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Ruy Barbosa, 175 anos: A extraordinária restauração de sua casa natal

…ou ali cabe mais um, quiçá, o vizinho Luiz Tarquínio

Luis Guilherme Pontes Tavares*

O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) poderia atestar e enaltecer o pioneirismo da restauração da casa natal do jornalista, político e jurista baiano Ruy Barbosa (1849-1923) como resultado, na segunda metade da década de 1930, de levantamento iconográfico do imóvel. A gravura (abaixo) que o Jornal de Notícias, de  28 de novembro de 1903, publicou na 1ª página, talvez seja o mais remoto registro impresso do que foi o sobrado que ora ostenta o número 12 da Rua Ruy Barbosa (assim denominada nesse ano), no Centro Antigo da Cidade do Salvador.

Clichê da gravura da casa natal de Ruy, na 1ª página do Jornal de Notícias, edição de 28 nov 1903

O imóvel restaurado pertence à Associação Bahiana de Imprensa (ABI), que, no centenário de nascimento de Ruy Barbosa, em 1949, portanto há 75 anos, abriu as portas dele como museu. Assim funcionou até a década de 2010, submetido, todavia, nas últimas décadas, ao descuido e  a roubos. No final de 2022, a ABI aprovou o projeto encomendado ao designer gaúcho Gringo Cardia, que propôs a transformação do imóvel em Casa da Palavra Ruy Barbosa, com a adoção de novas tecnologias a fim de atrair, sobretudo, o público mais jovem.

Ouso sugerir que a ABI ajuste o projeto de modo a aceitar que a Casa da Palavra abrigue também o acervo do jornalista e empresário Luiz Tarquinio (1844-1903), contemporâneo de Ruy e seu vizinho na então Rua dos Capitães. A diferença de idade, em favor de Tarquinio, é de cinco anos. Os dois, na fase adulta, tiveram convívio, duelando, para alcançar melhorias para o Brasil, em páginas de jornais da Bahia e do Rio de Janeiro. O ingresso possível de Tarquinio na Casa da Palavra poderia obter o apoio da FIEB, via SENAI-CIMATEC, da Santa Casa de Misericórdia e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

SOBRADO DO SÉCULO XVIII

O imóvel onde nasceu Ruy Barbosa é do século XVIII, conforme a opinião do arquiteto Renato Leal, cujo escritório procedeu as medições e elaborou as plantas baixas que foram encaminhas ao designer Cardia. Em 1849, é o que informa a literatura a respeito, a Rua dos Capitães experimentava a decadência que moveu os afortunados do Centro Antigo da Cidade do Salvador para a Vitória e, depois, para a Graça. Registre-se que os primos Maria Adélia e João José Barbosa, pais de Ruy, viveram de modo modesto. Ela mantinha no piso térreo unidade de produção artesanal de bolos para auxiliar na renda da família.

Seu vizinho Luiz Tarquinio residia com a mãe, dona Maria Luiza Santos, na mesma Rua dos Capitães ou rua numa viela perpendicular e enladeirada. A pesquisa – tema que sugiro a qualificados estudantes de História, Economia e Comunicação – sobre a relação das famílias Santos e Barbosa poderia revelar alguma aproximação entre elas. Dona Maria Luiza era lavadeira e bonequeira e, mãe amorosa, pode ter sido cliente de dona Maria Adélia, assim como essa pode ter utilizado os serviços da vizinha e, talvez, adquirido boneca de pano para Brites, sua filha. A propósito, Tarquinio ajudava à mãe na venda desse artesanato.

Ruy viveu na casa da Rua dos Capitães até o meado da década de 1860, quando seguiu para Recife e, depois, para São Paulo para cursar Direito. Quando retornou, na primeira metade da década de 1870. Sua mãe falecera na década anterior e o pai mudara para a casa que construíra em Plataforma, vizinha à olaria que edificara e mantinha em terreno alugado. Portanto, Ruy se distanciara do imóvel da Rua dos Capitães desde, mais ou menos, os 25 anos. Ainda assim, em 1903, os servidores da Fazenda, onde ele fora Ministro no início da República, o homenagearam ao obter a mudança do nome da rua; deixara de ser dos Capitães e tornara-se Rua Ruy Barbosa.

É necessário estudo mais apurado da cronologia do imóvel. Fato é que, em 1917, a casa natal de Ruy foi a leilão e, com auxílio de terceiros, o jornalista Ernesto Simões da Silva Freitas Filho (1886-1957), que criara o jornal A Tarde cinco anos antes, deu o melhor lance e, pouco depois, doou o imóvel à Prefeitura Municipal de Salvador para que ali instalasse uma escola. O imóvel estava semiabandonado e nele funcionava uma carpintaria. Não nos consta que o Município deu o destino combinado.

O SEMIABANDONADO RUIU

Foto de 1929 ofertada, em 1941, à ABI durante a reforma da casa de Ruy

Há registro (foto ao lado) do imóvel em 1929, feita por um dos estudantes do Sul do país que visitara a capital baiana como integrante de “embaixada”. A foto foi doada pelo engenheiro Rubem Pires Ferreira à ABI em 06 de  dezembro de 1941. Localizei a cópia no Arquivo Histórico Municipal de Salvador. Em 1831, dois anos depois, o imóvel foi visitado, num gesto de gratidão ao Águia de Haia, pelo representante as Polônia, Tadeusz Stanislaw Grabowski (1881-1975), que, encontrando apenas o terreno baldio cercado, colocou a coroa de flores num prédio vizinho (foto abaixo, publicada na revista gaúcha Polonicus, na edição de 2013).

Recorte da página 48 da revista Polonicus, 2013
Rascunho de Presciliano Silva na década de 1930, recebido em 05 jan 2023

No meado da década de 1930, o então presidente da ABI, jornalista Ranulpho Oliveira (1897-1989), diretor de A Tarde e presidente da ABI, recebe o terreno como doação da Prefeitura Municipal de Salvador. E, logo, se movimenta para reconstruir a casa natal do ilustre baiano Ruy Barbosa, no que obteve ajuda e atenção de políticos, intelectuais, engenheiros e artistas plástico, como o baiano Presciliano Silva (1883-1965), a quem coube sintetizar num esboço a lápis (foto ao lado) o que viria a ser construído. É possível que os quadros (fotos abaixo) que pertenceram à família e que estão na Fundação Casa de Ruy Barbosa (FCRB), no Rio de Janeiro, tenham baseado o trabalho.

Registre-se que o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 1937, esteve próximo das providências que, sob a liderança do então presidente da ABI, foram tomadas para a reconstrução da casa natal de Ruy Barbosa. Lamento que ainda não tenhamos recuperado os documentos de então nos arquivos do atual IPHAN. Sequer estes documentos fotográficos (fotos abaixo), de 1945, guardados e identificados na ABI como do SPHAN, estão disponíveis na superintendência desse órgão federal na Bahia.

NOVAS CIRCUNSTÂNCIAS

O Museu Casa de Ruy Barbosa foi inaugurado em 05 de novembro de 1949 e a casa natal do ilustre baiano fora reconstruída com esmero. Há placas na entrada do imóvel que registram que houve obras relevantes de conservação nas décadas de 1980 e 1990, nas quais o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPAC), órgão da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, atuou. Todavia, consultada, a repartição ainda não localizou a documentação a respeito.

O Museu, que, outrora, manteve convênio de cooperação com a Fundação Casa de Rui Barbosa, com sede no Rio de Janeiro, recebeu dessa instituição o mobiliário de sala de refeições da casa de veraneio que o jornalista e jurista baiano possuiu em Petrópolis. É acervo precioso, como todo o restante, que inclui centenas de documentos e mais de 700 publicações, muitas das quais doadas pelo professor e jurista Rubem Nogueira (1913-2010). O mobiliário permanece na casa e a biblioteca foi transferida para o prédio da ABI, na Guedes de Brito, esquina com a Praça da Sé.

De 1949 até a década de 1990, o Museu Casa de Ruy Barbosa foi dirigido por jornalistas como Áureo Contreiras, Junot da Silveira, José Curvelo, Afonso Maciel (que ocuparia a presidência da ABI por 14 anos), Consuelo Pondé de Sena e Antonio de Pádua Carneiro, que capitaneou a criação da Faculdade Ruy Barbosa. Foi ele, numa manifesta solidariedade com a ABI, que tivera o seu museu assaltado, quem propôs convênio entre as duas instituições. Poucos anos depois, ele passou adiante a unidade de educação superior e muitos episódios inaceitáveis aconteceram depois.

A ABI retomou, nesta década de 2020, o controle sobre a Casa e iniciou a luta pela nova restauração do imóvel, ora ameaçado de ruir e soterrar o mobiliário que ali permanece e, por entender que isto é inadiável, passou a lutar também em favor da requalificação da Rua Ruy Barbosa. Todavia nada mudou. Sequer foram inventariadas as casas de comércio da via, onde predominam antiquários e sebos (alfarrábios). Quiçá a valorização da Rua do Tira Chapéu, que abriga o palacete de igual nome e que cruza a Ruy Barbosa, possa provocar ações solidárias para o restauro e reabertura do museu criado há 75 anos.

Vamos para adiante!

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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