Pensando a imprensa

O texto jornalístico chegou à versão 3.0?

Tópicos, destaques, emojis e axiomas: as matérias para leitores que têm pressa ou que vivem na velocidade das redes

Tempo de leitura: 18 min.

Resumo

  1. Com público gastando menos de 30 segundos em uma notícia, jornalistas estão precisando se adaptar.
  2. O principal conceito usado é o de Brevidade Inteligente, com adaptações e influência em veículos brasileiros.
  3. Especialista sugere que formato é positivo para formar novos públicos e que vai conviver com antigas formas de escrever.
  4. Jornalista tem dificuldade de se adaptar com a escrita sintética.

____

26 segundos. Esse é o tempo médio que uma pessoa passa lendo uma notícia, de acordo com Ronald Yaros, professor da Universidade de Maryland (EUA). Isso quer dizer que eu preciso apelar ou vou perder sua atenção. Então, siga lendo:

  • Se você é jornalista, atenção: o modo como você aprendeu a escrever pode estar em xeque por conta da aceleração das redes e há tendências de escrita longe da pirâmide invertida. 
  • Se você é leitor de notícias, talvez eu consiga lhe ajudar a entender porque tem visto cada vez mais tópicos, negritos, emojis e textos mais curtos nos sites jornalísticos. 

Por que isso importa
O consumo de notícias sofreu mudanças bruscas. O texto jornalístico na internet – primeiro transposto na íntegra dos impressos e depois marcado por muitas rolagens de tela e hiperlinks – está precisando ser mais atraente, não mais no estilo (como o literário), mas no visual: precisa ser organizado para uma leitura rápida.

Contexto
Os 26 segundos estimados por Yaros são baseados em pesquisas de rastreamento ocular para registrar o que de fato lemos em matérias e informes. Já a Chartbeat, empresa/plataforma que fornece dados e análises para jornais de todo o mundo, considerada o “Google Analytics das notícias”, estimou, em seus boletins trimestrais, que o tempo médio de leitura na América Latina em 2023 foi de 30 segundos

OUTRAS FORMAS DE ENTENDER O TEMPO DE TELA
♾️ atenção parcial contínua
📰 “leitores de título”
↘️ Leitura em diagonal

Esses dados são pratos cheios para o conceito Smart Brevity (Brevidade Inteligente), uma metodologia e uma série de ferramenta do jornalístico Axios que tem como princípios:

  1. Comece aceitando que a maioria das pessoas vai só passar os olhos ou pular a maior parte do que você escreve.
  2. As pessoas estão sobrecarregadas e têm expectativas em relação ao precioso tempo que dedicam ao seu texto.
  3. Tudo o que querem saber é quais são as novidades e “por que isso é importante”.

📘 As sentenças são de Brevidade Inteligente (Sextante), lançado em Português em junho de 2023

Como fazer
Para conseguir ser breve e inteligente, a dica dos autores incluem selecionar “palavras fortes”, reduzir adjetivos, usar emojis com moderação, manter o texto na voz ativa, evitar palavras que geram dúvidas, conseguir parágrafos curtos que caibam na tela do celular e guiar o texto com axiomas – que é a função do “como fazer” aí em cima (“axiomas são como placas de trânsito: dizem onde você está e para onde está indo”, escreve).

“Concisão é confiança. Extensão é medo.”

‘Dê sua ideia’ ou smart brevity à baiana
O Núcleo Jornalismo é um veículo brasileiro que declaradamente diz usar o método de escrita da Axios. O g1, nacionalmente, é um dos veículos que tem experimentado novos formatos de texto, mesmo mantendo textos “clássicos”. Dá para sentir as mudanças também em sua edição baiana. 

Um resumo do que tem sido o foco de Eder Luis Santana, 41, editor-chefe do g1 Bahia, é: otimizar o trabalho. Sua equipe tem 11 jornalistas (cinco repórteres, duas editoras e quatro estagiários). 

“No âmbito do texto, o que é que influencia nisso [otimização]? O que eu chamo de experiência do usuário, é você produzir um conteúdo que o usuário entre na sua página e que ele permaneça”.

Eder Luis Santana, g1
Eder na redação do g1 Bahia. Foto: Romilson Santos

Pouco texto, mas com retenção
“A gente tem esse desafio de tentar segurar o leitor um pouquinho mais na página e isso passa pelo texto”, revela Eder. Parece contraditório: escreva menos, mas mantenha o leitor o máximo de tempo na página. Mas não é. 

A ideia por trás do conceito Brevidade Inteligente é que os leitores fogem de blocos enormes de texto, mas podem permanecer mais se a navegação for amigável e se o conteúdo, mesmo longo, for organizado de modo que pareça ser de leitura rápida ou permita uma fácil rastreabilidade.

Quer um exemplo? É como aquele “‘deslizar” até o final de um texto sobre um show que tem lá um serviço com o valor do ingresso: você consegue achar o que procura ou o que importa. 

Na experiência do g1 Bahia, de acordo com Eder, encontramos:

  1. textos exclusivamente em tópicos.
  2. emojis (quando o conteúdo tem “abertura” ou “tom um pouco mais descontraído”).
  3. Trechos em negrito e sublinhados.
  4. Matérias com muitos links.
  5. Quiz, tanto como conteúdo único como parte das matérias. 


“É cada vez mais produzir conteúdos curtos, contextos em tópicos, um resuminho em cima [do texto principal]. Então, você tem a notícia em cima da notícia. Um resumo em tópicos do que é aquela notícia, quando é um caso grande”, detalha Eder.

SE O JORNALISTA NÃO FAZ… 

Baseada em IA generativa, o aplicativo Artifact é capaz de gerar resumo em tópicos de notícias. Ele foi lançado em 2023 por Kevin Systrom e Mike Krieger (vejam: eles foram cofundadores do Instagram). Disponível em inglês apenas. No site, um comunicado diz que a operação deve se encerrar em fevereiro.

Texto enxuto é questão de sobrevivência
A jornalista baiana Luísa Carvalho, 24, atualmente é redatora no Poder360, especializado em política, com sede em Brasília. Luisa acredita que, antes do trabalho atual, ter escrito para rádio (trabalhou na Metrópole, em Salvador) e as aulas de texto do curso Estadão de Jornalismo começaram a lhe exigir mais concisão. 

Luísa defende que um texto objetivo não necessariamente é curto. Desde que mergulhou no manual do Poder360 e ganhou um calendário da empresa com os dizeres “síntese inteligente, sem abreviação”, não para de pensar na frase para guiar sua rotina. 

Campanha do Poder360 parece responder ao Brevidade Inteligente

Consumidora também de notícias rápidas, Luísa lembra de um passado em que não poupava caracteres. “É muito mais fácil fazer ‘textão’ nas oficinas na faculdade”. 

Luisa. Foto: Acervo Pessoal

“Quando você começa a trabalhar com hard news, começa a precisar escrever mais rápido, em cobertura que as coisas estão acontecendo muito rápido, não tem como você fazer ‘textão’. O texto enxuto acaba sendo uma necessidade de sobrevivência.”

Luísa Carvalho, Poder360
TRÊS DICAS DE LUÍSA
1️⃣ EVITE GORDURA
“Conjunção, advérbio, partículas que unem na Língua Portuguesa. Às vezes você não precisa delas para o texto fazer sentido”, diz. Evite palavras vazias. O sujeito oculto existe para ser usado. 
2️⃣ PRIORIZE FRASES CURTAS
Isso, inclusive, vai lhe exigir menos conectivos. 
3️⃣ NÃO SUBESTIME QUEM ESTÁ LENDO
Nem sempre você precisa ser tão didático a ponto de ser repetitivo. 

A VOZ DA ESPECIALISTA
Não há motivos para desespero. O jornalismo não vai morrer, pelo menos não por insuficiência de caracteres. A pesquisadora de jornalismo digital Suzana Barbosa, doutora em Comunicação e Cultura pela UFBA, tranquiliza que novos formatos têm sempre convivido com formatos antigos e que estratégias como a de experimentações no texto são importantes para alcançar novos públicos. 

Suzana. Foto: Acervo Pessoal

“Um microformato, se ele é bem feito, eu não sei se ele é problemático efetivamente para o jornalismo. Ele oferece uma outra via de entrada para o consumo de conteúdo jornalístico. É muito mais do que você chegar e dar um parágrafo às vezes com informações que não trazem exatamente o entendimento do que é aquilo que está ocorrendo. Esse formato não vai impedir que se tenha reportagens investigativas”

Suzana Barbosa, Ufba

Suzana traz novos contextos das pesquisas em jornalismo que ajudam no argumento:

  • As pessoas seguem evitando as notícias (avoid news)
  • Chama-se consumo incidental quando as pessoas acessam notícias sem necessariamente ser a intenção, como nas redes. O que tem diminuído.

Dica de ferramenta: peça para o ChatGPT/Bard deixar o seu texto, por exemplo, 20% mais conciso. Ele tira justamente algumas dessas gorduras ou troca palavras. O texto ainda é seu, apenas passou por um editor não-humano. A ferramenta da Axios em inglês também faz isso. 

Realidade: jornalistas têm dificuldade em cortar
Na redação do jornal Correio*, a jornalista Thais Borges, 30, é conhecida por sua digitação rápida. E como ela digita…



É a média dos textos de Thais

É o tempo médio de leitura dos textos de Thais com base na calculadora Text Convert


📊 Os dados se baseiam em uma amostra aleatória dos textos da jornalista baiana do último ano, extraídos com base em uma pesquisa no Google.

Thais. Foto: Acervo Pessoal

“Eu sempre lidei com bastante dificuldade com essa questão de síntese”.

Thais Borges, Correio*
Eu também, Thais
Nota do jornalista depois de ter perdido a quantidade de vezes que editou seu texto: é muito mais fácil escrever mais, do que conseguir comunicar bem com menos. 

Ainda haverá textos para saborear
Thais reconhece que sente uma expectativa indireta e às vezes até direta para que ela reduza o número de toques. “Mas eu nunca fui proibida de escrever um texto grande, eu só sei que vou ter que escrever duas edições, uma para o impresso e outra para o site, onde, geralmente, eu coloco o texto na íntegra”, diz. 

Em sua defesa, ela acompanha os dados de audiência do site e sabe que entrega um bom tempo de leitura. “O veículo onde eu trabalho valoriza o tempo que a pessoa fica na matéria”. Eder, do g1, também entende essa métrica como algo importante para falar de qualidade no jornalismo “Na nossa matéria de maior audiência do ano o tempo médio chegou a 5 minutos e 24 segundos”, orgulha-se, reconhecendo que os dados de notícias ordinárias são bem menores. 

Thais acredita que o texto longo, que ela chama de ”texto para saborear”, e apurações de fôlego vão seguir a tendência de serem produtos segmentados, para nichos específicos – sempre teremos pelo menos um jornalista para ler os textos dos demais jornalistas (espera-se). Obrigado se você é jornalista ou não e chegou até aqui.

___

Para se aprofundar

  • O site do Chartbeat tem muitos dados de consumo de jornalismo.
  • Leia Brevidade inteligente: O poder de dizer muito com poucas palavras de Jim VandeHei, Mike Allen e Roy Schwartz, com tradução de Bruno Fiuza.
  • Contexto e síntese em oito segundos: a receita do Axios (reportagem da Piauí)
  • A sabedoria duvidosa da “brevidade inteligente”: O novo livro dos fundadores da Axios defende a comunicação condensada – num mundo cada vez mais complexo (Critica da New Yorker, em Inglês)
  • A ideia de Brevidade Inteligente pode se aplicar não só ao jornalismo, mas a e-mail corporativos, reuniões e até trabalhos acadêmicos: discuto isso aqui.

publicidade
publicidade