Especial Fake News – Parte 5

RASTILHO DE PÓLVORA

Educação para mídia online

Lívia Oliveira*

Despertar um olhar crítico no internauta acerca de assuntos midiáticos, ou como é conhecido: educar midiaticamente, é um desafio constante do jornalismo profissional. A editora do site da Folha de S. Paulo, Camila Marques pontua os riscos de passar adiante um conteúdo sem checar. “É colocar lenha em uma fogueira ou aumentar um incêndio que talvez a gente não consiga apagar depois. Pode prejudicar a reputação de uma pessoa, empresa e até uma eleição”.

A proposta de combater os conteúdos duvidosos através da educação já vem sendo aplicada em alguns lugares do Brasil, inclusive em Salvador. Os projetos Redação Itinerante (BA), LupaEducação (RJ) e Educação para a Mídia (SC) são exemplos de iniciativas que estão ressignificando a forma de jovens e adultos se relacionarem com informações na internet, através de palestras, oficinas e rodas de conversa.

Outra iniciativa de combate à desinformação são os canais de comunicação entre o leitor e a imprensa. O jornal Folha de São Paulo, por exemplo, adotou um número de WhatsApp para receber conteúdos duvidosos que estão circulando em sites ou mídias sociais e esclarecer as informações para o público. No projeto Folha Informações, é possível enviar notícias, vídeos, áudios e até correntes compartilhadas nos aplicativos de mensagem.

Depoimentos do editor-executivo, Sérgio Dávila, e da editora de digital, Camila Marques, do jornal Folha de São Paulo sobre a importância de promover a educação midiática para crianças e adultos:

Na Bahia, o projeto Redação Itinerante achou seu lar no segundo piso do Shopping da Bahia, no espaço #ValedoDendê. Todas as quartas-feiras o site Correio Nagô promove atividades com o objetivo de descontruir preconceitos, trocar vivências e ampliar o conhecimento sobre variadas temáticas, inclusive sobre as consequências do compartilhamento de fake news na internet. Com o projeto Redação Itinerante, o local oferece rodas de conversa, oficinas e palestras sobre comunicação, empreendedorismo e inovação, com ênfase na comunidade negra.

A editora-chefe do Correio Nagô e idealizadora do projeto, Donminique Azevedo, fala com alegria os resultados do Redação Itinerante. “A cada nova edição o evento propõe uma experiência de aprender sobre variadas temáticas e desenvolver um maior senso crítico. Não é apenas ser ouvinte nas atividades, mas também poder contribuir para as discussões e se ver inserido no processo como instrumento de transformação da realidade em questão”.

Uma temática recorrente na programação do projeto, como no próprio Correio Nagô, é a desinformação. “Antes mesmo de ter o nome de desinformação, o veículo sempre fez um trabalho de combate, porque entende que a comunidade negra é vítima de estereótipos, de estigmas. Então, a gente tem feito isso muito antes tanto do ponto de vista da formação quanto da pauta jornalística”, esclareceu Donminique.

Equipe do Correio Nagô e convidados de uma das atividades do espaço – Foto: Lívia Oliveira

Ela ainda contou que quando o Redação Itinerante aborda a desinformação muitas pessoas acham estranho e questionam se não deveria ser apenas temáticas ativistas. “A preocupação é abordar as questões ligadas a população negra, mas essa é uma problemática macro, que também passa pelas micropolíticas do dia a dia, em não compartilhar uma informação se não tiver certeza que é verdadeira, em não reforçar estereótipos e não cometer deslizes na apuração de informações”.

Os convidados das atividades do redação itinerante garantem que também estão atentos as notícias falsas que circulam na internet e que a educação midiática é uma saída para combatê-las. “Busco acompanhar e seguir produtores de conteúdo que passam credibilidade. Quando algo desperta dúvidas procuro pesquisar em outros sites, na imprensa e vejo o que as digitais influencers que acompanho estão falando sobre o assunto”, contou a digital influencer baiana Nanai Costa.

Digo Santos, que interpreta a personagem Nininha Problemática no Youtuber, tem hábitos semelhantes aos de Nanai. “Conheço pessoas que já foram vítimas de Fake News e percebi que é um problema é muito prejudicial. Precisamos ser sempre criteriosos, ler o conteúdo na íntegra, consultar várias fontes e evitar compartilhar informações só pelo título”.

Fact-Checking

Sabe quando você fica cansado de ver tantos links bizarros transvestidos como notícia nas redes sociais? A estudante de jornalismo Tarsila Carvalho, 25 anos, já não aguentava mais a situação e resolveu participar de uma oficina de Fact-Checking (checagem) com os amigos. Ela aprendeu muito mais do que apenas identificar uma fonte de informação confiável com o programa Lupa Educação.

O projeto Lupa Educação tem como objetivo capacitar pessoas no uso das técnicas de checagem através de oficinas e palestras. Independentemente da idade ou formação acadêmica, todos os participantes são convidados a aprender a consultar informações em fontes oficiais, como o site do Supremo Tribunal Eleitoral (STE), organizá-las em planilhas e conecta-las através de gráficos e infográficos.

O projeto lançado em 2017 começou promovendo atividades em empresas e instituições de ensino do Rio de Janeiro e, atualmente, já passou por vários estados brasileiros para mostrar os bastidores da produção diária da Lupa e ensinar a fazer simulações de checagem de informações. Para a estudante, projetos de educação midiática como o da Lupa são fundamentais para formação cidadã. “Precisamos ser ensinados a desconfiar das coisas e a ter um olhar mais atento, principalmente para o que se divulga na internet. Já discuti com uma pessoa que defendia um político por acreditar cegamente em matérias de sites duvidosos e eu só precisei buscar o programa de governo do candidato para ver que a informação não era verdadeira”, conta.

Seguindo a linha de raciocínio da fundadora da agência Lupa, Cristina Tardáguila, já que não existe outra forma de combater as fake news, que não seja com mais informação, com conteúdo preciso e de qualidade, é importante educar as pessoas para a produção e disseminação consciente. Afinal, tanto jornalistas como leitores têm sua responsabilidade diante do excesso de desinformação nas mídias. “O jornalista precisa checar e rechecar todas as informações antes de publicar uma notícia, e o público deve aprender a superar as crenças, gostos e desejos quando estiver julgando ou pensando em compartilhar um conteúdo”, aconselha Cristina.

O gerente de marketing da Lupa, Douglas Sampaio, explicou que a programação se adequa a necessidade dos participantes. “O público do Lupa Educação é bastante diversificado e a programação consiste em aprender a identificar notícias falsas utilizando as ferramentas disponíveis na internet conforme a necessidade de aplicação do aprendizado”. As oficinas e palestras são ministradas para universitários, estudantes do ensino médio, empresas e profissionais de várias áreas de atuação – administradores, professores, médicos, bibliotecários e até policiais.

Percepção midiática

Ávido por adquirir e compartilhar conhecimento, o professor doutor Samuel Lima sempre quis levar o entendimento sobre a educação que pesquisa no Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), da Universidade Federal de Santa Catarina, para fora da academia. Atualmente, ele ensina jovens entre 15 e 17 anos a ter uma visão crítica dos conteúdos compartilhados na internet. É nas escolhas públicas da grande Florianópolis, que Samuel apresenta coberturas jornalísticas sobre um tema previamente escolhido pelos próprios estudantes e os estimula a refletir criticamente sobre o conteúdo.

Os jovens são incentivados a interpretar manchetes, observar as diferentes angulações de coberturas jornalísticas, refletir sobre a representatividade étnica nas mídias e a identificar quando um conteúdo é falso ou apresenta abordagens imprecisas e equivocadas.  “Me surpreendi com o resultado do projeto, com o nível de percepção dos estudantes. Eles têm uma grande capacidade de fazer leituras críticas, de duvidar das informações, checar e levantar a dúvida sobre a veracidade de um conteúdo nas conversas com os amigos”, pontua Samuel. Os organizadores do Educação para Crítica da Mídia pretendem estender o convite para um olhar mais crítico e uma recepção ativa sobre os conteúdos midiáticos também para outras escolas do estado.

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Série completa

Parte 1 – VÍTIMA DA MENTIRA: De trabalhador a criminoso. O impacto das fake news

Parte 2 – CURA MILAGROSA: Tratamentos alternativos podem trazer consequências graves

Parte 3 – A LEI: Justiça Eleitoral em guerra indefinida contra as fake news

Parte 4 – CHECAGEM: Apuração basta? Saiba o que dizem pesquisadores e editores de veículos baianos

Parte 5 – RASTILHO DE PÓLVORA: Educação para mídia online

*Este texto é parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)/2018 apresentado ao Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) pelos alunos Francisco Artur Filho, Lívia Oliveira, Pedro Vilas Boas e Roberto Aguiar.

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