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Fim da checagem de fatos pela Meta preocupa autoridades e especialistas

Democracia, direito à informação de qualidade, segurança e soberania nacional  são alguns dos temas em debate após recente anúncio do CEO Marck Zuckerberg

No dia seguinte ao reconhecimento formal, pela Câmara e o Senado dos Estados Unidos, da vitória de Donald Trump, o bilionário  Mark Zuckerberg, CEO e proprietário da big tech Meta, que controla o Facebook, Instagram, Threads e Whatsapp, fez um anúncio que vem sacudindo a opinião pública de líderes de estados e outras autoridades, comunidades usuárias de redes sociais e profissionais do jornalismo e checagem de fatos em todo o mundo. “Vamos eliminar os fact-checkers (verificadores de conteúdo)”, avisou Zuckerberg no último dia 7, nas redes da Meta, alegando a defesa de “liberdade de expressão” e “fim da censura”. 

Isso significa que a política de moderação da big tech que reúne mais de 3 bilhões de usuários deixará de considerar a checagem de conteúdos por agências especializadas. Essa prática, que até então respaldava a moderação da Meta, será substituída agora por um “sistema de notas da comunidade”, em que os próprios usuários terão de verificar a confiabilidade das informações.

Com isso, Zuckerberg passa a adotar o modelo da plataforma X, de Elon Musk, nomeado por Trump para liderar o recém criado “Departamento de Eficiência Governamental” dos Estados Unidos. O CEO da Meta volta a ser associado a articulações obscuras com a extrema-direita, desde o escândalo que envolveu vazamentos de dados de 87 milhões de usuários do Facebook para a Cambridge Analytica, empresa que teria usado essas informações pessoais para propaganda política eleitoral na campanha de Donald Trump em 2016.

Alerta – Num vídeo de 5 minutos, o recado dado pelo CEO da Meta causou um tsunami de reações de diversas autoridades no mundo – da União Europeia, Canadá,  Austrália, países latino-americanos, como o Brasil, Organização das Nações Unidas (ONU) ao papa Francisco. As advertências evocam assuntos desde disseminação indiscriminada de desinformação,  aos direitos humanos e à ciência, risco às democracias, segurança e soberania nacional ao uso das redes sociais como arma política.

No Brasil, tanto o governo Lula, quanto o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia Geral da União (AGU) exigiram que a Meta explique como irá cumprir a legislação brasileira com as mudanças anunciadas.

O alerta se intensifica no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que dispensa das plataformas a responsabilidade automática por conteúdos de terceiros, vinculando a remoção do conteúdo a ordens judiciais. O ministro Dias Toffoli, relator da matéria, já votou pela inconstitucionalidade do artigo e pela obrigatoriedade da remoção de postagens potencialmente lesivas à legislação doméstica mesmo sem ordem judicial. 

Toffoli defende ainda a adoção sistemática do artigo 21, em que a responsabilização, em vez de ter como foco o descumprimento da decisão judicial, leva em consideração a ausência de providência após notificação extrajudicial do usuário sobre determinada publicação. Atualmente o artigo 21 se refere apenas à divulgação não autorizada de conteúdos sexuais e de nudez. Com a extensão proposta pelo ministro, as plataformas serão responsabilizadas civilmente caso não excluam automaticamente conteúdos de ódio, como racismo, misoginia, crimes contra o Estado Democrático de Direito, violência contra crianças e adolescentes, entre outras matérias infratoras, independentemente de notificação extrajudicial ou decisão judicial.

Perigo – Enquanto isso, o Brasil segue sem uma regulamentação mais robusta das redes sociais, apesar de mais de quatro anos de discussão com a sociedade civil e especialistas do PL 2630, apelidada de “PL das Fake News”. Em abril de 2024, o então presidente da Câmara, Arthur Lira, resolveu engavetar o projeto, deixando um vácuo de posicionamento do Congresso sobre o assunto.

Essa falta de regulação sobre a atuação das big techs no território nacional agrava os efeitos práticos da nova diretriz da Meta, levando em conta a massificação quase absoluta do uso das redes sociais pela sociedade brasileira. 

Segundo pesquisa recente da Opinion Box (dezembro de 2024), o WhatsApp, principal distribuidor de conteúdo descentralizado dos brasileiros, está instalado em 99% dos telefones móveis no País e é acessado diariamente por 96% da população brasileira. São 147 milhões de brasileiros utilizando o aplicativo, segundo a pesquisa “Digital 2024: Brasil”, da DataReportal. 

Já o Instagram, ainda de acordo com a DataReportal, é utilizado por 134,6 milhões de usuários no Brasil. E, embora tenha perdido posições, o Facebook conta com mais de 111,3 milhões de usuários brasileiros. 

Na avaliação do presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, essas empresas (as big techs) já reivindicavam um poder acima dos estados nacionais, “afrontando governos legítimos, pressionando parlamentos e desafiando a justiça”. Da mesma forma, acrescenta o jornalista, “sempre se eximiram de qualquer responsabilidade sobre qualquer conteúdo, inclusive anúncios fraudulentos que lesam usuários dessas mesmas redes”.

Marques afirma ainda que “o discurso da liberdade de expressão cai por terra, antes mesmo de qualquer debate superficial sobre o tema”. “São parceiros e sócios de ditaduras mundo afora, onde a Internet passa por filtros rigorosos de censura política e monitoramento de opositores. A decisão da Meta só escancara o que já sabemos: delegar a moderação para os usuários é transformar as redes sociais numa grande rinha global”, avalia. Ele lembra que as big tech como a Meta subverteram a velha máxima, segundo a qual informação é poder. “Agora desinformação é poder”, avalia.

Seguindo a mesma preocupação, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves, disse que a posição da Meta “vai ao encontro daqueles que professam preconceitos e discursos de ódio, que querem uma rede mundial desregulada, onde possam cometer crimes impunemente, usando a desinformação como instrumento para conquistar seguidores e apoio às suas ideias extremistas”. Neves adverte que “não defender a checagem de fatos é compactuar com a mentira e a deturpação. Por outro lado, a postura explicita de uma vez por todas que as big tech têm lado e estão alinhadas com a extrema-direita na cena política internacional”.

Para os profissionais de jornalismo, parece não haver outra saída que não seja a resistência contra a gestão algorítmica oligopolizada, nebulosa e autoritária.

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