Jaciara Santos*
O sol ainda não nasceu. O galo canta, anunciando: hora de pular da cama, Zefinha. O corpo pede mais um tantinho de descanso, mas a vida não espera. Sentada na cama, ela faz suas orações. Pede ao anjo da guarda e à Nossa Senhora da Conceição proteção para a família e dias melhores para os filhos. Começa a correria. Água no fogão de lenha para fazer café, mexer a massa do cuscuz, dar comida aos animais, molhar as plantas, acordar “os meninos”, prepará-los para a escola – o ônibus do governo passa às 6h45, não pode perder o horário. Por não ter estudo, ela aposta na educação como caminho para a independência feminina. “Deus me livre de Janúzia precisar de homem pra sustentar ela”, costuma dizer. “Minha filha vai ser doutora”. E é essa esperança que lhe faz desdobrar-se como provedora principal da casa. O marido deixou a família quando ela engravidou pela segunda vez. As crianças saem e Josefa continua a labuta: fazer almoço, lavar roupa e arrumar a casa. Depois, segue para a roça, onde passará as próximas 10 horas sob sol ou chuva. Ao entardecer, volta para casa, dobra a roupa que ficou no varal, janta com os filhos, lava os pratos, deita no sofazinho da sala pra descansar as pernas. Adormece ali mesmo.
O dia acaba de nascer. Na cabeceira da cama, o relógio berra: hora de acordar, Joana. A vontade é ficar mais um pouquinho, mas ela sabe que não pode. Assim, pula da cama rapidamente, faz cócegas na filha de cinco anos e cheira o cangote do filho de sete para que despertem. “Bora, tá na hora”. Prepara Nescau e pão com margarina para o desjejum das crianças, faz o asseio e veste a farda na menina, orienta o menino a se vestir – ele sempre põe a camisa com a frente para as costas – arruma as lancheiras com as merendas. Olha para o relógio, o tempo voa. Tem que correr pra não perder a van que lhe deixa na estação do metrô. Avisa a vizinha: “Rosa, Jefferson e Cathiane já estão prontos”. Ao longo do dia, a amiga cuida dos meninos, ganha um agrado para isso. Joana beija os filhos e sai. Vai para o outro lado da cidade, onde trabalha como agente de serviços gerais. Ganha uma miséria, mas é melhor do que nada. A pensão alimentícia paga pelo ex-marido é uma piada. Tem que fazer bicos como diarista nos dias de folga. Já é noite fechada, quando volta pra casa. Começa o terceiro turno: almoço e janta para o dia seguinte, lavar roupa, ajeitar a casa. É tarde. Exausta, senta no sofá pra ver televisão e pega no sono.
A claridade do dia se insinua por entre as persianas. O alarme do celular avisa: hora de começar a jornada, Verônica. Bate aquela preguiça… “Um dia, ainda jogo tudo pra cima e vou dormir o quanto quiser”, pensa. Antes de levantar, olha recados no aplicativo de mensagens (WhatsApp), ajusta agenda do dia, revisa texto de matéria com deadline no limite, confirma entrevista para outra reportagem com aquela fonte difícil, fica em dúvida se vai ou não malhar. Pula da cama. Toma os suplementos recomendados pelo nutricionista, vai para a academia. De lá, segue para o trabalho. Pega trânsito pesado, xinga o motorista que lhe dá uma fechada, mete buzina no motociclista que quase lhe arranca o retrovisor do carro, chega atrasada na empresa. Dá graças a Deus por ser solteira e sem filhos. Vê o sufoco diário das colegas para conciliarem profissão e maternidade… O dia passa rapidamente. Matou não-sei-quantos leões mas conseguiu dar conta das demandas. Volta para casa lá pelas 10 da noite. No apartamento silencioso, o gato angorá lhe espera. Manhoso, roça suas pernas. Depois de um banho morno, Verônica se acomoda no sofá para ver o noticiário. Cansada, adormece com a TV ligada e abraçada ao gatinho “Sucesso”.
Josefa (Zefinha), Joana, Verônica. Personagens reais ou fictícios? Você decide. Três histórias que poderiam ser vividas por mim ou por você, mulher trabalhadora. Que neste 8 de março, possamos refletir sobre nossas lutas diárias. Afinal, todos os dias são dia de Zefinha, Joana e Verônica.
__
*Jaciara Santos é jornalista, diretora de Comunicação da ABI e membra da Comissão de Ética do Sinjorba.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)