palmira e um pedaço de goiabada cascão. Botou um pedaço na boca e botou outro na minha. Ali, aprendi que a vida podia ser doce e que não precisava passar o resto da minha vida numa fonte pública para tomar um banho, nem dormindo na rua coberta de papelão”, recordou Carqueija.
O jornalista e agitador cultural Clarindo Silva lembrou de um tempo em que mal possuía condições de estudo. Foi das mãos do próprio major que ele recebeu a Cartilha do ABC, distribuídas para funcionar como apoio para a alfabetização de crianças. “Aquilo me tocou profundamente”, disse, emocionado. “Esse homem é um revolucionário. Comecei a acompanhá-lo em todos os lugares, inclusive em algumas audiências. O discurso dele era extraordinário, tocava na gente. Ele tinha propósito social”.
Clarindo criticou a falta de ações voltadas para se fazer recordar a memória de Cosme e parabenizou a iniciativa das instituições reunidas no evento. “Um evento como esse serve para popularizar e mostrar à sociedade a importância daquele que, pra mim, foi uma das maiores figuras do estado da Bahia”, completou.
O professor Alfredo Matta concorda. Ele conta que Cosme, junto com seu avô Edgard Matta e Dorival Passos, formou o que se chamava de “Trindade de Ouro” do Júri da Bahia. Hoje, Matta se sente um herdeiro da relação próxima que esses advogados possuíram, mas sua admiração pela figura de Cosme vai além disso. “É um dos grandes líderes do início da luta antirracista que a Bahia tem, talvez do Brasil. Então como é que a gente pode deixar de falar de Cosme? Ele tem que ser lembrado porque a luta não acabou”, afirmou.
Assim como Mônica, o cineasta Marcelo Oliveira foi um dos que já narrou a vida do major, mas dessa vez em celuloide, no documentário “Quitanda da Liberdade”, cujo teaser foi exibido no evento. “Qualquer pessoa que fizer uma investigação sobre Cosme vai desenvolver um trabalho fantástico e vai se emocionar”, garante. Questionado sobre o que representava para ele aquele momento de celebração da figura do político, Oliveira aproveitou para endossar a importância que é manter viva a memória de Cosme de Farias. “[O cinquentenário] Representa a história de uma personalidade excepcional, que é a do major Cosme de Farias. E é mais uma maneira de ele estar sempre presente, sempre vivo na nossa comunidade. O velho Cosme é o exemplo de um grande baiano”.
Também prestigiaram o evento o fotojornalista Anízio Carvalho, a professora Cybele Amado, diretora-geral do Instituto Anísio Teixeira; a defensora pública Cynara Fernandes; o vereador e professor Silvio Humberto, representante da Câmara Municipal de Salvador (CMS); a arquiteta Milena Tavares, diretora técnica da Fundação Gregório de Matos (FGM); o advogado Eduardo Rodrigues, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB Bahia); o jornalista Alberto Freitas, representando a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA); e a Fundação Pedro Calmon/Secult.
Confira outras programações sobre o cinquentenário da morte de Cosme de Farias:
Dia: 15/03 – Missa Solene
Horário: 08h
Local: Igreja do São Francisco
Endereço: Largo do Cruzeiro de São Francisco, S/N
Realização: Igreja e Convento do São Francisco
Exposição – O Rábula da Democracia e Alfabetismo
Abertura: 10h00
Local: Centro Cultural da Câmara Vereador Manuel Querino
Período: 16/03 a 16/04
Realização: Câmara dos Vereadores
Dia: 16/03 (quarta-feira)
Mesa redonda: Contos e Feitos de Cosme de Farias
Debatedores: Jair Cardoso, Marcelo Oliveira, Clarindo Silva
Mediadora: Mônica Celestino
Local: Auditório do Centro de Cultura da Câmara
Endereço: Praça Thomé de Souza, s/n
Horário: 09h30
Realização: Câmara dos Vereadores
Homenagem a Cosme de Farias
Local: Salão Nobre da Ordem dos Advogados da Bahia – OAB
End.: Rua Portão da Piedade, 16 – Dois de Julho
Horário: 14h
Realização: Ordem dos Advogados da Bahia
Dia: 17/03 (quinta-feira)
Visita à Escola Municipal Cosme de Farias
Horário: 09h30
Endereço: Rua Galdino Franklin Bandeira, 59 – Nazaré / Lapa
Dia: 18/03 (sexta-feira)
Visita ao busto de Cosme de Farias
Horário: 09h30
Local: Praça Cosme de Farias (final de linha dos ônibus).