Hoje, 3 de maio, é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Mas, para os jornalistas e comunicadores que dependem diretamente dessa garantia, a defesa da liberdade de imprensa é pauta o ano inteiro. O jornalista e radialista Ernesto Marques, presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), entende que o momento pede luta e vigilância constante dos profissionais do setor e da sociedade.
O dirigente comentou sobre a escalada de violência contra os profissionais da imprensa, principalmente as agressões praticadas por autoridades brasileiras. “Quando a liberdade de expressão vira instrumento para a defesa de quem ataca a democracia, a imprensa não pode dar margem a qualquer dúvida. Porque diante da barbárie em curso, não existe neutralidade sem cumplicidade”, avalia. O cenário preocupante registrado em 2020 se repetiu em 2021, segundo dados do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, publicado anualmente pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a partir dos dados coletados pela própria entidade e pelos Sindicatos da categoria em todos os estados do Brasil.
O documento da Fenaj revelou que o número de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação manteve-se nas alturas em 2021 e, pelo segundo ano consecutivo, foi o maior desde que a série histórica começou a ser feita na década de 1990. Foram 430 casos, dois a mais que os 428 registrados em 2020. A censura chegou a passar a descredibilização da imprensa, violência mais comum nos últimos relatórios, e hoje ocupa o primeiro lugar nos ataques. O presidente Jair Bolsonaro, assim como nos dois anos anteriores, foi o principal agressor, juntamente com outros políticos e seus assessores. Ele responde sozinho por 147 casos (34,19% do total).
De acordo com Marques, “o único remédio realmente eficaz contra todos os abusos cometidos em nome da liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa ou de produzir informação, é garantir a mais absoluta e irrestrita liberdade. Hoje e sempre, cabe a nós, comunicadores, não apenas lutar pelas liberdades democráticas com o nosso trabalho”.
Para o jornalista, é preciso que os abusos já cometidos e os que venham a ser cometidos para violentar essas liberdades sejam expostos, assim como devem permanecer expostas as autoridades que prevaricam em seu dever de responsabilizar, tempestivamente, os autores de violações da liberdade de imprensa nos marcos do dever do processo legal.
“A defesa da democracia é notícia hoje e sempre. Leiam, discutam, compartilhem os relatórios da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) sobre violência contra profissionais de imprensa. É preciso conhecer o problema e dar conhecimento mais amplo possível sobre quem nos ameaça e por que faz isso. Jornalistas defendem a democracia e as liberdades democráticas com o jornalismo. Nossa arma é a palavra!”, ressalta.
Logo mais, às 19h30, a Fenaj e o Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) vão apresentar, em uma live no YouTube (clique aqui), o dossiê “Ataques ao Jornalismo e ao Seu Direito à Informação”, uma publicação que aprofunda o debate sobre a violência contra o jornalismo no Brasil e seus impactos nos direitos da sociedade, como o direito à informação.
POR UMA IMPRENSA FORTE
Uma campanha recentemente lançada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) reuniu falas de jornalistas experientes para tratar dos diferentes aspectos advindos da atuação da imprensa. Lembramos agora alguns desses fatos, que também explicam porque a atuação de uma imprensa fortalecida é sinônimo de uma democracia saudável e os pontos de atenção que devemos ter em mente para que o jornalismo possa trabalhar cada vez melhor pelo interesse público.
- Liberdade de expressão
Kátia Brembatti, vice-presidente da Abraji, recordou que sem a liberdade de expressão não há uma atuação da imprensa. Isto quer dizer que não devem haver temas proibidos, nem pessoas sobre as quais não se deve reportar. Também não deve haver censura prévia, dentro das redações, de matérias que não se deve investigar.
A jornalista citou também o projeto Ctrl X da Abraji, que monitora pedidos de políticos na justiça para retirada de conteúdos jornalísticos do ar e casos de assédio judicial, que rastreou mais de cinco mil pedidos de retirada de conteúdo já levados à justiça.
“Toda vez que um profissional da imprensa se sente tolhido no seu direito, no seu dever de levar informações para o público, todo mundo perde também”, completou Brembatti.
- Diversidade
Já a diretora da Associação, Cecília Oliveira, abordou o tema da diversidade no jornalismo. Ela retrata um cenário onde, se todas as pessoas que trabalham numa redação vêm dos mesmos lugares e têm os mesmos hábitos, elas acabam efetuando um trabalho muito similar com os de seus pares. “Como que você vai reportar uma coisa que nem sabe que existe?”, perguntou. “Essa é a beleza da diversidade. Pessoas diferentes, com histórias diferentes e pontos de vista diferentes. Daí podem nascer histórias riquíssimas.
Oliveira criticou a forma como a diversidade de raça, etnia e sexualidade são tratadas, restringindo-a apenas às datas comemorativas, ou, no caso de profissionais que tenham essas identidades, limitando-os apenas à cobertura especializada. Ela recordou também do juramento feito no ato de formação de um jornalista, sobre empenhar atos e palavras para a construção de uma nação consciente de sua história e capacidade. “A história não é única. Cabe a nós refletirmos isso no jornalismo”.
- Acesso à informação
Sancionada em 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi uma vitória não apenas do jornalismo, mas de toda a sociedade civil. Foi através desse dispositivo que se passou a ter um local e um método determinado para acessar informações públicas. O diretor da Abraji Luiz Fernando Toledo trouxe esse histórico e afirmou: “É uma lei fundamental para a sociedade e todos nós, inclusive passando pelos jornalistas, precisamos defender essa lei porque é um direito de todos”.
O jornalista também mencionou que, nos últimos tempos, esse dispositivo entrou em conflito com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que garante a privacidade de pessoas físicas. Nos últimos tempos, a LGPD vem sendo usada para negar o acesso a certas informações, com a alegação de que seriam de natureza pessoal. Toledo recordou algumas instituições além da Abraji que lutam pela garantia de acesso à informação, como a agência Fiquem Sabendo, a Transparência Brasil e a Artigo 19.
- Defesa do trabalho
A presidente da Abraji, Natália Mazotte, buscou retratar os desafios que um jornalista enfrenta em seu trabalho. Ela mencionou os dados que mostram que, em 2021, foram mais de 80 casos de ameaças, agressões e destruição de equipamentos de profissionais da imprensa em decorrência de seu trabalho.
“Esses ataques cerceiam o trabalho jornalístico e, consequentemente, o direito dos cidadãos a ter acesso a informações relevantes que ajudem na tomada de decisões”, declarou a presidente.
Ela recordou também que o trabalho do jornalista, de levantar informações sobre fatos decisivos da nossa história, é o que nos ajuda a dar mais sentido ao momento que vivemos. Para a Abraji e outras entidades de defesa da classe, fica o desafio de continuar atuando pela capacitação e defesa desses profissionais.
- Combate aos ataques
A coordenadora do Programa Tim Lopes Angelina Nunes, membro do conselho de ex-presidentes da Abraji, afirma: “Jornalismo é resistência”. Ela declarou que diariamente jornalistas atuando em todo o país são pressionados e ameaçados por reportarem informações que vão de encontro a interesses privados de determinados grupos. “É importante que o jornalista e o comunicador que atuam longe das grandes capitais formem redes, atuem em redes”, defende.
Para a coordenadora, a opção de atuar em redes reforça que o jornalismo deve atuar coletivamente. Além dos programas de defesa aos profissionais, Nunes reforçou também a importância dos sindicatos e associações nesse contexto, que também possuem a responsabilidade de proteger os jornalistas. “A mensagem vai continuar mesmo que o mensageiro não esteja mais atuando naquele caso”.
- Qualidade do debate público
Para Leticia Kleim, assistente jurídica da Abraji, manter e buscar a qualidade do debate público é uma obrigação do Estado. Mas, além disso, a própria esfera civil também pode atuar por essa causa. Kleim trouxe como exemplos a possibilidade de atuar em debates, no âmbito do Poder Legislativo, ou de influir na tramitação de projetos de lei que possam ameaçar a atuação da imprensa livre.
Na esfera do Poder Judiciário, atuando como “amigo da corte”, é possível levar dados e informações especializadas em casos envolvendo decisões que possam influir nos direitos dos profissionais da imprensa, ou ainda entrando com uma ação em nome próprio. A assessora afirmou que a Abraji vêm tendo grande atuação nessas esferas e, assim, vem conseguindo lutar por melhores garantias para os jornalistas, como, por exemplo, na decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal que responsabiliza o Estado em casos onde jornalistas sejam feridos por forças de segurança.
(Com informações da Abraji e da Fenaj)