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Especialistas analisam a regulação dos meios na América Latina

“Há mais ou menos liberdade de expressão na América Latina, como resultado de sua revolução digital e das novas leis midiáticas?” Esse foi o cerne do debate de um grupo de especialistas reunidos nos dias 26 e 27 de junho, em Washington, com apoio do Banco Mundial, Inter American Dialogue, a rádio pública dos Estados Unidos NPR e o Centro Carter. Peritos em comunicação analisaram as regulações da imprensa na região, em meio à revolução digital vivida pelos 250 milhões de latino-americanos que usam a web e as redes sociais.

O fórum “Liberdade de Imprensa e a Transformação Digital na América Latina” transcendeu os limites dos auditórios para se expandir às redes sociais com a hashtag #mediosdigitales. “A liberdade de expressão é uma das liberdades de que a sociedade necessita para ser livre de forma integral”, disse Tony Mora, da República Dominicana, através do Facebook, fazendo eco a milhares de usuários das mídias sociais. No Twitter, Eliana Barrios se perguntou se a liberdade de expressão realmente deve ser regulada, ou isso equivale à censura?

Não é novidade que o recente passado autoritário e um sistema altamente concentrado de mídia privada acabam por oferecer realidades muito semelhantes para o sistema midiático da América Latina. Através de medidas de cerceamento das liberdades de imprensa e de expressão, os regimes ditatoriais contribuíram para que ainda hoje qualquer tentativa de regulação no setor seja equivocadamente taxada como censura. Mas, a América Latina vive uma verdadeira transformação digital que está mudando radicalmente a maneira como os usuários recebem informação, o que obriga os governos a adequarem a regulação da imprensa aos novos tempos.

Pode ser que a palavra “regulação” provoque uma reação desfavorável em muitas pessoas, no entanto, os peritos concordaram que, como no restante das democracias consolidadas no mundo, a região precisa de um marco regulatório de sua mídia, não para coibir a liberdade de expressão, mas para promovê-la. Nesse sentido, qualquer legislação deverá orientar-se em primeiro lugar pelo objetivo de garantir a liberdade de expressão dos cidadãos frente ao poder do Estado e ao poder econômico.

“Uma regulação bem definida, aberta e respeitosa é uma ferramenta vital para garantir o direito à máxima liberdade de expressão e informação a todos os cidadãos e meios de comunicação”, afirmou Sergio Jellinek, gerente de relações Externas do Banco Mundial para a América Latina. Ele acrescentou que a matéria pendente na região é alcançar a pluralidade da mídia no contexto da digitalização.

Com efeito, a legislação midiática não deveria ser vista como um mecanismo para amordaçar ou censurar a imprensa e os jornalistas independentes, observou Gustavo Gómez Germano, autor de La regulación de medios y la televisión digital en América Latina (A regulação dos meios de comunicação e a televisão digital na América Latina). Mas essa normativa tem de respeitar os direitos do indivíduo.

“Na nossa região é necessário revisar e reformar a legislação sobre meios de comunicação para atender às recomendações internacionais de órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e remover obstáculos para o pleno exercício dessas liberdades, por exemplo, abolindo as leis de desacato e descriminalizando a difamação nos casos de interesse público”, afirmou Gómez, que dirige o Observatório Latino-Americano sobre Regulação, Meios e Convergência. O especialista foi enfático ao afirmar que a regulação dos meios de comunicação não deveria chegar aos conteúdos que “têm de ficar em mãos dos jornalistas”.

Com isso concorda Silvio Waisbord, diretor de estudos de pós-graduação da Escola de Meios e Assuntos Públicos da Universidade George Washington. Waisbord considera que historicamente existe uma percepção negativa do papel do Estado em garantir a liberdade de expressão porque, de fato, ele tem funcionado como uma “grande recompensa de recursos”.

Leia também: O sociólogo Venício Arthur Lima apoia um marco regulatório da mídia do Brasil

De acordo com o debate de sexta-feira (27), na NPR – rádio pública dos Estados Unidos – a revolução digital produziu uma reviravolta na imprensa tradicional, mas, ainda não existe um modelo de negócios claro que garanta a sobrevivência da mídia. Ainda assim, o importante é que as plataformas digitais possam se adaptar às audiências, alertou o ombudsman Edward Schumacher-Matos.

Sobre o pluralismo nos sistemas midiáticos latino-americanos, Rincón, diretor do Instituto de Jornalismo da Universidade dos Andes (Colômbia), “a regulação não melhorou a inclusão dos cidadãos”. Já para outros entendidos no assunto, a verdadeira ditadura “é a do clique”, ou seja, o ato dos usuários de abrir um link na web. “Os cliques se dão em uma dinâmica de concorrência, na qual o rigor e a ética, assim como a profundidade, parecem estar em plano secundário”, afirma Daniel Moreno, diretor do portal mexicano de notícias Animal Político, que considerou que essa pressão causa mais danos do que benefícios à atividade de informar.

Nesse sentido, Óscar Martínez, do El Faro, jornal digital pioneiro com sede em El Salvador, disse que certos meios de comunicação online conseguiram “despolitizar” a cobertura da realidade nacional, o que causou estranheza a uma população que sempre identificava cada meio com uma tendência ideológica. “Deixamos de parecer partidos políticos em algum momento e começamos a parecer gente que se regia pela ética e pelas normas do ofício” argumentou.

*Informações de  María José González Rivas para o El País (Edição Brasil), com ANDI – Comunicação e Direitos.

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