*Luis Guilherme Pontes Tavares
Eis um personagem que os brasileiros, sobretudo os baianos, precisam conhecer muito mais: Luiz Tarquinio nasceu na Cidade do Salvador, em 24 de julho de 1844, e faleceu, aos 59 anos, na mesma cidade, em 07 de outubro de 1903. Em 2024, transcorre, pois, os 180 anos do nascimento dele. Filho da lavadeira Maria Luiza dos Santos, a quem ampararia por toda a vida, Luiz, que adotou o sobrenome Tarquinio por volta dos 10 anos de idade, trilhou a extraordinária trajetória da pobreza à riqueza, marcando-a com iniciativas modelares e que reclamam o devido relevo para que todos nós saibamos mais a respeito.
Esse primeiro parágrafo acentua que o personagem em apreço é relevante, porém desconhecido. Neste artigo, darei ênfase à relação de Tarquinio com a Imprensa, baiana e brasileira. Serão raspões sobre a ponta do iceberg. Que provoquem a curiosidade de pesquisadores da história das Imprensa. Ousarei lançar a dúvida se ele foi ou não o precursor dos house organs (comunicação empresarial) na Bahia e, quiçá, no Brasil. Ele foi colaborador de jornais locais e nacionais, reuniu muitos dos artigos em plaquetas ou folhetos e foi patrocinador da Revista Popular, que circulou entre 1897 e 1898 em Salvador.
REUNIA OS ARTIGOS EM PLAQUETES
Talvez “Estatutos da sociedade Club Progresso da Humanidade”, publicado, em Salvador, na Revista mensal da Sociedade Parthenon Litterario (v.2, n.6, junho de 1873), em que Tarquinio dividiu a autoria com Jose Francisco dos Santos, seja uma das publicações mais remotas desse autor. Não tive, todavia, acesso a essa e a outras publicações listadas neste texto. Soube delas ao ler os livros Luiz Tarquinio. Pioneiro da Justiça Social no Brasil, do escritor baiano Péricles Madureira de Pinho (1908-1978), obra patrocinada, em 1944 pela Companhia Empório Industrial do Norte (CEIN), por ocasião do centenário de nascimento de Tarquinio, e Luiz Tarquinio. Semeador de ideias, livro que a escritora e gestora Eliana Dumêt publicou, a 2ª edição revista e atualizada pela paulista Gente, em 1999. Ela é bisneta de Tarquinio.
Luiz Tarquinio manteve polêmica com o conterrâneo Ruy Barbosa (1849-1923) sobre questões fazendárias e sobre a abolição da escravatura. Isso em páginas de jornais do Rio de Janeiro, no final do século XIX. Tarquinio é cinco anos mais velho que Ruy e ambos residiram no mesmo logradouro, a então Rua dos Capitães, no centro da Cidade do Salvador, que, a partir de 1903, seria batizada de Rua Ruy Barbosa. Desconheço qualquer referência da proximidade dos dois, até porque Tarquinio começou a trabalhar por volta dos 10 anos para auxiliar no sustento da casa. Quando Ruy completou cinco anos de idade, Tarquínio já estava na lida. Sequer tinha tempo livre para frequentar escola. Foi, todavia, leitor irrefreável.
Em 1885, atuando na Bruderer & Cia no design, importação e comércio de tecidos, Tarquinio publicou, utilizando-se do pseudônimo de Cincinnatus – há explicação para a escolha desse nome –, a coletânea de artigos dele intitulada O elemento escravo e as questões econômicas do Brasil (Salvador: Typ. Dos Dois Mundos). Em 1892, reuniu artigos publicados na Capital Federal (Rio de Janeiro) sob o título de Auxilio ás industrias (Salvador: Imprensa Popular), a única obra em PDF que encontrei na web – no site do Senado Federal (https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/222327).
Há três referências citadas no artigo da professora doutora Maria Helena Flexor – “Luiz Tarquinio: Companhia Empório Industrial do Norte” in Península de Itapagipe – patrimônio industrial e natural (Salvador: Edufba, 2011, p. 143-169) –: Direitos de importação em ouro: considerações sobre as tarifas do Brasil e da União Americana Salvador: Imprensa Popular, 1890); A solução da crise (Salvador: Imprensa Popular, 1892) e Apelo aos ilustres representantes da nação (Rio de Janeiro: Litho-tipographia de Pinheiro, 1895).
COMUNICIAÇÃO EMPRESARIAL
Há muito o que estudar a respeito do jornalista Luiz Tarquinio, sobretudo investigar o pioneirismo dele na criação de house organs na Bahia e no Brasil. Ele tanto construiu a fábrica de tecidos na Boa Viagem (Península de Itapagipe) como edificou a Vila Operária e os muitos equipamentos que ofereciam educação, saúde, gêneros alimentícios e esportes aos empregados e familiares deles. Ademais, lhes destinou o jornal O Operário (referido também como O Trabalho) e a revista Cidade do Bem, que substituiu o jornal em 1º de janeiro de 1899 e foi dirigida pelo jornalista, poeta e diplomata gaúcho Mucio Teixeira (1857-1926). Ainda não encontrei nenhum exemplar desses produtos jornalísticos pioneiros.
Artigos publicados, sobretudo na revista citada, foram reunidos por Tarquinio, em 1901, na plaqueta Preceitos Moraes e cívicos. Tampouco, por enquanto, localizei essa publicação. Alguns dos artigos de Tarquinio, publicados em ocasiões distintas, foram incluídos tanto no livro de Péricles Madureira de Pinho como no livro de Eliane Dumêt. Há muito o que pesquisar e apelo para os jovens estudantes de Comunicação, História e Biblioteconomia para atenderem o desafio e avançarem em busca das informações necessárias.
Por fim, volto a Cincinnatus. No discurso que o engenheiro, professor e político Miguel Calmon Sobrinho (1912-1967) publicou na Revista do IGHB (volume 72, 1945, p. 221-231), pronunciado, em julho de 1944, por ocasião do centenário de Luiz Tarquinio, ocorrido no dia 24 daquele mês, há a informação de que o empresário patrocinou a Revista Popular, que o gráfico e editor baiano (nascido em Cachoeira) Cincinnato José Melchiades (1858-1920), proprietário da Typographia Bahiana, imprimiu e publicou entre 1897 e 1897. O pseudônimo Cincinnatus utilizado por Tarquinio pode ter sido uma distinta homenagem ao amigo Cincinnato Melchiades.
Viva Luiz Tarquinio!
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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