Luis Guilherme Pontes Tavares*
Em 1919, o jovem advogado nazareno Edgard Matta (1892-1974) foi iniciado no Tribunal do Juri pelo rábula Cosme de Farias. Tornaram-se amigos e compadres (Cosme é padrinho de filho de Edgard). Com o tempo, admitiram entre os pares o advogado Dorival Passos (1904-1986), que concluiu o curso de Direito na década de 1930. Os três, a partir da década de 1940, constituíam a “Trindade de Ouro do Juri na Bahia” e um deles, o veterano Cosme de Farias, nomina, desde 1967, o Salão do Juri do Fórum Ruy Barbosa, em Salvador.
A propósito da homenagem do Judiciário a Cosme de Farias, o professor João Eurico Matta (1935-2021), filho de Edgard, declarou ao Diário de Notícias, edição de 11nov1967, o seguinte:
“[…] em novembro de 1967 foi o grande salão do tribunal do júri popular, no fórum Ruy Barbosa, no Campo da Pólvora, em Salvador, que recebeu, solenemente, o nome de Cosme de Farias. Salão lotado, presentes altas autoridades do Poder Executivo estadual e municipal, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Cosme de Farias, 92 anos, foi homenageado por vários oradores, entre estes o presidente do Tribunal, desembargador Nicolau Calmon, e o advogado e professor Edgard Matta, falando em nome dos advogados e educadores baianos, como, entre tantos presentes, Dorival Passos. Disse Edgard, arrancando lágrimas do homenageado: ‘Cosme não poderia alcançar plena realização humana, como patriota, orador e amigo do povo, sem a compreensão e a personalidade de d. Semiramis, sua companheira de longos anos, que, na morada do casal, à rua São Francisco, abrigava loucos, pessoas em desgraça e os que, absolvidos no júri pelo marido, saíam da prisão sem destino e sem perspectiva”. p. 186
A propósito desse registro, o biógrafo de Edgard acrescenta que o professor João Eurico Matta, em artigo publicado na Revista da ALB (n. 52, 187-194, 2014), esclareceu que a manifestação de seu pai na homenagem a Cosme, em 1967, partiu da lembrança da frase “O Brasil é uma eternidade”, que Edgard ouvira em 1945 de um exilado francês, foragido do nazismo, em Campinas, São Paulo, para afirmar, exclamando:”Cosme de Farias não sabe que um povo e a sua cidade, Salvador, não poderiam ter a eternidade que têm se não houvessem sido beneficiados com a vida de um homem eterno – everlasting man – por sua grandeza, a um tempo um mito e um símbolo!”
As informações acima estão no livro Edgard Matta. A vida de um jurista e a articulação com o seu tempo (Salvador: EDUFBA, 2024), dos professores Alfredo Eurico Rodrigues Matta e Dorival Franco e Passos, netos de Edgard e de Dorival. Os autores dedicam a metade (p. 175-180) do subcapítulo “’A Trindade de Ouro do Juri na Bahia’ a partir de 1940” (p. 174-187) ao pioneiro. Além disso, volta e meia, Cosme de Farias é citado.
Concluo com a lembrança de que conheci o deputado Cosme de Farias enquanto aguardávamos, no térreo, o elevador do Edifício Ranulpho Oliveira, imóvel da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), onde funcionou a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia entre 1960 e 1974. Magro, envergando traje à antiga, com o colarinho da camisa folgado, de modo que o pescoço parecia mais fino ainda. Ingressei no Legislativo baiano como mensageiro em 1968, e o deputado cumpria o mandato iniciado em 1971. A morte, em 14/03/1972, o retirou de cena na altura dos 97 anos.
Foi o instante em que estive mais próximo dele. Mas, antes, no Terreiro de Jesus, o vira em restaurante, almoçando e bebericando uma cervejinha, assim como na Igreja da Ordem Terceira São Domingos Gusmão, onde atendia multidão de carentes, sobretudo de assistência judicial. Ademais, ainda menino e adolescente, o vi no desfile do Dois de Julho, em carro aberto, distribuindo a Cartilha do ABC, que criara como produto fundamental da Liga Baiana contra o Analfabetismo, que criara em 1915.
Enfim, peço licença para recordar que estive próximo da jornalista e professora Mônica Celestino quando resolveu ingressar no Programa de Pós-graduação em História da UFBA e defendeu, em 2005, a dissertação de Mestrado – “Réus, analfabetos, trabalhadores e um major: a inserção social e política do parlamentar Cosme de Farias em Salvador”. Em 2006, a convite da Assembleia Legislativa, a pós-graduada publicou o resumo do seu trabalho acadêmico na coleção “Perfil do Parlamentar da Bahia”, volume 6, ilustrado com fotos do veterano Anizio Carvalho e acrescido, como suplemento, do fac-símile da “Carta de ABC”, versão de 1970.
Cosme de Farias é nome de bairro, comenda, escolas, plenários e muito mais. No entanto, as homenagens e os agradecimentos não podem cessar.
Viva Cosme de Farias!

* Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É o 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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