“Hoje, meu sentimento ao entrar na Casa de Ruy Barbosa é de indignação, porque ver o acervo museológico da casa no estado que se encontra, ver a estrutura arquitetônica, a estrutura física do edifício cheia de fungos, o assoalho destruído, cogumelos nascendo…”. Esse foi o depoimento de Renata Ramos, museóloga da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), durante a visita técnica ao Museu Casa de Ruy Barbosa, na tarde desta quarta-feira (20). Depois de um longo período fechado e em estado de abandono – intensificado após o furto ocorrido em setembro de 2018 –, o imóvel onde nasceu o “Águia de Haia” passará por reestruturação, após os entendimentos iniciais entre a ABI e o Yduqs, holding de educação superior que atualmente responde pelo Centro Universitário UniRuy (antiga Faculdade Ruy Barbosa).
Nas décadas de 1970 e 1980, o Museu manteve a série Publicações da Casa de Ruy e estabeleceu convênio com a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, disso resultando intercâmbio administrativo e cultural. Na década de 1990, o museu baiano foi roubado e, na ocasião, a nascente Faculdade Ruy Barbosa, iniciativa do professor Antônio de Pádua Carneiro, propôs convênio com o propósito de manter o equipamento e estimular sua visitação. Desde 1998, a Casa é administrada através de um convênio com a instituição de ensino e costumava receber estudantes da instituição, principalmente do curso de Direito. Com a mudança de administração da faculdade, após a aquisição pelo grupo norte-americano Wyden-Devry (Adtalem), o local passou a figurar no Centro Histórico como um museu de portas fechadas (confira esta reportagem do Jornal Correio*).
Foram muitas as tentativas da ABI para entrar no equipamento cultural e salvaguardar o rico acervo. No entanto, por três vezes, até a perícia judicial chegou a ser impedida por funcionários do UniRuy, que alegaram não ter autorização da instituição para permitir acesso ao local. A situação se estendeu até a tarde de ontem (20/01), quando diretores e funcionários da ABI foram impactados pelo cenário encontrado no interior do Museu.
O tempo fechado e sem manutenção colocou o acervo e o imóvel sob grave risco, conforme denunciado em artigo do presidente da ABI, Ernesto Marques, em outubro passado. As paredes brancas se vestiram com um amarelo descascado, o tom verde das portas e janelas traz as marcas da falta de limpeza, no telhado faltam peças, pragas já deterioram o acervo bibliográfico e mobiliário. “Há quatro anos visitei a casa de Ruy para um trabalho de identificação da documentação e em 2018 acompanhei o inventário da documentação do acervo museológico, que estava num estado de conservação muito bom. Como profissional da Museologia, fico numa situação de tristeza, por saber que uma instituição tão reconhecida, tão solicitada na nossa cidade, está abandonada”, afirma Renata Ramos.
“Fazia tempo que eu não revisitava a casa em que Ruy Barbosa nasceu. Aprendemos, nós da ABI, que somos os responsáveis por essa propriedade, a confiar em parceiros que a manteriam desde o final dos anos 90. O choque provocado pela visita de hoje pode ser bem expresso por esse boneco representando Ruy Barbosa caído, tombado, arrebentado. É essa a real expressão que a gente tem desta oportunidade de ter revisitado esta casa”, lamenta Luís Guilherme Pontes Tavares, vice-presidente da ABI. “A ABI sempre foi zelosa da Casa de Ruy Barbosa e designa, a cada nova eleição, diretor para a instituição”, lembra. “A casa foi entregue em perfeitas condições e é assim que a ABI espera recebê-la de volta”, reivindica o diretor.
De acordo com Ernesto Marques, o diálogo iniciado pela ABI no final de novembro passado com representantes do Grupo Yduqs, nova denominação da Estácio Participações, progrediu para o início de entendimentos que viabilizaram a visita nesta quarta-feira entre as instituições. As providências começam com a remoção do acervo para as instalações da ABI, mediante a indicação dos profissionais, por parte da Associação, que farão o traslado e a restauração. O Grupo Yduqs se propõe a custear as despesas com o acervo e a restauração do imóvel, começando pelo telhado.
“Assim como lamentamos o abandono que, sem exagero, podemos considerar criminoso contra o Museu Casa de Ruy Barbosa, louvamos o interesse do Grupo Yduqs de resgatar o passivo que eles adquiriram junto com o UniRuy. A opção da ABI sempre pelo diálogo objetivo que construtor de uma saída pactuada, boa para todas as partes, respeitando a memória de Ruy e a história da Bahia”, salienta Marques.
Da visita técnica participaram o diretor de área do Yduqs na Bahia, Paulo Rocha, representantes do corpo técnico do Yduqs; os diretores da ABI: Luís Guilherme Pontes Tavares e Simone Ribeiro; a museóloga da ABI, Renata Ramos; e o advogado Antonio Luiz Calmon Teixeira.
Furto ao acervo e abandono
No final de setembro de 2018, a Casa de Ruy Barbosa foi vítima de roubo. O arrombamento ao museu ocorreu durante um final de semana (entre 28 setembro de 2018, uma sexta-feira e 30 de setembro de 2018, domingo). Somente no primeiro dia útil de outubro uma funcionária do UniRuy a serviço do Museu percebeu que a porta fora arrombada e parte do acervo, roubado. Os ladrões se aproveitaram da falta dos agentes de segurança contratados pela Faculdade Ruy Barbosa, atual Centro Universitário UniRuy | Wyden, responsável pelo Museu, através de convênio celebrado com a ABI em 1998.
Desde o dia 04 de outubro de 2018, uma única peça foi entregue por um sucateiro à Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR-BA), onde foi registrada a queixa de “furto qualificado/arrombamento com subtração de bens”. O maior dos dois bustos levados pelos criminosos foi restaurado. A peça já ia ser derretida, quando o sucateiro viu, num programa de televisão, a repercussão das notícias divulgadas pela Associação Bahiana de Imprensa.
Procurada na época para atualizar as informações sobre a investigação, a assessoria de Comunicação da Secretaria de Segurança Pública relatou que o inquérito havia sido concluído pela Deltur e encaminhado para a Justiça. Um policial militar foi indiciado por receptação, após tentar vender um busto em bronze de Ruy Barbosa a um ferro velho. O autor do furto não foi localizado. A ABI seguiu mobilizada para encontrar os objetos que pertenciam ao acervo da instituição e reintegrá-los às centenas de peças em metal, louça, tecido e gesso, além de estatuetas, telas, mobiliário, livros e documentos diversos que se referem à vida, obra e trajetória do jurista baiano.
O UniRuy e a ABI registraram queixa e acompanhavam o desdobramento quando, em junho de 2019, o UniRuy manifestou o propósito de interromper a parceria e devolver o imóvel e os bens móveis que permaneceram após a ação lesiva de meliantes. Em meados de outubro, a ABI recebeu representantes do UniRuy | Wyden, para definir medidas a serem adotadas depois do assalto. A primeira medida acertada na época foi a instalação de sistema de monitoramento e gravação por câmeras no interior e no exterior do Museu, e depois a elaboração de um plano diretor o equipamento. Providências que nunca foram tomadas.
Dois meses após o assalto, a diretoria da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) convidou o professor José Dirson Argolo, restaurador de obras de arte e especialista em preservação de monumentos e bens históricos, para avaliar as condições em que se encontram o prédio e o acervo da instituição. Já ali Argolo constatou que uma grande parte do acervo carecia de ações de preservação e de restauro.
Casa de Ruy Barbosa
O jornalista, jurista e político Ruy Barbosa, o internacional Águia de Haia, ainda estava vivo quando o também ilustre baiano Ernesto Simões Filho (1886-1957) capitaneou o levantamento de recursos para adquirir, em leilão, o imóvel da Rua Capitães, no centro da Cidade do Salvador, onde nascera Ruy. Ao tomar conhecimento do gesto, o jurista manifestou-se agradecido. Anos depois, Simões Filho repassaria o imóvel à recém-criada (em 17 de agosto de 1930) Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
A primeira destinação que a ABI deu ao bem recém-recebido foi oferecer à Prefeitura de Salvador para ali instalar escola, o que não ocorreu. Em seguida, a instituição examinou a possibilidade de instalar no endereço a sua sede, o que também não vingou. Com a proximidade do centenário de nascimento de Ruy Barbosa em 1949, os sócios da ABI resolveram homenagear o saudoso baiano transformando sua casa natal em museu. Houve, então, concurso público de projeto arquitetônico e campanha nacional para obtenção de doações de objetos. Em 05 de novembro daquele ano, o museu foi inaugurado e experimentou visitação constante por muitos e muitos anos.
Confira abaixo imagens atuais da Casa de Ruy Barbosa: