Luis Guilherme Pontes Tavares*
Quando o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier escreveu Rui Barbosa e a Construção Institucional da Democracia Brasileira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira e Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999), o Congresso Nacional tinha, em 1994 e 1997, ao aprovar as Emendas Constitucionais 05 e 16, desarmado o projeto de Nação democrática concebido por Ruy Barbosa a partir da primeira constituição republicana, de que foi o principal autor em 1891. O ilustre brasileiro era contrário à reeleição do presidente da República.
O escritor mineiro Bolívar Lamounier, nascido no pequeno município de Dores do Indaiá, não é veemente na crítica ao descaminho. Tamanha audácia não enfeiara as constituições de 1891, 1934, 1988, que vetaram a reeleição, nem as constituições de 1937, 1946 e 1967, que não trataram do assunto. Quem sabe se o autor, numa segunda edição do seu livro de 1999, escreveria novo texto face ao acumulado de episódios que confirmaram que o Brasil tardara a amadurecer o modelo concebido por Ruy Barbosa? Faltou maturidade e paciência ao país.
O professor Bolívar Lamounier, questionado a respeito, respondeu-me, em e-mail de 18fev2022: “Seu texto é muito bom e generoso. Devo-lhe, porém, um esclarecimento: não discuti a reeleição porque concordo inteiramente com Rui Barbosa, parlamentarista convicto, como eu também sou. Mas vou mais longe que ele. Os males do presidencialismo vão muito além da concentração de poder nas mãos de um único homem.”
Ruy, segundo citação destacada por Bolívar Lamounier na página 95 de seu livro, tinha receio diante do poder enfeixado na mão de um único homem cujo mandato pudesse se repetir: “Dos freios e contrapesos, a que o regímen parlamentar submete a coroa dos monarcas, a República exonerou a autoridade do chefe do Poder Executivo, […] [sendo o país, portanto] regido pela discrição de um homem, cuja força igualaria a do tzar, ou a do sultão, se o curto período de seu ascendente o não desarmasse, a descentralização federativa o não circunscrevesse, e o papel extraordinário da justiça federativa lhe não criasse obstáculos à ditadura.”
Bibliografia para encontrar Ruy Barbosa – O livro em foco estampa na capa apenas o título Rui Barbosa; a identidade completa Rui Barbosa e a Construção Institucional da Democracia Brasileira figura apenas na folha de rosto (frontispício). A publicação tem aspecto de livro de arte, até porque o autor divide com o arquiteto e fotógrafo paulista Cristiano Mascaro, 77 anos, autor do ensaio sobre a Casa Rui Barbosa, a assinatura na obra. O prefácio é do advogado e cientista político Mário Brockmann Machado, então presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
O cientista político Bolívar Lamounier caminha para os 79 anos e sua popularidade decorre das análises que faz, a convide de jornais, rádios e televisões, sobre eleições e crises políticas. Ele possui doutorado pela Universidade da Califórnia (campus de Los Angeles) desde a década de 1960; é membro da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Ciências e é autor de cerca de duas dezenas de livros. Seu último título foi de ficção: Antes que me esqueça – crônicas, contos e outros escritos (São Paulo: Desconcertos Editora, 2021).
Eis a bibliografia que o professor Lamounier utilizou para escrever, em 1999, o seu livro sobre Ruy Barbosa:
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________. Escritos e Discursos Seletos. Seleção, organização e notas de Virginia Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Nova Aguilar/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1995.
________. Jornalismo. Diário de Notícias. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997 (Obras Completas de Rui Barbosa, v. 38-39, t. 3-4, 1911-1912).
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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