Desafios do Jornalismo profissional diante das fake news
Por Zeca Peixoto*
O jornalismo profissional adentra a segunda década do século XXI enfrentando a tragédia das fake news. Que se não é fato novo, ganha dimensão porque amplificado pelas novas tecnologias de comunicação e a inteligência artificial. O que se apresenta como uma simples díade a ser resolvida – informação verdadeira ou falsa – ganha contornos que outrora não se presumia. A tecnologia tornou-se a principal aliada do Jornalismo e, ao mesmo tempo, sua principal ameaça à sobrevivência. Vale lembrar que o estadunidense Steven Bannon, ex-consultor de mídia de Donald Trump, prometeu “acabar com a imprensa”. Bannon, que se autoproclama integrante da chamada “direita alternativa”, aposta num mundo sem Jornalismo.
O conceito de que todos são, potencialmente, “producers”, produtores e consumidores de conteúdos devido às facilidades de acesso a gadets – celulares, tablets, computadores etc – nublou o ecossistema midiático, transformando-o numa seara de disputas que reúne profissionais e aventureiros/criminosos da informação. É o nó górdio do problema. Notícias falsas afetam a economia e põe em xeque regimes democráticos. As organizações de mídia não podem se manter inertes à questão e devem atuar conjuntamente com medidas contundentes.
Estudos realizados nos últimos três anos pelos pesquisadores Sinal Aral e Soroush Vosoughi[1], do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, que preferem utilizar o termo “false news”[2] – notícia falsa -, apontam resultados não só surpreendentes, mas também perturbadores. Conforme Aral e Vosoughi, “as notícias falsas se propagam mais longe, rápido, fundo e amplamente que as notícias verdadeiras em todas as categorias de informação e as notícias políticas falsas se propagam ainda mais longe, rápido, fundo e amplamente que qualquer outra categoria”.
Pesquisa de fôlego. Os dados coletados abarcaram toda a trajetória do Twitter, desde seu início, em 2006, até 2017. Foram mineradas 126 mil cascatas de tuites (cadeias de retuites com uma origem comum) que circularam pela esfera desta rede social neste período. Para chegar às conclusões, os acadêmicos verificaram a veracidade ou falsidade dos conteúdos espalhados.
Enfim, o problema é concreto e não há esperança que possa ser superado nos próximos 10 anos. Ou talvez nunca. O que força os empreendimentos jornalísticos a conviverem com a situação. Neste sentido, o contributo do campo profissional para combater e neutralizar estas práticas criminosas passa necessariamente pela revisão dos princípios de gestão que norteiam empresas de mídia que têm como principal produto a informação noticiosa.
Bom lembrar que a “filha” mais nova dessas práticas deletérias é a chamada “mídia sintética”. Trata-se da reedição sofisticada e com aparato de poderosos softwares capazes de alterar um vídeo cuja fonte mantém a mesma voz e articulação labial com texto e sentido discursivo totalmente diverso do original. O crime deixa rastro, mas sua capacidade de destruição imediata é incomensurável. E este é o objetivo.
Os pesquisadores sugerem formas de enfrentamento a partir de consensos de ações entre os players. No campo da Educação, por exemplo, assinalam a necessidade de instruir os canais sobre as consequências e penalidades por disseminar notícias falsas. No mesmo movimento, instruir os consumidores para saber identificar e enfrentar estes conteúdos, assim como incentivá-los a serem partícipes da identificação. As medidas também contemplariam o aprimoramento de algoritmos capazes de “carimbar” informações duvidosas e identificar as contas que as disseminam. A ideia é disponibilizar ferramentas que possibilitem o autobloqueio, com controle dos usuários, fazendo com que os feeds rejeitem ou aceitem informações suspeitas. Este enfrentamento também não abre mão da presença dos estados, que devem atualizar suas legislações e intensificar as leis de responsabilidade online.
Em resumo, é imprescindível que as organizações de mídia jornalísticas planejem suas ações partindo da premissa que o combate às fake news deve estabelecer medidas que contemplem não só atenção centrada nos processos de apuração por parte dos profissionais (rotinas de produção adequadas a este novo momento), mas também aos públicos que consomem os conteúdos ofertados. Vale sugerir, portanto, que este embate seja abraçado como política setorial do segmento e que se ponha como suporte a necessárias políticas públicas por parte dos estados nacionais mediante agências reguladoras, mas que não ameacem econômica e socialmente o ecossistema midiático.
[1] Havard Business Review, edição de dezembro de 2018
[2] Os autores preferem utilizar false news – notícia falsa – porque, segundo eles, “fake news” tornou-se muito polarizar: os políticos estão utilizando o termo fake news para descrever notícias que não apoiam suas posições.
*Zeca Peixoto é jornalista e mestre em História Social.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).