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Encontro de mulheres comunicadoras recebe as escrevivências de Conceição Evaristo

Sediado em Salvador, o evento Elas à Frente na Comunicação teve como destaque o anúncio do edital voltado ao empreendedorismo feminino no setor

O auditório da Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE) ambientou um evento potente nesta sexta-feira (12), com participação de jornalistas, relações públicas, assessoras, publicitárias, radialistas, pesquisadoras e políticas. O encontro “Elas à Frente na Comunicação – Difusão e Promoção de Direitos”, promovido pela Secretaria das Mulheres do Estado da Bahia SPM, teve como convidada especial a professora e escritora Conceição Evaristo, imortal da Academia Mineira de Letras. Na ocasião, o órgão anunciou um edital que vai apoiar mulheres comunicadoras.

Com o tema “Escrevivência e mulheres comunicadoras: conexões necessárias”, Evaristo estabeleceu uma profunda conexão com a plateia, em uma troca que abordou ancestralidade, raça, religião, estética negra, empreendedorismo e gênero no universo da comunicação.

A mediação da conversa ficou a cargo da professora Mabel Freitas, autora do livro “Educação Antirracista – Com gosto de dendê e cheiro de pitanga: orientações pedagógicas negrorreferenciadas” (ALBA Cultural).

“Sabemos quais são as grandes empresas de comunicação e sabemos da potências delas em formatar o sujeito, inclusive na maneira de dar a notícia. Estar na área da comunicação como pessoa negra é criar outro estilo, outra estética. Pensar a comunicação é pensar o direito de interpretação”, refletiu Conceição Evaristo.

Segundo ela, a internet, se bem usada, é um caminho alternativo. “A comunicação hegemônica é feita por corporações. A gente deveria descobrir estratégias para criar corporações”, afirmou. “Se temos um passado que nos constitui como dor, temos também um passado que nos constitui como potência, se pensarmos como a imprensa negra atuou e deixou os seus vestígios.”

“O que e para quem você quer comunicar? O que vale a notícia? Quem vai protagonizar essas notícias? Pensar a comunicação nesse paralelo com a escrevivência é pensar o direito de interpretação. Eu escolho sobre o que eu quero escrever. Eu escolho, por exemplo, colocar mulheres negras no centro da cena”.

Conceição Evaristo

A escritora explicou que a escrevivência, na literatura, vem forçando outras maneiras de produzir e significar, a partir do próprio lugar de fala. Ela aproveitou para refutar a ideia da escrevivência como escrita narcísica. “No mito grego, a beleza de Narciso não é a nossa beleza. O espelho de Narciso não cabe no nosso rosto. Há anos vemos uma afirmação da estética negra, mas a minha geração passou toda a infância e juventude sem se reconhecer como bela. Então, não podemos pensar os nossos textos através do modelo do espelho de Narciso”, lembrou Evaristo.

“Que notícias podem aumentar a nossa autoestima?”

Estudante Emily da Silva

Além da placa entregue ao final de sua intervenção, Conceição Evaristo foi presenteada com um exemplar do livro “Escrevivências Afro-baianas”, fruto do projeto Escrevivências, que busca promover a escrita de textos literários de alunos e alunas do Colégio Estadual Edvaldo Brandão Correia, no bairro de Cajazeiras, sob a coordenação da docente Jucy Silva.

Protocolo Antifeminicídio

André Curvello, secretário estadual de Comunicação, prestigiou o evento em nome do governador Jerônimo Rodrigues. O jornalista dirigiu parabenizações à chefe de gabinete da SPM, Aldinha Sena, na condição de representante da secretária Elisangela Araújo, titular da pasta. Traçando paralelos entre as trajetórias de Conceição Evaristo e expoentes como Viola Davis, ele destacou a importância da diversidade de raça e de gênero na comunicação e na cultura.

Curvello citou a decisão do STF, proferida em 2023, acerca da inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra, fato lembrado pelo Protocolo Antifeminicídio lançado em abril pela Associação Bahiana de Imprensa. “A ABI fez um manual para orientar a cobertura sobre o feminicídio e evitar erros comuns nos relatos desses casos, em que a mulher morre duas vezes: da ‘morte matada’ e tem morta a sua reputação”, observou.

“Este é um momento muito importante. A gente precisa empoderar as mulheres na comunicação, que é um alicerce para o estado democrático de direito”, defendeu o gestor. A versão impressa do Protocolo será distribuída no mês de agosto, como parte das comemorações do aniversário de 94 anos da ABI.

Edital

No período da tarde, a SPM apresentou o Edital Elas à Frente na Comunicação, com o objetivo de fomentar o empreendedorismo feminino na comunicação, e promoveu um momento de diálogo, escuta e interação em torno das políticas públicas para mulheres. De acordo com Aldinha Sena, o investimento será de R$1,5 milhão.

Na sequência, houve uma homenagem a mulheres comunicadoras negras: Mabel Freitas, Marlupe Caldas, Maíra Azevedo (Tia Má), Marjorie Moura, Mirtes Santa Rosa, Val Benvindo, Vânia Dias, Lorena Ifé, Wanda Chase, Bárbara Carine, Carla Akotirene, Camilla França, Ceci Alves, Cristiele França, Dina Lopes, Ekedy Sinha e Georgina Maynart.

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos donos de tudo.¹

Maria da Conceição Evaristo de Brito (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1946). Romancista, contista e poeta. Nasce em uma comunidade no alto da Avenida Afonso Pena. Trabalha como empregada doméstica até 1971, quando conclui os estudos secundários no Instituto de Educação de Minas Gerais.

Muda-se para o Rio de Janeiro em 1973, ocasião em que é aprovada para o magistério. Estuda na Universidade Federal do Rio de Janeiro e forma-se em Letras. Ingressa no mestrado em Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) onde defende, em 1996, a dissertação Literatura Negra: uma poética da nossa afro-brasilidade. Defende a tese de doutoramento Poemas Malungos – Cânticos Irmãos, em 2011, na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Tem participação em revistas e publicações, nacionais e internacionais, que tem por tema a afrobrasilidade. Tal engajamento inicia-se na década de 1980, por meio do Grupo Quilombhoje, responsável pela estreia literária de Conceição em, 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros. Suas obras, poesia e prosa, especialmente o romance Ponciá Vicêncio (2003), abordam temas como a discriminação de raça, gênero e classe. Atualmente, Conceição leciona na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).²

¹VÁRIOS AUTORES. Cadernos Negros 13, São Paulo: Quilombhoje, 1990, p. 32-33.

²Fonte de pesquisa: CONCEIÇÃO Evaristo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa6851/conceicao-evaristo. Acesso em: 12 de julho de 2024. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

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