Uma semana depois de um juiz da17ª Vara Federal do Rio de Janeiro negar o pedido do Ministério Público de retirar vídeos na internet considerados ofensivos à umbanda e ao candomblé, por entender que “manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem religião”, a Bahia deu um grande passo no compromisso com entidades do movimento negro, indígenas, povos e comunidades tradicionais e religiosos, principalmente de matriz africana. O projeto de lei 20.785/2014, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado, foi aprovado nesta terça-feira (20) na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) e segue para sanção do governador Jaques Wagner. O projeto está alinhado com a legislação e políticas em desenvolvimento no âmbito do Governo Federal, que em 2010 aprovou a lei 12.288 que institui o Estatuto Nacional da Igualdade Racial.
A medida garante a reserva 30% das vagas para a população negra nos concursos públicos; o programa Ouro Negro e o porcentual mínimo de 10% do orçamento anual para o Fundo para ações do Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sisepir). O texto final da lei é resultado da articulação com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) com a Comissão de Promoção da Igualdade da Assembleia. A iniciativa resgata um projeto feito em 2005 do então deputado estadual Valmir Assunção (PT), na época presidente da Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente. O projeto ficou arquivado e voltou à pauta em 2007 por solicitação do deputado Bira Corôa (PT).
Entidades pressionam e juiz modifica sentença
A polêmica que envolveu o juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara do Rio de Janeiro, ganhou proporções nacionais. Após as manifestações de repúdio de entidades de todo o Brasil, entre elas a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) (nota) e a Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), o magistrado modificou parte da sentença em que afirmou que candomblé e umbanda não eram religiões. A mudança foi anunciada ontem (20), por meio de nota da assessoria de imprensa da Justiça Federal fluminense. Segundo o texto, “o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”.
Entidades do Movimento Negro, de combate à intolerância religiosa e do povo de santo realizam hoje (21) em Salvador, nesta quarta-feira (21), um ato de desagravo contra a decisão do juiz federal. O protesto faz parte de uma mobilização nacional pela garantia de direitos às crenças de matrizes africanas, que foi mantida mesmo com a retratação do juiz divulgada nesta terça (20). A manifestação acontecerá às 14h, com concentração no Largo do Pelourinho e caminhada até a estátua de Zumbi dos Palmares, na Praça da Sé.
Os organizadores do ato pedem para que todos compareçam vestidos com roupas brancas ou alusivas a orixás e fios de conta. Segundo o historiador e coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Marcos Rezende, o Pelourinho foi escolhido porque é “símbolo de desrespeito”. “A decisão do juiz foi no dia 13 de maio, dia em que a escravidão foi abolida. É o símbolo do retorno à escravidão e açoite público. E a chegada na estátua de Zumbi é a nossa luta pela liberdade e garantia de direitos ao nosso povo”, explicou o historiador ao site Bahia Notícias.
Em nota pública divulgada no último dia 18, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA) repudia a decisão que afirma que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões”. O texto salienta que a liberdade de crença é assegurada não apenas pela Constituição Federal (art.5º, VI) como também por documentos internacionais, a exemplo da Declaração Universal de Direito Humanos (art.18), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art.18) da ONU e, ainda, o Pacto de São José da Costa Rica (art.12), da OEA.
“A Presidência da OAB da Bahia entende que o Estado brasileiro, por todos os seus órgãos, inclusive através do Judiciário, deve respeitar e defender a pluralidade cultural, étnica, religiosa e de gênero da sociedade, combatendo a intolerância religiosa e não desconsiderando jamais – no país com a maior população negra fora do continente africano – o papel histórico e as contribuições que as religiões de matriz africana tiveram e continuam a ter na formação da identidade e dos costumes do nosso povo”, diz trecho da nota cujo título defende que “Todas as religiões e crenças merecem respeito e proteção”.
*Com informações do Bahia Notícias, Tribuna da Bahia e OAB-BA.