Cachoeira é detentora dos títulos de “Cidade Histórica” e “Cidade Heroica”, um patrimônio brasileiro. Nada mais justo do que ser assunto de um jornal também histórico. O jornal “A Cachoeira” completou neste setembro 125 anos desde sua fundação e circulou em edição comemorativa. Idealizado em 1896, a marca do jornal é uma das mais antigas do país. Ao longo da semana, diversos veículos e jornalistas do estado lembraram o marco.
O município do recôncavo baiano já teve 141 jornais e revistas em circulação; assistiu ao nascimento e desligamento de cada um desses veículos. Em sua história, o “A Cachoeira” teve seus períodos de pausa, mas sempre se renova pelas mãos de um jornalista. Atualmente, esta é a tarefa do jornalista e advogado, Romário Gomes, diretor da Associação Bahiana de Imprensa (ABI). Gomes relata a história desse veículo, que começa ainda antes de 1896, com a iniciativa de seu bisavô, o italiano radicado Giaccomo Vaccarezza.
“Meu bisavô se juntou com alguns companheiros, comprou as máquinas tipográficas, tudo para esse jornal sair e ser um defensor da república na cidade, que era muito cheia de homens ricos, donos desses sobradões enormes de Cachoeira. O jornal estava pronto, mas ele não o viu circular; morreu em 1894 e o jornal circulou em 24 de setembro de 1896. A partir daí já se via que o jornal deveria durar muito”, conta.
Giaccomo e seus amigos eram membros da Associação dos Republicanos de Cachoeira. Foi em sua memória que o jornal foi lançado. Ele nasce como um veículo republicano, com circulação bissemanal, em substituição a outro título da cidade, “O Guarany”. Foi dirigido por José Antônio Antunes até 1917, quando houve uma pausa na produção do semanário. Em 1927, o médico Cândido Vacarezza, avô de Romário, retoma o veículo entregando – o à direção de Hermes de Assis Costa.
Foi no ano de 1989, sob a direção do jornalista e grande persona de Cachoeira, Felisberto Gomes, tio de Romário, que o jornal sofreu seu maior revés com a enchente do rio Paraguaçu, que destruiu grande parte do seu acervo.
Memória e influência
“Antigamente o rio começava a encher e levava cinco, seis dias para inundar a cidade. No caso de 1989, foi em duas ou três horas. Destruiu tudo, carregou todo o acervo do jornal e ficaram apenas duas máquinas que estavam presas no chão, cimentadas”, afirma Romário. As máquinas são relíquias históricas: a impressora manual francesa Alauzet, que possui mais de dois séculos, e a impressora elétrica alemã Offenbach, de 1928. Além desses, a oficina do jornal possui outros tesouros da imprensa antiga, entre tipos e componedores [instrumento para organizar os tipos para a impressão].
Em 2020, os 90 anos da ABI foram comemorados com a reinauguração do Museu de Imprensa, um lugar para reviver e contar todos os dias a história da imprensa da Bahia. “A Cachoeira” foi um dos veículos homenageados pelo painel “Memória da imprensa e meios de produção”, com design assinado por Enéas Guerra. No painel, recorda-se a figura de Felisberto Gomes e a enorme prensa francesa, ambos parte importante da história dessa marca.
O jornalista e diretor de Cultura da ABI, Nelson Cadena, responsável pela pesquisa para o painel, reconhece o peso que o veículo teve para a sociedade cachoeirense. “Nenhuma cidade do interior tem um jornal impresso. E a marca ‘A Cachoeira’ é uma marca forte, porque, de qualquer forma, mesmo tendo uma circulação interrupta, teve influência política e influência na sociedade de Cachoeira”, recorda Nelson Cadena, diretor de Cultura da ABI.
Por sua redação, passaram os ex-prefeitos de Cachoeira Anarolino Theodoro Pereira e Francisco Andrade Carvalho, e outros grandes nomes da região: o jornalista Cajueiro de Campos, o professor Antônio Rocha Pita e o jornalista Juvenal Paim. Como relata Costa Gomes, o jornal ainda exerceu papel decisivo ao atuar na eleição de três prefeitos e de alguns vereadores.
Nas páginas há espaço para a cobertura política, os eventos, notícias esportivas, óbitos e homenagens às grandes figuras da região. Para Cadena, o que resta do acervo do veículo transformou-se na memória da cidade. “Quando você quer saber qualquer coisa, quando precisa pesquisar algum fato, você vai no acervo do jornal e encontra ali. Ele deixa de circular em alguns períodos, mas está sempre se renovando, como vai se renovar agora”, afirma.
A versão do futuro
Romário Gomes adquiriu o jornal na década de 90. “Meu tio estava muito doente, me chamou em casa e disse: ‘Você é jornalista. Eu não quero que o jornal pare, eu vou lhe vender ele’. Eu comprei o jornal na mão de meu tio e mantive lá com trancas e cadeados”. Adquiriu também a marca e o que foi salvo do acervo, do qual cuida até hoje.
Para celebrar os 125 anos desde sua fundação, Romário fez circular uma edição especial do jornal. Atualmente conta com uma equipe enxuta, composta por estudantes da UFRB, e pretende fazer o jornal impresso circular mensalmente e voltar com o website de notícias diárias. Segundo Gomes, é “difícil e caro” fazer jornalismo no interior, mas ele se recorda dos preceitos do bom jornalismo que guiaram o “A Cachoeira” ao longo dos anos. “Os fatos vão para as páginas dos jornais. Comigo não tem conversa. É notícia? Boto na rua”, completa.
*Larissa Costa, estudante de Jornalismo, estagiária da ABI.
Edição: Joseanne Guedes