ABI BAHIANA

Oficina na ABI ensina como abordar a pessoa com deficiência na pauta jornalística

Depois de duas Grandes Guerras, o mundo parecia ter se acostumado com a expressão “incapacitados” como sinônimo de “indivíduos sem capacidade”, para se referir a veteranos. Há pouco tempo, pessoas com deficiência (PCD) ainda eram chamadas de “inválidas” e “portadoras de deficiência”. A evolução dos termos e da linguagem para esse público integrou a “Oficina Pauta Eficiente: como abordar a deficiência na imprensa”, realizada no último sábado (8,) na sede da  Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

A atividade inédita na capital baiana foi conduzida pelo jornalista e historiador Ednilson Sacramento (57) e buscou capacitar comunicadores para a cobertura relativa à acessibilidade, através de recomendações e dicas sobre a representação de PCDs em reportagens, programas de rádio, TV e publicações na internet. Sacramento também apresentou recursos e equipamentos tecnológicos que ajudam na autonomia de uma PCD, como a audiodescrição, legendas, sistema Braille e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

Segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde, em 2011, já havia um bilhão de pessoas vivendo com alguma deficiência – uma em cada sete pessoas no mundo. “Deficiência não significa ineficiência”, observa o jornalista, que perdeu a visão de forma gradual, em decorrência de uma retinose pigmentar. Por volta dos 35 anos, deixou de enxergar.

Durante a oficina, ele criticou as coberturas jornalísticas com uma abordagem biomédica, na qual o destaque é dado para a característica particular, ao invés da abordagem social, centrada na pessoa. Um exemplo disso, de acordo com ele, pode ser encontrado nas expressões usadas. “Deficiente, diferente, especial, aleijado, vítima, retardado, excepcional e a portador de necessidades especiais, são formas inadequadas. É a pessoa que precisa ser valorizada, colocada em evidência, não a deficiência”, cravou. Ednilson também repudiou o sensacionalismo feito para alavancar a audiência de programas na TV e no rádio. “Na dúvida, pergunte como a pessoa gostaria de ser tratada, se ela precisa de ajuda”, indicou.

Ednilson é o primeiro cego formado pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente cursa Produção Cultural na mesma instituição. Segundo ele, a proposta da oficina é conduzir profissionais da imprensa a um aprendizado que, muitas vezes, não é oferecido durante a formação acadêmica. Foi justamente essa carência que motivou a inscrição de Juliana Marinho, estudante de jornalismo da FACOM. “Na Oficina de Jornalismo Digital, uma das disciplinas obrigatórias da graduação, encontramos dificuldades para escrever sobre a deficiência e como tornar as pautas mais inclusivas, principalmente no ambiente digital”, relatou.

O que muitos estudantes não sabem é que, na UFBA, “é possível solicitar junto aos colegiados a matrícula em componentes curriculares voltados para a temática”, avisa a professora Alessandra Barros, da Faculdade de Educação da UFBA (FACED). Barros leciona “Introdução à Educação Especial”, é vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e desenvolve investigações nos campos da Antropologia da Saúde, Educação Especial e áreas interdisciplinares. “Existem, ainda, outros institutos que abordam o tema, como o Instituto de Letras, que oferece a disciplina de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), tanto para alunos do curso, como para estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares e de Comunicação”, disse.

Inclusão e diversidade

Para Raulino Júnior, jornalista, produtor cultural e professor de Língua Portuguesa, o projeto é de “extrema relevância” para a imprensa baiana. “Acho importante o jornalista ter a sensibilidade de garantir essa acessibilidade e respeito às pessoas nas pautas. A ABI está tendo uma iniciativa revolucionária, porque não vi nada igual na nossa imprensa. Olhamos o mundo de acordo com a nossa visão. Quando a gente amplia, percebe que tem muito mais gente que precisa ser informado. Essas pautas serão sempre um ganho para a sociedade”, afirmou.

O jornalista Ernesto Marques, vice-presidente da ABI, afirmou que a sensibilização é uma peça-chave para a população e a imprensa poderem avançar nessas questões sociais. Segundo ele, a oficina traz luz para que o jornalismo seja um elemento facilitador e a sociedade possa se enxergar e se perceber melhor no espaço. “É difícil para um não negro compreender o que é que o racismo. É difícil para um homem compreender o que há de mais violento no machismo e é difícil também para uma pessoa que não tem nenhum tipo de deficiência compreender as dificuldades que um cego tem, que uma pessoa que é cadeirante tem”, avalia. “O curso é importante para sensibilizar e qualificar os profissionais, porque isso tem que estar nos textos e nos nossos olhares na hora de pensar em uma pauta”, pontuou o dirigente.

“Tivemos um público qualificado, formado por jornalistas, estudantes e profissionais da educação, e isso para mim é muito significativo, pois amplifica a nossa discussão. A ABI se manifestou como uma grande alavanca para esse propósito”, comemorou Ednilson Sacramento. A oficina do maragogipense já percorreu algumas cidades, como Recife-PE e Santo Antônio de Jesus-BA.

“Fiquei muito feliz por ter dado as mãos à ABI e ter recebido o abraço da instituição nesse projeto inédito em Salvador. Estrear na ‘Casa do Jornalista’ é um momento-chave. Eu espero que essa inciativa crie nos veículos e demais órgãos de imprensa o interesse pela formação”, concluiu. Planejando expandir o seu projeto, Ednilson vai lançar um guia sobre a temática para jornalistas. Enquanto espera parcerias, ele seguirá levando seus conhecimentos através da oficina. No próximo mês, Ednilson pretende começar o projeto “Retina Bahia”, que será voltado a pessoas com deficiência visual.

*Colaboraram Gabriel Conceição e I’sis Almeida.

_______________

Relacionadas:

publicidade
publicidade