ABI BAHIANA

Projeto “Memória da Imprensa” retorna como revista

Com novo formato, a iniciativa da ABI pretende abranger ainda mais as facetas do jornalismo

O projeto “Memória da Imprensa – A História do Jornalismo Contada Por Quem Viveu” está com novo formato: o que era filme virou revista. Há 17 anos, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) registra histórias de jornalistas veteranos cujas atuações marcaram a imprensa da Bahia. Antes lançados em videodocumentários, os depoimentos passarão a integrar uma revista, em versões digital e impressa. A publicação é editada pelo jornalista Biaggio Talento, com projeto gráfico do artista visual e cartunista Gentil. A direção é assinada pelos jornalistas Valber Carvalho, Carollini Assis e Kau Rocha.  

O primeiro volume da série “Memória da Imprensa Baiana” foi lançado em 2005, para marcar os 75 anos da entidade. Coube ao documentarista Roberto Gaguinho (1942-2020) a tarefa de dirigir o filme, a convite do jornalista e então diretor da ABI, Agostinho Muniz. A estreia trouxe o depoimento do jornalista Jorge Calmon (1915-2006). No segundo volume, lançado em 2018, foi a vez do escritor e jornalista João Carlos Teixeira Gomes (1936-2020), mais conhecido como Joca (‘O Pena de Aço’), ser retratado por Gaguinho numa obra fílmica de 50 minutos. Em 2020, o “Memória da Imprensa” retornou sob a direção de Valber Carvalho, que se encarregou de expor as facetas do jornalista e poeta modernista Florisvaldo Mattos.  

Agora, o projeto traz os relatos das carreiras de 30 profissionais da comunicação, pautando suas atuações nas mais diversas editorias, desde o jornalismo cultural e esportivo até o jornalismo policial, além do relato sobre o período de censura e repressão vivido na ditadura militar. 

Posteriormente, o material integral das entrevistas, com as transcrições, deve passar a fazer parte do acervo do Museu da Imprensa. O jornalista e radialista Ernesto Marques, presidente da ABI, explica que o fundamental era guardar o testemunho desses profissionais. “Esse é o acervo mais precioso. Para nós, isso é muito mais importante do que termos apenas um documentário de trinta, quarenta minutos sobre um personagem e aproveitar uma parte pequena das entrevistas”, afirma. 

Marques acredita que a revista terá uma boa repercussão. “A expectativa é que as entrevistas produzam bons debates, boas polêmicas, que tragam revelações que com certeza vão surpreender muita gente. E, é claro, são jornalistas depondo. Vai sair muita coisa quente daí. A cada edição, nós devemos fazer um evento de lançamento para apresentar o conteúdo”, completa o dirigente.

“É um material super interessante e importante sobre a história do jornalismo contemporâneo. Principalmente porque eles viveram uma série de transformações do jornalismo na Bahia”, destaca o jornalista Biaggio Talento. Ele declarou também que se surpreendeu com algumas histórias, mesmo de profissionais que já conhecia. “Tem gente que sai de casa aos quatorze anos para vir trabalhar em Salvador e ser locutor esportivo. Algumas histórias eu conhecia, outras eu fiquei até espantado de saber. O meu espírito é de entusiasmo por fazer parte desse projeto que é resgatar e eternizar essas histórias da imprensa baiana através de seus personagens”.

Entrevistas 

A produtora cultural e cineasta Daiane Rosário, CEO da Rosários Produções Artísticas, assina a produção com a assistência da jornalista Polyana Sá. O projeto está em fase de captação das entrevistas guiadas.

Um dos diretores, o jornalista e documentarista Carlos Demócrito Monteiro Rocha, conhecido como Kau Rocha, se encarregou dos depoimentos que narram a atuação da imprensa baiana sob a censura. Kau conta que já entrevistou grandes nomes, como Paolo Marconi, Carlos Navarro, Emiliano José, Levi Vasconcelos e Agostinho Muniz. Incomodado com a quantidade de profissionais homens na lista, já pensa nas convidadas que também devem integrar o projeto, como a jornalista baiana Mariluce Moura, que foi presa e torturada pelos agentes repressores. 

O documentarista não esconde a admiração que sente pelos entrevistados. “Esses caras sabem tudo de jornalismo, de comunicação. Agora estão se adaptando às novas regras, às novas tecnologias e inovações. Mas a essência está lá, do repórter que está buscando e é curioso”, comenta. Para Kau, o projeto conta as histórias de um momento brilhante do jornalismo baiano. “Nessa época, o jornalismo era muito intenso. Muito texto, muita análise, havia muitos jornais. Você tinha sucursais do Sul e Sudeste com dez pessoas trabalhando. Era a importância que o jornalismo impresso possuía”.

Entre as histórias que mais chamaram sua atenção, Kau nos dá o gostinho de algumas: uma descoberta de Paolo Marconi sobre como os jornalistas descobriam as notícias durante a ditadura; Carlos Navarro e a foto que registra o crime do militante político Theodomiro Romeiro dos Santos; e a transformação de Emiliano José em jornalista enquanto esteve preso. Os relatos vão surgindo ao longo do processo. 

Para a diretora e roteirista Carollini Assis, jornalista formada pela UESB, a história que mais surpreendeu foi a de quando o cineasta Pier Paolo Pasolini chamou a polícia para o jornalista Reynivaldo Brito, que cobria sua vinda para Salvador. O fato marcante ocorreu logo na primeira tarde em que Brito trabalhava para o jornal A Tarde. Mesmo com o incômodo de Pasolini, ela destaca: “A matéria foi um sucesso!”. 

Além de Reynivaldo, Carollini já entrevistou o ator e jornalista Gideon Rosa. Nos relatos, a diretora busca entender a atuação de cada um no meio do jornalismo cultural, seja como repórteres ou críticos. Ela conta ainda que essa tem sido uma experiência de reencontro com um jornalismo que não se vê mais nas redações. “A riqueza vocabular desses profissionais, a linguagem rica, a base cultural e política sólida, conversas que são uma verdadeira compreensão histórica do processo de transformação nos meios de comunicação dos últimos 40 a 50 anos”.

Já o jornalista Valber Carvalho, membro do Conselho Consultivo da ABI, entra no projeto depois da experiência igualmente desafiadora de entrevistar Florisvaldo Mattos. Com nomes como o jornalista Moacyr Ribeiro,  que cobria a editoria de polícia; os fotojornalistas Anízio Carvalho e Valter Lessa; os editores e executivos da Tribuna da Bahia Walter Pinheiro e Joaci Goés, entre outros, Carvalho conta que a intenção é trazer um panorama do jornalismo baiano, desde sua atuação nas diferentes editorias até a experiência de gestão de uma empresa. 

“O que me deixa mais feliz de fazer esse projeto é ouvir outro jornalista, que geralmente não tem a possibilidade de falar sobre o que o motivou a fazer determinada ação. É isso que me encanta nesse trabalho. Pessoas cuja função é contar a história dos outros poucas vezes são perguntadas por que fizeram ou contaram aquilo daquela maneira”, comenta o jornalista. “Eu acho que a ABI está fazendo um grande trabalho de resgatar e documentar essas memórias do jornalismo. Eu acredito que por ser fonte primária, o próprio depoente contando o que fez, esse acervo pode se tornar um importante ponto de pesquisa sobre a história da Bahia”, analisa. 

Edição: Simone Ribeiro e Joseanne Guedes

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