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Jornalista baiano integrante de frente nacional de combate à desinformação defende a comunicação popular como fundamental à democracia

Sustentabilidade está entre os desafios do jornalismo comunitário e da democratização da comunicação

Na atual contingência em que o controle algorítmico e a disseminação de desinformação em massa são arma de guerra e de ataque às democracias, a resistência do jornalismo comunitário tem muito a oferecer e ensinar. 

Não é à toa que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), recrutou representantes de 15 estados para formação de um comitê responsável por criar e implementar um “Manual de Boas Práticas em Comunicação Popular e Periférica”, assim como um “Guia de Sustentabilidade e Promoção da Diversidade do Jornalismo Periférico e Independente”. A iniciativa faz parte do projeto “Promovendo o Acesso à Informação, o Exercício de Direitos, o Combate à Desinformação e a Defesa da Democracia”.

O jornalista e coordenador da Agência de Notícias das Favelas (ANF) na Bahia, Paulo Almeida Filho, foi escolhido para integrar o comitê. A seguir, em entrevista concedida à ABI, Paulo – que é morador do Bairro da Paz, em Salvador, especialista em Comunicação Comunitária e mestre em Gestão da Educação, Tecnologias e Redes Sociais – conta como está o andamento do projeto, sobre sua experiência na comunicação popular na Bahia e sobre os maiores desafios do jornalismo comunitário para fortalecer a pluralidade, o combate à desinformação e a democratização da comunicação no Brasil.

1. ABI – Você representa a Bahia, entre outros profissionais de mais 14 estados, para a criação e implementação de um “Manual de Boas Práticas em Comunicação Popular e Periférica” e de um “Guia de Sustentabilidade e Promoção da Diversidade do Jornalismo Periférico e Independente”. Pode explicar melhor sobre esses projetos?

Paulo Almeida Filho – Fui selecionado para ser um dos consultores da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, dentro do  projeto “Promovendo o Acesso à Informação, o Exercício de Direitos, o Combate à Desinformação e a Defesa da Democracia”, com  objetivo de mapear, identificar, cadastrar iniciativas de comunicação popular e apresentar a proposta do projeto, visando a partir das experiências apresentadas, iniciar a formulação do Manual de Boas Práticas em Comunicação Popular e Periférica” e de um “Guia de Sustentabilidade e Promoção da Diversidade do Jornalismo Periférico e Independente”. O mapeamento das iniciativas de comunicação popular nos territórios de periferias urbanas e rurais já foi iniciado. Estamos atualizando os cadastros dessas experiências, desde a capital, região metropolitana, recôncavo, baixo sul, sertão, entre outros territórios do estado. Após isso, partiremos para as próximas etapas, como entrevistas aprofundadas, escutas, diagnósticos, oficinas, palestras, intercâmbios e, finalmente, a formulação do manual e do guia.

2. ABI – Como pretende levar as experiências do jornalismo comunitário na Bahia para esses projetos?

Paulo Almeida Filho – Dentre as propostas da consultoria, uma das expectativas é de que as experiências da comunicação comunitária de cada iniciativa/território/estado, seja compartilhada entre os consultores, equipe técnica e o ministro da comunicação. Vamos apresentar os avanços e desafios desses meios, pautando inclusive a inserção de políticas públicas para a democratização da comunicação, junto aos veículos populares. Diante disso, o retorno dos primeiros mapeamentos já traz parte dessa demanda, a dificuldade da sustentabilidade pelo fato de serem mídia independente.

3. ABI – O que o motivou ou o fez seguir pelo caminho do jornalismo comunitário?

Paulo Almeida Filho – A comunicação comunitária surge na minha vida pela luta ao direito à moradia, como um instrumento de mobilização social, na década de 1990, no Bairro da Paz, através da Rádio Comunitária Avançar, observando todo movimento que era feito junto aos moradores no enfrentamento dos poderes públicos e especulação imobiliária da época, que ainda continua tentando retirar a população da região. A partir disso, pude acompanhar os bastidores da rádio, vendo a produção dos programas, com orientação e supervisão de Bira Silva e Rafa Lima, os precursores e desbravadores da comunicação comunitária em Salvador, sendo moradores do Bairro da Paz. Me formei em jornalismo, fiz especialização, mestrado e continuo na busca de qualificação constante, incluindo as oportunidades e experiências paralelas à rádio, com outras instituições sociais, no bairro, na cidade, outros estados e regiões do País, desde o Conselho de Moradores do Bairro da Paz, Coletivo de Comunicação Bairro da Paz News, CIPÓ- Comunicação Interativa, Rede de Mídias Comunitárias de Salvador, Agência de Notícias das Favelas, Frente pela Democratização da Comunicação, Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores e, atualmente, nessa missão como consultor  da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, resultado de 20 anos de dedicação, trabalho e responsabilidade social.

4. ABI – Como é exercer o jornalismo comunitário na Bahia? Quais os maiores desafios?

Paulo Almeida Filho – Existem várias maneiras de como a comunicação comunitária vem atuando na Bahia, seja através das rádios comunitárias, do alto-falante até rádio online, os jornais digitais, impressos, as TVs comunitárias, PodCast, bike-som, carro-de-som, incluindo a formação constante de comunicadores populares visando a qualificação desses atores sociais. Um dos principais desafios da comunicação comunitária é a sustentabilidade financeira, haja vista que a mídia independente tem a mídia hegemônica como principal adversária, que conta, inclusive, com incentivos fiscais e verbas públicas, amplificando a desigualdade e reverberando a concorrência desleal que torna o exercício da comunicação mais desafiador.

5. ABI – Estamos num período histórico bastante desafiador para o jornalismo, que tem seus pilares ameaçados pelo colonialismo algoritmo, como a disseminação de informações falsas. Acha que é possível resistir a essa avalanche? Se sim, qual o diferencial do jornalismo comunitário nessa luta?

Paulo Almeida Filho – Acredito que é possível resistir e, em muitos casos, ter resultados positivos, mesmo que eles não tenham a mesma visibilidade e alcance das práticas contraditórias. Afinal, [a comunicação popular] sempre aconteceu, e a resiliência dos comunicadores populares, fazendo da comunicação comunitária um instrumento também de contra-narrativa, faz disso um diferencial, desde a apuração dos fatos até a disseminação das informações. Seja para enfrentar as notícias falsas, como tem acontecido recentemente e constantemente, como também para desmistificar estereótipos das periferias, produzidos e alimentados pelas empresas de comunicação. Além disso, a comunicação comunitária atua junto com o fortalecimento de vínculos comunitários, inclusão, representatividade, entre outros fatores inerentes ao contexto social de cada território. Porém, essa pauta precisa ter parceria das instituições públicas das esferas municipal, estadual e federal e seus respectivos representantes, contribuindo no fortalecimento de uma rede popular em defesa da liberdade com responsabilidade, ética e social, acompanhando e monitorando qualquer prática que coloque em risco a democracia e o direito de cada pessoa.

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