Por Ernesto Marques
Era sexta-feira 13 de abril de 2012. Na foto de Paula Fróes, então iniciante no fotojornalismo, ele aparece ao fundo, de camisa branca de mangas compridas. Em primeiro plano, a ABI homenageava grandes figuras, como o Professor Luis Henrique Dias Tavares, Florisvaldo Matos e Joca, o Pena de Aço. Três gigantes da história do jornalismo baiano.
Anízio me fez lembrar desta foto 10 anos depois, quando ele nos surpreendeu em outubro de 2022, no lançamento da 2a. edição da Revista MEMÓRIA DA IMPRENSA. Ele foi dos primeiros entrevistados, mas o primeiro número foi lançado em evento remoto. Fez questão de ir e arrastou o filho Juarez. Desceram no 6° andar por engano e, quando os vi, ganhavam o último degrau e adentraram pelo blindex.
Trazia uma Pentax a tiracolo e disparou: “eu sou fotógrafo e vim aqui fotografar este evento. Me arrume um filme!” Bem que tentamos, mas as antigas e tradicionais lojas de material fotográfico fazem parte do passado daquele pedaço do Centro Histórico, que era quase uma extensão das redações que havia por ali. Teria sido um registro maravilhoso, se tivéssemos encontrado um mísero rolo de material sensível para ele registrar aquele encontro. Apareceria honrosamente nos créditos.

Foi o primeiro evento presencial depois da pandemia e, por isso mesmo, decidimos oferecer um carurú de preceito, em agradecimento à vida. Houve protestos contra a ausência de pimenta e bebidas alcoólicas, Jorginho, Aninha, Teixeira, Pitombo, Adilson e outros foram se socorrer num bar vizinho. O mais velho que cuidou do canto dedicado à fé em sua casa com a mesma devoção com que cuidava do laboratório fotográfico, saiu em minha defesa: “você fez tudo certo, presidente!”
Logo ele era o centro das atenções, exibindo feliz algumas das fotos que fizeram sucesso no MASP, numa exposição organizada por Emanoel araújo. O mestre tinha algo a dizer e me chamou. Dobrei os joelhos para ficar da altura daquele gigante sentado: “esta ABI era só dos engravatados, agora não é mais”. Foi muito importante ouvir isso, porque deu sentido a muita coisa. Anízio já era associado há anos. Mas naquele dia ele finalmente se sentiu parte. A ABI era dele, também.
A partir daquele dia, a decisão estava tomada: faríamos a exposição e o catálogo que ele sonhava e merecia. Ginga Nagô, com curadoria de Manú Dias, um dos muitos discípulos do Mestre Anízio, foi uma felicidade coletiva. Sobretudo por uma razão especial: ele estava lá. Na abertura, participou por videochamada, do hospital onde estava internado. Mas se recuperou e curtiu a exposição.
Quem vive 95 anos não morre, simplesmente desnasce. E Anízio desnasceu numa linda noite de sexta-feira, com a lua ainda reluzindo a luz da vida que vem do sol e o céu repleto de estrelas. É o Orum em festa, para receber de volta um filho que soube honrar seus antepassados e deixou rebentos, entre filhos do seu sangue e do seu talento paternal de autoditada generoso, que saberão honrar a sua passagem por esta vida.
Meses atrás recebi recado de um colega fotojornalista. Queria saber a razão de ele ainda não ter sido entrevistado para a nossa revista porque “eu também tenho histórias pra contar”. Havia um tom de impaciência e indignação – justa, diga-se de passagem. Poucas vezes uma cobrança dura me deixou tão feliz. Sorri comigo mesmo e guardei comigo o recado meio desaforado com uma prova do que o Mestre falou. A ABI também é de jornalistas que não usam gravata.
Ganhamos Anízio, um presente dos orixás para a Bahia, que ele retratou com o agô que só mesmo um filho de Oxóssi teria, porque aprendeu a entrar, sair e voltar com respeito ao sagrado. Assim ele nasceu, cresceu, lutou, venceu e desnasceu.
Não, nós não o perdemos. Nós ganhamos Anízio, e precisamos agradecer muito por isso.