Em uma decisão histórica que deve provocar impactos imediatos no funcionamento das plataformas digitais no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quinta-feira (26), para responsabilizar civilmente as redes sociais por conteúdos ilegais publicados por seus usuários. A Corte entendeu que as big techs podem ser acionadas judicialmente mesmo sem ordem da Justiça, bastando uma notificação extrajudicial para que tomem providências contra postagens ilícitas.
O julgamento, concluído por 8 votos a 3, revisita os limites da responsabilidade das plataformas definidos no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), em vigor há mais de uma década. Pela nova interpretação, o Artigo 19 da norma é considerado apenas parcialmente constitucional. Até então, a legislação previa que empresas como Google, Meta e TikTok só poderiam ser responsabilizadas caso, após decisão judicial específica, não removessem conteúdos denunciados como ilegais.
Agora, o entendimento do Supremo é que essa regra se mostra insuficiente frente ao volume e à gravidade das publicações com desinformação, discurso de ódio e ataques à ordem democrática que circulam nas redes. Para os ministros que votaram a favor da mudança, é dever das plataformas agir de forma célere sempre que forem notificadas, ainda que extrajudicialmente, a respeito de conteúdos ilícitos.
Na prática, a decisão impõe uma nova lógica de atuação para empresas que operam no ecossistema digital brasileiro, considerado um dos maiores e mais relevantes mercados globais. A partir de agora, o não atendimento a notificações pode acarretar a responsabilização direta das plataformas por danos morais e materiais causados a terceiros.
Um dos pontos centrais da decisão trata da retirada imediata de postagens que configurem crimes graves. O descumprimento poderá gerar sanções judiciais e abrir caminho para pedidos de indenização.
A nova interpretação do STF sobre o Marco Civil da Internet reflete uma inflexão no entendimento do Judiciário sobre os limites da liberdade de expressão e o papel das plataformas na garantia dos direitos fundamentais. Para a maioria da Corte, diante do atual cenário de proliferação de discursos antidemocráticos, a autorregulação das empresas não tem sido suficiente para proteger a integridade da esfera pública. A decisão da Corte deverá cumprida pelas plataformas a partir de agora e não será aplicada em casos retroativos.
Ministros definiram um rol de postagens irregulares, que também poderão ser enquadradas no Código Penal:
- Atos antidemocráticos;
- Crimes de terrorismo;
- Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação;
- Incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas);
- Crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres;
- Crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes
Replicações – O STF também definiu que as replicações de postagens que foram declaradas ilegais pela Justiça devem ser retiradas por todos os provedores, independentemente de novas decisões.
Impulsionamento – O Supremo definiu os casos em que as redes deverão responder na Justiça independentemente de notificação. A situação vale para anúncios e impulsionamentos pagos e uso de rede artificial de distribuição (chatbot ou robôs) para a propagação das ilegalidades.
Crimes contra a honra – Nos casos envolvendo crimes de calúnia, difamação e injúria cometidos por uma pessoa contra a outra, continua valendo a necessidade de decisão judicial para retirada da postagens.
E-mail e WhatsApp – Por se tratar de mensagens privadas e do direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações, a maioria dos ministros decidiu que os provedores de serviços de e-mail e de mensageria instantânea (WhatsApp e Telegram) não respondem diretamente por conteúdos ilegais. Nesse caso, continua valendo o Artigo 19.
Autorregulação – A decisão do STF também determina que as plataformas deverão editar regras de autorregulação para dar transparência ao processo de recebimento de notificações extrajudiciais, além de apresentarem relatórios anuais sobre o tema.
Representante no Brasil – Embora a maioria das plataformas já tenha representantes no Brasil, o STF também confirma que as plataformas devem constituir pessoa jurídica no país e atender às determinações da Justiça, fornecer informações sobre moderação de conteúdo e outras determinadas pela Justiça.
Validade – A decisão da Corte vai valer até que o Congresso elabore uma lei para tratar da responsabilização. “Enquanto não sobrevier nova legislação, o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE”, definiu o STF. (Com informações de André Richter para a Agência Brasil)