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Agressões a profissionais da imprensa reforçam ameaças à democracia no Brasil

A ação violenta contra profissionais da imprensa, na Praça dos Três Poderes, provocou repúdio de diversas instituições. Para pesquisadores e entidades ligadas ao segmento da comunicação, a violência sofrida por repórteres e a crescente agressividade contra comunicadores representam um risco ao regime democrático.

A ação violenta contra profissionais da imprensa durante ato pró-Bolsonaro, em Brasília, provocou repúdio de diversas instituições, que se posicionaram por meio de notas públicas e se preparam para protocolar representação junto ao Ministério Público Federal (MPF), para cobrar medidas efetivas. Para pesquisadores e entidades ligadas ao segmento da comunicação, a violência sofrida por repórteres em pleno Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e a crescente agressividade contra comunicadores representam um risco ao regime democrático. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, trabalhadores de diversos veículos têm sido atacados nas ruas ou tiveram coberturas inviabilizadas por cidadãos que, assim como o presidente, são contrários às medidas de isolamento social.

Na tarde de ontem (4), o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou a apuração das agressões ocorridas na Praça dos Três Poderes, durante a manifestação que pedia, entre outras bandeiras, o fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal), o que é inconstitucional.

Orlando Brito (70), um dos fotojornalistas brasileiros mais conhecidos e premiados no país e no exterior, com 55 anos de atividade profissional, relatou o terror que passou ao lado do colega Dida Sampaio (Estadão), derrubado da rampa do Palácio do Planalto e alvo de socos e chutes. Assim como Orlando, o repórter Fabio Pupo, da Folha de S. Paulo, também foi agredido ao tentar defender Dida. O motorista do Estadão, Marcos Pereira, tomou uma rasteira. A equipe do Estadão e o jornalista Nivaldo Carboni, do site Poder 360, deixaram o local sob a escolta da Polícia Militar.

“Fui socorrer o Dida, que estava numa situação ruim, e naquela confusão um sujeito disse ‘olha, mais um jornalista aqui’. Eu tomei um soco, meus óculos voaram longe, ele pisou nos óculos. Quebraram a câmera e eu sem saber o que fazer. Ele chegou e disse ‘seu lixo’. Pela primeira vez na minha vida alguém me chamou de lixo”, afirmou o fotógrafo cujos principais trabalhos são imagens emblemáticas do regime militar, bastidores do Palácio do Planalto e flagrantes dos presidentes em situações não protocolares. “Eu consegui escapar, foi muito desagradável. Eu não sei onde esse camarada quer levar esse barco. Ele lá de cima, rindo daquelas agressões. Estou aqui, lambendo as minhas feridas”, finaliza Brito. (Confira a cobertura de Orlando Brito, para o site Os Divergentes aqui)

Ministros do Supremo, partidos políticos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e entidades como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Sinjorba (Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia), a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) rechaçaram os ataques. Em nota, a direção do jornal O Estado de S. Paulo disse que “trata-se de uma agressão covarde contra o jornal, a imprensa e a democracia”.

“As agressões aos jornalistas orquestradas pelos seguidores do presidente da República refletem a incapacidade desse segmento político de conviver com a diversidade, a diferença de opinião e a liberdade de imprensa”, constatou Moacy Neves, presidente do Sinjorba. “Ao longo das últimas três décadas o Brasil amadureceu e não aceita mais regimes de exceção. A prova maior disso é que, um dia depois de mais um ataque à democracia, a aprovação do governo despencou para apenas 27%”, disse. O sindicato tem reiterado a importância do trabalho jornalístico, principalmente no contexto da Covid-19, quando os profissionais estão sofrendo ataques nas ruas durante as coberturas. “Enquanto a maioria está em isolamento social, os jornalistas – mesmo em condições precárias de segurança – trabalham para levar informação de qualidade a todos os cidadãos”, destaca.

O presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Walter Pinheiro, repudiou as agressões aos profissionais. “Infelizmente não são as primeiras que acontecem na atual quadra da vida brasileira, deixando todos aqueles que atuam na imprensa temerosos com o futuro da nossa democracia, pelos obstáculos que se põem à prática do jornalismo e, em especial, ao exercício da liberdade de expressão do pensamento. Que as investigações cheguem até os agressores, para que sejam devidamente punidos”, destacou o dirigente ao jornal Tribuna da Bahia. Em nota, a ABI diz que “a recorrência impune de agressões físicas que, em última análise, configura censura sumária com o recurso da violência física, nivela agentes públicos e políticos aos agressores em matéria de covardia e pouco apreço pela democracia”.

INSTITUIÇÕES REPUDIAM

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) divulgaram nota conjunta em que exigem que as forças de segurança impeçam atos de violência contra os profissionais. “Esse tipo de atitude tem um perigoso sentido político, pois ajuda a engrossar o perverso e criminoso coro contra a liberdade de imprensa”, diz o texto.  As entidades também lembraram a ironia das agressões terem ocorrido no dia em que deveria ser celebrada a liberdade de imprensa e apontam a contribuição do presidente para o crescimento do clima hostil contra os profissionais da comunicação. “Reforçamos que toda essa violência é incentivada pelo presidente Jair Bolsonaro, que, segundo levantamento publicado neste domingo pela Fenaj, é o maior violador da liberdade de imprensa, com 179 agressões registradas somente nos quatro primeiros meses de 2020”.

A Associação Brasileira de Imprensa se solidarizou com os trabalhadores agredidos e chamou a atenção da sociedade brasileira para o que chamou de “perigosa escalada de agressividade dos seguidores do presidente” não apenas em relação a profissionais da imprensa como a autoridades e opositores. “Esses atos violentos são mais graves porque não já, de parte do presidente ou de autoridades do governo, qualquer condenação a eles. Pelo contrário, o próprio presidente e seus ministros que incentivam as agressões contra a imprensa e seus profissionais”, afirmou a ABI.

Para a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), “diante do comportamento irresponsável do presidente da república, que dissimula o necessário isolamento das pessoas para conter a propagação do vírus, uma imprensa que mostre a real situação do país é ainda mais necessária”. A Associação refere-se a Jair Bolsonaro como “inimigo da imprensa” e lembra que, segundo levantamento da Fenaj, ele sozinho proferiu 179 ataques aos jornalistas nos quatro primeiros meses deste ano. “A liberdade de imprensa é necessidade vital numa democracia, que só pode existir se houver liberdade de informação e espaço para a difusão das mais variadas opiniões, agradem estas ou não aos governos de plantão”, afirma a nota da entidade em comemoração à data.

“POSSÍVEIS INFILTRADOS”

Contrariando o relato de Orlando Brito, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em uma publicação nas redes sociais nesta segunda-feira (4) não ter visto as agressões aos profissionais da imprensa e atribuiu a autoria a “possíveis infiltrados” na manifestação. Ele disse condenar a violência. “Também condenamos a violência. Contudo, não vi tal ato, pois estava nos limites do Palácio do Planalto e apenas assisti a alegria de um povo que, espontaneamente, defendia um governo eleito, a democracia e a liberdade”, declarou.

Bolsonaro comparou a agressão aos profissionais de imprensa com a situação de pessoas que estão sendo abordadas por forças policiais por descumprirem o distanciamento social. “Até agora não vi, em dias anteriores a TV Globo sair em defesa de uma senhora e filha que foram colocadas à força dentro de um camburão por estarem nadando em Copacabana, outra ser algemada por estar numa praça em Araraquara/SP ou um trabalhador também ser algemado e conduzido brutalmente para uma DP no Piauí”, afirmou.

Durante a manifestação que pedia intervenção militar e atacava o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), o chefe do Executivo disse aos apoiadores que não haverá interferência no governo e afirmou que “a paciência acabou”. Desde que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal (PF), Bolsonaro tem se queixado de supostas interferências.

Para a ministra Cármen Lúcia, “é inaceitável, é inexplicável que, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel da imprensa é que permite a nós sermos livres e que garante a liberdade de expressão, sem a qual não há dignidade”, afirmou, durante evento virtual sobre a liberdade de imprensa, organizado pelo Instituto do Direito Público. O debate homenageou os profissionais agredidos no mesmo dia. “Quem gosta de ditadura gosta de silêncio. A democracia é plural, traz os ruídos que a democracia enseja. O que vemos no Brasil é agressão a jornalistas porque eles oferecem as informações. Não estou falando de nenhuma ideologia. Quando um jornalista é agredido, é a democracia que é agredida”, defendeu Cármen Lúcia.

JORNALISMO É ESSENCIAL

Por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), este ano o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa adotou o tema “Jornalismo sem medo ou pavor”, em uma referência ao papel desempenhado pela imprensa no combate à pandemia da Covid-19. De acordo com reportagem da Agência Brasil, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que o jornalismo é essencial para ajudar a neutralizar os danos causados pelo que classifica como “pandemia da desinformação”. Em um vídeo veiculado no Twitter, por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Guterres defendeu o segmento, destacando-o como crucial para a tomada de “decisões fundamentadas”, no âmbito do combate ao novo coronavírus.

Segundo ele a desinformação generalizada tem abrangido “desde conselhos prejudiciais à saúde até ferozes teorias de conspiração”. Ele avalia que, apesar das “notícias e análises verificadas, científicas e baseadas em fatos”, que fazem com que a imprensa desempenhe um papel imprescindível na atualidade, os jornalistas têm sofrido cerceamento no exercício de suas funções. “Desde que a pandemia começou, muitos jornalistas estão sendo submetidos a mais restrições e punições, simplesmente por fazerem seu trabalho”, pontuou.

Guterres dirigiu um chamamento às autoridades governamentais e à sociedade como um todo, fazendo um apelo para que garantam que a imprensa possa desenvolver suas atividades livremente. As medidas de isolamento social e quarentena, acrescentou, não devem ser usadas como pretexto para limitar o trabalho dos profissionais da categoria.

“Hoje, agradecemos à mídia por fornecer fatos e análises, por responsabilizar os líderes, em todos os setores, e por falar a verdade ao poder. Reconhecemos, particularmente, aqueles que estão desempenhando um papel que salva vidas ao dar relatos sobre a saúde pública. E apelamos aos governos para proteger os trabalhadores da mídia e fortalecer e manter a liberdade de imprensa, essencial para um futuro de paz, justiça e direitos humanos para todos”, finalizou Guterres.

*Com informações do Estadão e da Agência Brasil.

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