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Assim Luiz Tarquínio foi descrito pelo autor de Pioneiros & Empreendedores

Por Luis Guilherme Pontes Tavares*

“Subsiste, íntegra e cada vez maior na história empresarial brasileira, a figura de Luiz Tarquinio, filho de uma ex-escrava, exemplo insuperável do empreendedor brasileiro. E não apenas pelo êxito de suas empresas (foto 1), mas também pelo sentido que deu a elas”. Eis a constatação que o ex-reitor da USP, professor Jacques Marcovitch, 77 anos, oferece ao leitor do perfil que traçou do jornalista e empresário baiano ao fim das 30 páginas (p. 63 a 93) que lhe dedicou no volume 3 (foto 2) da coleção Pioneiros & empreendedores. A saga do desenvolvimento no Brasil, publicada, entre 2003 e 2012, pela Editora do Universidade de São Paulo (EDUSP). Em 24 de julho de 2024, o biografado receberá homenagens (?) pela passagem dos 180 anos de seu nascimento.

Professor Marcovitch acrescenta a opinião do ex-provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e ex-presidente da Associação Comercial da Bahia (ACB), o engenheiro Álvaro Conde Lemos Filho (1935-2014), estampada pela escritora Eliana Dumêt, na biografia de Tarquínio (p. 15), cuja 2ª edição ela publicou pela editora paulista Gente, em 1999: “Sobretudo, é preciso, é absolutamente preciso, como diria Vinícius, que os jovens, os construtores do 3º milênio, aprendam com Luiz Tarquinio que o mundo da produção e dos negócios não é uma realidade sem alma e que as leis da economia devem estar subordinadas aos interesses da sociedade”.

Para escrever sobre Luiz Tarquinio (1844-1903), o professor emérito da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), da USP, consultou, conforme a bibliografia, 16 obras, com ênfase nos títulos dos escritores baianos Péricles Madureira de Pinho – Luiz Tarquinio. Pioneiro da Justiça Social no Brasil (Salvador: CEIN, 1944) – e Eliana Bittencourt Dumêt – Luiz Tarquinio. O Semeador de Ideias (São Paulo: Gente, 1999). Há também a dissertação de mestrado de autoria do arquiteto Luiz Antonio Fernandes Cardoso – “Entre vilas e avenidas. Habitação popular em Salvador na Primeira República” (Salvador: FAU-UFBA, 1991).

TRECHOS REVELADORES

Professor Marcovitch dedica as primeiras linhas do texto à mãe de Tarquinio, dona Maria Luiza dos Santos, a quem qualifica como “ex-escrava”. Ele assim escreve: “O primeiro acontecimento conhecido de sua biografia foi o nascimento do filho. De certa maneira, ao dar à luz, ela também saiu da obscuridade que encobria toda a sua vida pregressa. Quanto ao pai de Luiz Tarquinio, pesquisas citadas por Eliana Dumêt, apontam um médico da família Menezes, na época ainda um estudante”. E prossegue: “Na hora de seu nascimento, Luiz Tarquinio escapou pela primeira vez da morte, sorte que não teve seu irmão gêmeo, que pouco resistiu” (…)

No parágrafo seguinte, o autor informa que “Aos cinco anos, Luiz Tarquinio novamente escapou da morte. Chegara a Salvador, então, em 1849, o veleiro Brasil proveniente de Nova Orleans. A bordo vinha como clandestina uma das doenças mais devastadoras de todos os tempos no Brasil: a febre amarela, que primeiro atacou Salvador, depois Recife e Rio de Janeiro, espalhando-se por todo o litoral. Quando Tarquinio ia pelos seus onze anos, a febre amarela voltou em novo surto a Salvador, acompanhada desta vez pela cólera-morbo”.

Na mesma página 65, do registro acima, o autor do perfil de Tarquinio exibe informações sobre o centro de Salvador da primeira metade do século XIX: “O bairro da Sé, […], onde eles moravam, já entrara em decadência”. Esse registro tem a ver também com a família de Ruy Barbosa (1849-1923), que também morava na mesma Rua dos Capitães. O professor Marcovitch prossegue: “Com a deserção dos antigos moradores, os sobrados senhoriais haviam se transformado em cortiços. Por força das subdivisões sucessivas, salas, quartos e mesmo as alcovas sem luz transformavam-se em cubículos, abrigando uma ou mais famílias. Os antigos jardins emprestavam o seu terreno para a construção de casinhas, onde moravam os mais felizes, e esse talvez tenha sido o caso de Luiz Tarquinio e sua mãe. Mas mesmo assim o espaço era exíguo e o risco de contágio muito grande (CARDOSO, 1991)”.

LIÇÕES ETERNAS DE TARQUINIO

As 30 páginas que o autor da coleção Pioneiros & empreendedores dedica ao jornalista e empresário Luiz Tarquinio são fartas de informações e, compartilhá-las, exigiria copiar página por página. Por isso, em seguida, transcreverei alguns trechos que revelam o quanto o biografado estava à frente do seu tempo e comprometido a levar adiante todo o povo da Bahia e do Brasil. Sobre a participação das mulheres no mundo do trabalho, conforme o registro do professor Marcovitch no capítulo 1 – “Regresso ao tempo dos pioneiros. Outros personagens entram em cena”, p. 17 – do volume 3 da coleção iniciada em 2003 –, lê-se:

“O culto ao trabalho perpassa todo o itinerário de Luiz Tarquinio, que assume, em fins do século XIX, a defesa do emprego para as mulheres e sua consequente emancipação. Opondo-se aos descendentes de portugueses que certamente por ciúme impediam as companheiras – de buscar ocupação honesta fora do lar –, Tarquínio argumentava ser a independência financeira, para as moças pobres, uma garantia contra o assédio masculino. Livre de privações e ganhando meios de subsistência com o próprio esforço, uma operária, em sua opinião, tornava-se imune ao veneno dos conquistadores endinheirados que viviam rodeando as necessitadas de ‘proteção’. Este argumento, que hoje soa como inteiramente ingênuo, desafiava os costumes de uma época em que o homem brasileiro julgava-se provedor único e via no trabalho feminino uma desonra para a família”.

A propósito do trabalhador do período após a Abolição da Escravatura, o professor Marcovitch, no perfil de Tarquinio, aponta (p. 89) esta reflexão do perfilado sobre a questão racial, que o empresário exibiu num editorial de periódico destinado aos seus operários:

“Por experiência própria conhecemos o que vai de miséria em muitas famílias, só porque o acaso as fez nascer de pele branca, aparentadas, ainda de longe, a fidalgos e opulentos ou porque apontam por parente alguém que frequentou uma academia ou obteve um diploma”. No outro parágrafo, completa: “Esses infelizes, vítimas da falta de conhecimento exato do que é o trabalho, preferem sofrer as maiores privações, ver morrer de fome os filhos a entregarem-se a trabalhos que eles só julgam próprios para negros, para plebeus ou para quem nunca teve parente rico ou diplomado. Entretanto, essas pessoas mendigam! Esses desgraçados estendem a mão à caridade pública! Vivem na casa alheia, comem pão por outros ganho e que lhes dão por esmola (apud DUMÉT, 1999, p. 128)”.

Professor Marcovitch selecionou, na bibliografia consultada, as considerações pessoais de Tarquinio nas querelas que sustentou, sobretudo em páginas de jornais do Rio de Janeiro, com o ministro Ruy Barbosa sobre a libertação dos escravizados e sobre a política fiscal. Ei-las (p. 78 e 79):

“Nós queremos e aconselhamos  a indenização aos possuidores de escravos, não porque receamos que sem ela venha o país a arruinar-se, mas porque consideramos justa e nela lobrigamos um meio de evitar que o libertador forçado  de hoje seja amanhã o figadal inimigo do homem livre (PINHO, 1944)”.

“Enquanto na corte se manda despachar livre de direitos os materiais necessários para a edificação de palácios, tributa-se com 50% as linhas que o pobre remenda os andrajos. […] O milionário que tem o capricho de deitar-se em colchão de penas paga 320 réis o quilo do macio enchimento, quando o artista que precisa de pincéis de penas para o seu trabalho só pode tê-los mediante a taxa de 16$000 [16 mil Réis] o quilo. […] Os presuntos que ostentosamente figuram nos banquetes pagam 400 réis o quilo; o extrato de carne, que é tão útil aos doentes, paga por quilo 1$320. […] O rico industrial que tem capital para comprar máquinas a vapor (e note-se que não somos infensos a esta isenção de imposto) pode obtê-la livre de direitos; o pobre trabalhador tem de pagar 40% pelo martelo que usa e que adquire com o minguado salário que percebe (apud PINHO, 1944, p. 22).

E complementa: “Quase todos os artigos de reconhecida necessidade são tributados com taxa superior a 40%, enquanto que nenhum objeto de luxo paga nessa proporção e muitos deles – como cristais, as obras de christofle [artigos de prata], os vestidos de seda, as joias, os móveis estofados etc – não chegam muita vez a pagar nem 10% (apud PINHO, 1944, p. 23)”.

Enfim, sugiro a leitura do texto que o professor Marcovitch escreveu e incluiu no volume 3 da coleção Pioneiros & empreendedores. A saga do desenvolvimento no Brasil, obra publicada pela EDUSP ( https://www.edusp.com.br/ ).

A COLEÇÃO E O AUTOR

Os três volumes de Pioneiros & Empreendedores perfazem cerca de mil páginas. Em cada um, há o perfil de oito escolhidos, somando-se 24 no total. No volume 1, estão Os Prados,

Nami Jafet, Francisco Matarazzo, Ramos de Azevedo, Jorge Street, Roberto Simonsen, Julio Mesquita e Leon Feffer; no volume 2, estão Mauá, Luiz de Queiroz, Attilio Fontana, Valentim dos Santos Diniz, Guilherme Guinle, Lafer-Kablin, José Ermírio de Moraes, Gerdau-Johannpeter e, no volume 3, estão Os Lundgren, Luiz Tarquinio (foto 3), Bernardo Mascarenhas, Delmiro Gouveia, Roberto Marinho, Augusto Trajano de Azevedo Antunes, Samuel Benchimol e Edson Queiroz.

Sirvo-me, a seguir, da Plataforma Lattes para apresentar o extrato do currículo do professor Jacques Marcovitch, paulista que nasceu em Alexandria, no Egito, e que prossegue atuante na universidade de que foi reitor. Eis o resumo curricular:

“Professor da Universidade de São Paulo (USP) dedica-se ao estudo do pioneirismo empresarial, estratégia e inovação com foco no crescimento econômico, na distribuição de renda e na sustentabilidade ambiental. Desde 2002, tem pesquisado as políticas de implantação da Convenção do Clima com ênfase na redução dos gases de efeito estufa na atmosfera. Master of Management pela Vanderbilt University (EUA), Doutor em Administração pela FEA/USP, e pós-doutorado pelo International Management Institute (Suíça). Foi Reitor da USP de 1997 a 2001, Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP de 1994 a 1997, Diretor do Instituto de Estudos Avançados e da FEA/USP, Presidente das Empresas de Energia do Estado de São Paulo (CESP, CPFL, Eletropaulo e Comgás) e Secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. Atualmente, além das atividades acadêmicas, é membro do Conselho Superior do Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), em Genebra. Recebeu vários reconhecimentos, entre eles: l´Ordre Nationale de la Legion D´Honneur (França), Prêmio Jabuti (1998, 2008, 2012), Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, e Grã Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico”.

Festejemos os 180 anos de Luiz Tarquinio!

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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