Estamos na era do excesso da informação. Mesmo jornalistas, acostumados a lidar com elas em suas rotinas, sentem dificuldades com o volume de dados gerado nas apurações. É a partir dessa demanda que a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e a Brasil.IO lançaram o CruzaGrafos. “É uma ferramenta gráfica de software livre para verificações cruzadas e investigações avançadas de dados, ao possibilitar a visualização de relações em grafos, que permitem interligar diversas informações em uma espécie de teia”, explica um comunicado da associação. A ferramenta CruzaGrafos, já disponível para associados da Abraji desde o último dia 5, passa a ser de acesso livre a partir do próximo dia 19.
Na prática, ao lidar com grande bases de dados, os jornalistas vão conseguir visualizar relações entre pessoas, instituições e dados públicos. Esses cruzamentos permitem a identificação de relações de poder e de redes de interesse, que são centrais para o jornalismo investigativo. “Os autores do projeto entendem que o conhecimento e o entendimento de grandes bases de dados públicas é um dos caminhos para o aprimoramento do jornalismo investigativo e do controle social sobre governos e empresas”, informa a Abraji.
Um exemplo recente de reportagem investigativa baseada em relações foi a rede montada por uma equipe de repórteres do jornal O Globo, encabeçada pela jornalista Juliana Dal Piva, que revelou que dos 286 assessores nomeados pela família Bolsonaro em mandatos do legislativo, 35% tinha algum parentesco. A apuração não contou com a ajuda de softwares (reportagem disponível aqui, para assinantes).
O CruzaGrafos foi desenvolvidos por equipes da Abraji junto ao programador e ativista de transparência Álvaro Justen, conhecido no meio jornalístico e da programação como Turicas e um dos responsáveis pela Brasil.IO. Há um ano, em 11 de novembro de 2020, eles anunciavam o início do projeto com o apoio do Google News Initiative.
De acordo com a Abraji, o projeto já conta com uma base de 29,4 milhões de registros, sendo que são 20 milhões de pessoas e 9 milhões de empresas, tendo como fonte a Receita Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. É possível, através dos grafos, ver as relações de proximidade e sociedade de todas essas informações. A promessa da organização é que, nos próximos meses, o projeto vai ganhar atualizações e outras bases de dados.
O manual do CruzaGrafos lista exemplos do que é possível fazer:
- Procurar todas as empresas ligadas a um político/candidato a cargo público nas quais ele ou ela seja sócio(a) ou administrador(a);
- Nessas empresas ver quais são os outros sócios(as);
- Verificar também a rede proximidade desses sócios(as), isto é, de quais outras empresas eles são sócios(as) e os outros respectivos sócios(as), em diferentes graus de proximidade;
- Descobrir se o caminho que separa uma pessoa/empresa de outra pessoa/empresa é curto ou se existe realmente;
- Tendo de antemão a lista de parentes ou assessores de políticos ou de pessoas de interesse público, saber se eles têm empresas (tática que poderia ser usada para encobrir patrimônio, por exemplo);
- Verificar se político(a) ou candidato(a) nas eleições têm empresas de ramos econômicos possivelmente conflitantes com seu cargo público;
- Saber se um político(a)/candidato(a) ou pessoa de interesse público têm várias empresas em seu nome do mesmo ramo e/ou com nomes semelhantes (tática que poderia ser usada para lavagem, por exemplo).
*Com informações da Abraji. Imagem: reprodução do Jornal O Globo