Mídia e Gestão

Democracia sob teste

Em resposta ao artigo publicado no último dia 25/11 na nossa coluna Mídia e Gestão, sob o título “Jornalismo sob teste”, o jornalista Zeca Peixoto escreve hoje o artigo “Democracia sob teste” no mesmo espaço. O professor lembrou o fechamento do Congresso e o fim da liberdade de imprensa no período da ditadura.

Por Zeca Peixoto*

O fascismo como fenômeno político tem sido estudado à exaustão desde as experiências dos anos 20, 30 e 40 na Europa. A partir de então, esta deletéria doutrina, nas suas múltiplas roupagens e a despeito dos males já causados à humanidade, continua encantando incautos ao tempo que orquestra sua marcha fúnebre para sepultar o conhecimento e a razão. Sua argumentação prima recai na não-verdade. Joguete de palavras que mira chaves de recepção pouco atentas à realidade. A rigor, artigo publicado no último dia 25/11 nesta coluna, de título “Jornalismo sob teste”, espelha esse modos operandi narrativo.

A sensação é de que Poliana sequestrou o autor e o encarcerou em Estocolmo. E hei de concordar com ele no filete dorsal do seu raciocínio. Não há como negar que o jornalismo está sob teste quando um presidente assumidamente fascista ameaça a liberdade de expressão e flerta abertamente com um novo Ato Institucional número 5, o AI-5, que em 1968 decretou o fechamento do Congresso e o fim da liberdade de imprensa. O desafio dos profissionais do jornalismo seria se ajustar à ausência da liberdade de expressão?

Argui também o autor que o ungido mandatário da nação foi eleito esnobando o marketing político, vetando a ideologia (oi?) e se contrapondo à imprensa tradicional a partir da ancoragem discursiva na qual prometia segurança, blindagem às crianças, patriotismo e um deus à sua imagem e semelhança para cada eleitor chamar de seu. Goebbels não seria mais criativo.

Jair Messias Bolsonaro não fez pouco caso do poderio mediático, como assevera o escriba. Contrário. Fez muito. A candidatura do então PSL foi a mais recente experimentação dos tentáculos tecnopolíticos do marqueteiro estadunidense Steven Bannon.

Algoritmos calibrados e geolocalizados catapultaram estapafúrdias, inundando celulares e computadores de calúnias de todos os naipes, para todos os públicos, regiões e segmentos da sociedade. Estratégia criminosa, porém eficaz, custeada com recursos escusos de grandes conglomerados empresariais.

Não se pode negar. Propaganda política tecnicamente refinada para zombar, agredir, macular e estuprar a democracia mediante fake news. Bannon tem ideia fixa de “acabar com a imprensa”. E talvez esteja conseguindo à medida que atrai às suas fileiras… jornalistas. Sobretudo quando se aliam à tese de que a imprensa tem que se ajustar à fábrica de mentiras gerida pela família do capitão.

Afirma também o escriba que profissionais têm combatido o presidente de forma “feroz”, beirando a irracionalidade. Será que se refere aos questionamentos quanto às assertivas disparadas pelo oficial reformado de que “portugueses nunca pisaram na África”? Que no Brasil “nunca ocorreu escravidão nem ditadura militar”? Que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra “é um herói nacional”? Que o desequilíbrio climático “é papo de marxismo cultural”? E a floresta amazônica “tem áreas de autocombustão”?

Ou será que jornalistas devem coadunar com o delírio olavista da Terra plana e passem a aceitar a ideia de que existem peixinhos inteligentes e que se desvencilham de manchas de óleo, como admitiu o presidente ao lado do seu auxiliar? Pode ser também bastante racional acatar a genial sugestão de que a melhor maneira de defender o meio ambiente é alternar os dias de defecar.

Abraçando esse buquê de “racionalidades”, quem sabe comece a surgir uma categoria de profissionais ajustados a este novo momento mágico da nação e de exultante fervor patriótico?

Por fim, ataca o Intercept Brasil e seu editor-chefe, Glenn Greenwald. Sua primeira alegação à desconstrução da credibilidade do veículo é a cobrança do CNPJ da empresa. Se imagina que o Intercept Brasil faça transações comerciais com a Folha de São Paulo, revista Veja, o destacado veículo britânico The Guardian, entre outros grandes players de mídia, à base do papo de botequim, sem nenhum tipo de documento. E todos estes órgãos topam realizar joint venture com um site fantasma por conta e risco. Risível.

Também cobra domínio absoluto do estadunidense Glenn Greenwald no trato com o Português. Proponho que o advogado constitucionalista, escritor e jornalista premiadíssimo, detentor do Pulitzer 2014, busque terapia para superar tal crítica. E entendendo que esta cobrança denota legítima preocupação com nossa norma culta por parte do colega, aguardo candidamente algum comentário alusivo ao esmero com que o ministro Sérgio Moro trata nossa língua. Creio ser merecedor.

Novesfora, breve reflexão. Consolidar a doutrina de choque do fascismo com o fito de garantir a pax romana necessária à retirada dos direitos sociais, assegurar os crescentes lucros dos bancos e normatizar o cerco às liberdades requer inteligência. Para tal, Bolsonaro inaugurou no Brasil a era da idiotocracia plena, que é o animus fascista. Nuvem de baratinos. Palavras soltas e sem concatenação afim de provocar multi-olhares nas multidões, que enquanto se entreolham, tornam-se presas fáceis de elucubrações descabidas. A exemplo da vertigem de que se opor ou fazer jornalismo crítico ao capitão que quer restaurar a ditadura é ato de desrespeito a democracia.

Poderia ser piada. Mas é barbárie.

Do mesmo autor:

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*Zeca Peixoto é jornalista e mestre em História Social

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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