*Luis Guilherme Pontes Tavares
A sede municipal de Caravelas, no Extremo Sul da Bahia, reviu, em 2023, sua relação com o jornalista, jurista, político e diplomata baiano Ruy Barbosa (1849-1923). Em meados de 2022, o imóvel 98 da Avenida Sete de Setembro sustentava a polêmica sentença – “Aqui nesta casa eu fui gerado” – (foto abaixo), “assinada” por ele, reconhecendo que ali fora concebido. O marco esdrúxulo foi retirado e o antigo sobrado ostenta agora apenas a numeração do domicílio.
A situação reinante até o ano passado e que causava perplexidade na jornalista e professora Rosane Santana, ora no campus da UNEB em Teixeira de Freitas, e no general e escritor José de Almeida Oliveira, 98 anos, cujo último lançamento foi Caravelas, um trajetória histórica da Princesa dos Abrolhos; ambos com residência em Caravelas, foi dirimida. O engano teria sido provocado pela letra do hino do município, criação de Antonio Soares Alcântara (1883-1960), que tem o seguinte teor:
“Num formoso rincão da Bahia / Sob o palio de luz do cruzeiro/ Vive um povo de fibra sadia / Que se orgulha de ser brasileiro // Refrão: /Hei de amar minha terra ditosa / de passagens tão gratas e belas / Geratriz do genial Ruy Barbosa / E notáveis varões /- Caravelas // Junto aos céus de frondosas mangueiras / Ao trinado de seu gaturamo / prazenteira entre as mais prazenteiras / Eis a bela cidade a que eu amo // Após o refrão: / No oceano revolto da vida / vai vencendo temíveis escolhos / Tendo à frente a coroa cingida // De princesa real dos Abrolhos.”
O ESCLARECIMENTO
O esclarecimento foi sustentado pela pesquisa do tradutor e genealogista Fábio M. Said, autor da Coleção Amigos Clã de Alcobaça, cujo volume 2 – O clã Almeida de Caravelas e Alcobaça – esclarece que a mãe de Ruy, dona Maria Adélia Barbosa de Almeida, descendente de família do Extremo Sul baiano, não foi criada em Caravelas. Seu marido e primo-tio, o médico João Barbosa de Oliveira (1818-1874), atuou em Caravelas em 1844, cinco anos antes de, juntos, conceberem Ruy, que nasceria em 05 de novembro de 1849.
Na página 226 do livro do pesquisador Said lê-se o seguinte:
“Através de um documento de 1846 existente no arquivo da família Barbosa de Oliveira, na Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro), fica-se sabendo que o dr. João José clinicou em Caravelas no ano de 1844. Trata-se de um atestado emitido pelo juiz de paz de Caravelas, Hermenegildo Neves de Almeida afirmando que o dr. João José Barbosa de Oliveira tratou e curou um sobrinho seu que estava enfermo. Aparentemente, o dr. João José clinicou apenas momentaneamente em Caravelas, pois no final do mesmo ano ele estava de volta a Salvador e ali fundou uma clínica. Não se sabe se o dr. João José Barbosa de Oliveira retornou a Caravelas.
É bastante provável, porém, que o dr. João José tenha se dirigido a Caravelas no mesmo iate que levou seu primo sobrinho e futuro cunhado, o capitão-de-fragata Hermenegildo Antonio Barbosa de Almeida […]. Há registro de que iate saiu de Salvador em 9 de junho de 1844, avistando o Monte Pascoal no dia 15 de junho. […] A tradição popular em Caravelas e a memória familiar do clă Almeida registram que Ruy Barbosa era intimamente ligado a Caravelas.”
A LÁPIDE E O IRMÃO
O volume 1 (Inventários de D. Maria Adélia Barbosa de Oliveira e seu esposo Dr. João José Barbosa de Oliveira) da série Documentos históricos, inaugurada em 1955 pela Secretaria de Interior e Justiça/ Arquivo Público do Estado da Bahia, consta que Ruy Barbosa patrocinou, em 1891, a transferência, no Cemitério do Campo Santo, em Salvador, dos restos mortais dos pais para o interior da Capela de Nossa Senhora da Piedade. Foram, pois, transferidos da área externa, a céu aberto, para permanecerem sob a proteção de telhado.
Essa operação foi solicitada por Ruy ao amigo e parente Augusto Cezar Vianna (1867-1933), médico que se tornaria diretor da Escola de Medicina em duas ocasiões. Na ocasião, a lápide da cava 60, localizada próxima ao altar, foi assentada com a inscrição errada.
Em 2022, o equívoco foi corrigido com o auxílio de membros da direção da Santa Casa da Misericórdia, sobretudo os conselheiros Roberto de Sá Menezes (ex-provedor) e Walter Pinheiro. O Cemitério do Campo Santo corrigiu a inscrição da lápide.
O equívoco permaneceu de 1891 até 2022, portanto durante 131 anos. Decorreu, por certo, de alguma distração cometida outrora e, se porventura foi constatado antes, não houve quem se dispusesse a corrigir. Fato é que Ruy Barbosa pediu ao parente e amigo que adquirisse o jazigo na Capela e transladasse os restos de seus pais Maria Adélia e João José. O que foi feito! No mesmo jazigo, estão sepultados os restos mortais de Dona Maria Leonor Barbosa de Oliveira, irmã do pai de Ruy, e a neta dela, Amália Barbosa Lopes Pacheco (1878-1952).
Por fim, o irmão de Ruy, o médico, jornalista, poeta, político e abolicionista Clímaco Ananias Barbosa d’Oliveira (1840-1912) de quem se fala pouco, mas de quem se deveria falar muito mais. Ele é fruto da relação do então concluinte do curso de Medicina João José Barbosa de Oliveira (1818-1874) com Águeda Constança da Silva e Amaral, de quem ainda não encontramos informações a respeito.
Quando, na década de 1870, Ruy Barbosa estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, o médico Clímaco estava lá e, suponho, tenha estreitado a relação com o irmão e contribuído para ampliar o seu círculo de relações. Ele era amigo próximo do poeta, jornalista, advogado, educador e abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), tanto que lhe coube pronunciar a oração de despedida ao pé da cova no Cemitério da Consolação.
Há, na Fundação Casa de Ruy Barbosa (FCRB) algumas correspondências trocadas por ele e os filhos dele com Ruy Barbosa, assim como há trabalho acadêmico a respeito do político Clímaco Ananias, sobretudo este que trata do período em que ele viveu no Espírito Santos: “A Impresa política e o Parlamento nas discutas políticas da Província do Espírito Santo, 1860-1880”, da professora Karulliny Silveirol Siqueira, apresentado no Mestrado de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 2011.
Há muito o que pesquisar sobre o irmão de Ruy Barbosa, que viveu em São Paulo, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, onde faleceu em 22 agosto de 1912 e foi sepultado no Cemitério do Caju. Tentei, mas não obtive informações sobre a existência de jazigo perpétuo. Ele teve dois filhos, conforme as informações a seu respeito, mas não investiguei sobre os prováveis sucessores.
Enfim, há que se estudar mais e mais!
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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