ABI BAHIANA

O dia em que a ABI foi pescar

Há quase 70 anos, na Praia da Armação, um associado encontrou um jeito curioso de ajudar na construção da sede da entidade

“No domingo 12 de abril de 1953, por volta das 10 horas da manhã, pescadores em compridas canoas jogaram a grande rede nas proximidades da Praia de Armação, logo mais a puxaram para conferir o montante de xaréus que a Mãe D’Água – que na ocasião recebeu um presente dos homens do mar – ofertara à ABI. Peixe para a entidade?”

Esse excerto, presente no livro comemorativo “A.B.I. – 90 anos”, narra um dos muitos esforços coletivos em prol da construção da sede da entidade, quando ainda nem se pensava que a Associação Bahiana de Imprensa iria se assentar no Edifício Ranulfo Oliveira, localizado no Centro Histórico de Salvador. Essa história foi redescoberta e contada na publicação pelo jornalista e pesquisador Nelson Varón Cadena, diretor de Cultura da instituição. 

“Na época, a ABI estava arrecadando recursos para construir a ‘Casa do Jornalista’. Havia um costume antigo de fazer uma lista de adesão com várias pessoas, se mandava até para o interior, mandavam para amigos, assinavam e faziam as contribuições. Algumas empresas [ajudavam] também”, conta Cadena. A lista de doações era uma das ações feitas para angariar recursos para a construção da sede – na época, denominada pela imprensa de Casa do Jornalista. 

O pesquisador recorda que, além disso, também houve eventos em prol da Associação, como apresentações artísticas, encenação teatral, o repasse de verbas por meio de emendas parlamentares e caravanas pelo estado com as listas de adesão. No entanto, a puxada de rede se destaca. 

“Um associado da ABI chamado Mario Paraguassu, que era também um pintor, ilustrador, jornalista, comandou essa puxada de rede. A renda da venda do peixe foi revertida para a ABI. É um fato curioso porque a maioria dava outros tipos de contribuição: dinheiro, dava tijolos para a construção, caminhões para carregar areia, eram várias as formas de contribuir”, comenta Cadena. No livro, ele também escreve que a contribuição da venda do xaréu, o  pescado, foi simbólica se comparada a tantas outras. Mas é um ato significativo da mobilização e do esforço empreendido pela sociedade na construção da Casa. 

Entre os maiores doadores, há alguns nomes que são velhos conhecidos: Norberto Odebrecht, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, a Universidade Federal da Bahia, a Petrobras. Doadores particulares também figuraram, como Agenor Pitta Lima, Bernardo Martins Catharino, Carlos Costa Pinto, Ernesto Simões Filho, Misael Berbert Tavares e Regina Simões de Mello Leitão. 

Ernesto Simões Filho também esteve envolvido na construção do que é hoje o Museu Casa de Ruy Barbosa: foi o responsável pela arrecadação que possibilitou a compra do imóvel. 

25 anos depois

A campanha para erguer a sede iniciou em abril de 1936. Ou seja, até a puxada de rede de xaréus se passaram 17 anos de mobilização pela Casa do Jornalista. E ainda estava longe de acabar. Na verdade, a sede levou 25 anos para ser construída. “Era muito caro para construir. Queriam fazer com os melhores materiais, e nunca havia recursos para terminar a obra. E também porque muitas das ‘doações’ não ocorreram de verdade. A situação financeira foi um grande complicador”, explica Cadena. Algumas das listas de adesão enviadas voltavam em branco. 

Outros percalços apareceram na história da sede, como a indecisão sobre a sua localidade. Em 1935, quando a ABI recebe a cessão do terreno onde hoje fica o Museu Casa de Ruy Barbosa, se pensou que a sede deveria ser construída naquele local. Depois, se pensou em fixar a sede na Ladeira da Praça e apenas depois dessa mudança que se considerou o ponto próximo à Praça da Sé, onde a ABI permanece até hoje. Esse terreno ainda teve de ser comprado aos poucos, o que tornou a construção do edifício mais demorada. 

Algumas ideias ficaram pelo caminho. O próprio nome “Casa do Jornalista” deixou  de ser utilizado – apesar de que a entidade é, até hoje, um lar para os profissionais da imprensa. O edifício acabou por ser batizado em homenagem ao jornalista Ranulpho Oliveira, que presidiu a ABI durante 39 anos. Seguindo a nomeação do local, o “ph” do nome do antigo presidente também foi abandonado. 

A inauguração, de fato, ocorreu no dia 2 de fevereiro de 1960. O projeto desenhado por Hélio Duarte e pelo engenheiro civil Ernesto de Carvalho Mange foi escolhido por meio de um concurso público. A obra final se destaca na paisagem pelo acabamento moderno, mas é também um pedaço da história da Bahia. 

*Com edição de Joseanne Guedes.

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