Mídia e Gestão

“Comunicólogo Eu/SA – Zeca Peixoto

Por Zeca Peixoto*

Planejamento, avaliação para prospecção de públicos e estratégias de retenção de atenção, interpretação diária de dados, conhecimento de ferramentas de mensuração de métricas e trends. O Jornalismo 3.0 chegou e exige não apenas a excelência da apuração e o talento do texto. O profissional, que outrora só tinha como meta o portal A, a cadeia de emissoras X, o conglomerado de impressos Y, a rede de rádios Z ou a comunicação corporativa, começa a entender a necessidade de empreender seu talento e capital cognitivo numa espécie de Eu S/A, o que não significa necessariamente atuar só. A Internet redesenhou a economia política da mídia e não apenas abriu mais oportunidades aos profissionais de comunicação como acena com possibilidades inovadoras. Não basta o site ou o perfil na rede, tem que saber entregar conteúdos.

No entanto, é um cenário complexo no qual este profissional Eu S/A terá que disputar espaços com players não profissionais. O que pode ser um desafio é também oportunidade. Pesquisa realizada em junho de 2017 pelo Reuters Institute[1], ligado à Universidade de Oxford, com 70 mil consumidores de notícias on-line de 36 países, revelou que os conteúdos advindos de players profissionais ganham espaços e os postados nas redes sem critérios noticiosos têm perdido a confiança da população. Bom sinal.

No caso do Brasil, conforme dados do IBGE, a Internet é um ecossistema midiático que contempla 116 milhões de internautas. O instituto indica que 94,6% acessam a rede via celular; 63,7% pelo computador; 16,4% via tablete; e 11,3% mediante televisão. Vale ressaltar que cerca de 33,4% desses usuários utilizam apenas o celular para se conectar com o mundo digital. Eis o palco a ser disputado.

Mas calma com o andor!

Algumas provocações são necessárias às instituições que têm formado profissionais para este mercado. O que vem ocorrendo na formação dos jornalistas e comunicólogos em geral diante desse tremendo sacolejo na economia política da mídia? De que maneira os jovens profissionais podem angariar know how para suprir um mercado que cada vez mais demanda atributos e competências bem diversas das que lhes são ofertadas nos caducos cursos de Comunicação?

A percepção que ocorre é que, guardadas exceções, estes cursos, nas suas diversas habilitações, vivenciam um delay programático de, no mínimo, dez anos. Os programas e disciplinas se encontram engessados no tempo e se sustentam em modelos teóricos e práticas já superados.

Certa feita, comentando o problema com um colega, ele mencionou a expressão “queda de braço” ao se referir à plausível díade “domínio de ferramentas x formação humanista do profissional”. Esta díade não enseja tensão. Ao contrário, são requisitos que se completam. Bom texto, formação humanística e capacidade de reflexão crítica da realidade são insumos intelectuais indispensáveis às formações das áreas de Comunicação, sobretudo as que confluem para o Jornalismo. No entanto, entender que são o bastante é equívoco sem tamanho. Ou vai esperar que o mercado complemente a formação desses estudantes no momento que é flagrante o borramento do campo profissional dos comunicólogos, inclusas todas as habilitações? O que, de fato, fará um jornalista, publicitário ou relações públicas formado na academia ser um comunicólogo que oferte conteúdos com narrativas youtubers, por exemplo? Alguma heresia? Não, adequação. E adianto: por enquanto esta tarefa não é levada a cabo na maioria esmagadora dos cursos superiores da área. Porque, reitero, defasados.

Há alguns meses, ao entrevistar candidatas e candidatos para uma vaga de estágio em Jornalismo, busquei saber deles acerca do conceito da pauta estendida. Ou seja, em que medida um conteúdo publicado deve ser acompanhado na reverberação por parte dos públicos? Perguntei também sobre ferramentas gratuitas como o Gephi, Netvizz, Netlylic, Google Trends e outras, assim como a importância das análises de discursos na prospecção qualitativa das grandes big datas narrativas. No total de 12 discentes, quatro tinham alguma competência em manusear estas ferramentas, no entanto nenhum deles sabia o que fazer com as informações extraídas. Os demais não detinham nenhum conhecimento.

Este descompasso, a rigor, é reflexo de formações que vestem supostas máscaras tecnológicas – incentivos a acessos a portais, aulas a distância etc – mas que, ao fim ao cabo, não provém os estudantes de competências necessárias que os coloquem aptos a exercer o Jornalismo e outras narrativas do campo comunicacional nos seus vários desenhos contemporâneos.

No front jornalístico, entender o texto no Twitter, Facebook e Instagram, acessar e interpretar as trends, perceber as repercussões dos conteúdos publicados e agregá-las à pauta máster, compreender as métricas das redes sociais, ter razoável conhecimento de aspectos relevantes da Sociologia Digital, dominar o manuseio de programas como o Excell, saber aplicar metodologias de desenvolvimento de projetos – sim, o planejamento de uma reportagem cabe numa análise de Swot – entre outras habilidades instrumentais, constituem competências que os cursos de Comunicação pouquíssimo ou nada contemplam nos seus currículos. Em pleno momento da ciência de dados e da ascensão da midialogia, as formações dos futuros comunicólogos, com devidas exceções, ainda rastejam no paleolítico da mídia.

A premissa é compreender qual tipo de profissional este mercado demanda. Para alavancar sua startup e se consolidar como um competitivo player individual de mídia, que oferte conteúdos capazes de assegurar bons e engajados públicos, é impreterível que o comunicólogo seja capaz de assimilar que sua marca vai além de uma logo, é a sua própria performance na entrega aos consumidores de informação de qualidade.

[1] Revista ESPM, ano 24, Edição 110, jan/fev/mar 2018

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*Zeca Peixoto é jornalista e mestre em História Social

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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