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Quem cuida de quem cuidou?

Por Liliana Peixinho*

A falta de cuidados com idosos, doentes, dependentes da atenção do outro, é problema social grave e crescente.

Quando o problema é pautado, é pouco aprofundado em questões importantes como afeto, alimentação preventiva, higiene, socialização, movimentos cognitivos, uso de remédios e efeitos colaterais. Falta um olhar atento, integral na diferença entre fazer de conta que faz e o fazer efetivo para potencializar a vida digna.

A recente, e tardia, denúncia sobre o tratamento criminoso, ocorrido no Lar dos Idosos Nossa Senhora das Candeias, estabelecimento clandestino e pago, localizado no bairro de Itapuã, em Salvador, revela a omissão da Sociedade, o descaso de órgãos públicos responsáveis pela garantia de direitos, e a conivência da família. O tripé: Família, Sociedade, Estado, é capenga e quem muito lutou uma vida inteira não tem a mínima garantia para se despedir da vida com dignidade.

Esse caso do Lar dos Idosos de Itapuã é apenas um recorte factual de um problema cuja desumanidade, criminosa, banaliza a vida e a morte, aí, aqui, acolá.

Tem sido regra histórica os cuidados de mães, pais, avós, avôs, tios, com cada um de nós, a cada dia, incansável e afetivamente, uma vida inteira.
Então, pensemos: como uma família- filhos, netos, sobrinhos- podem transferir, tercerizar, passar adiante, a desconhecidos, a instituições desatentas, os cuidados, inclusive os afetivos, de pessoas como nossos pais, avós, tios, irmãos, idosos, dependentes, fragilizados, de tanto lutar por cada um de nós?

Que sentimento tem alimentado essa ideia, essa prática desumana de um “Mercado Cuidador “, que faz de conta que cuida?

Entre uma visitinha rápida e outra a esses lugares chamados de: “Lar, Abrigo, Casa de acolhimento”… o nome que mais poderia se aproximar da realidade seria “Asilo”, já que o cotidiano revela isolamento, abandono, descaso, esquecimento, faz de conta que cuida. A morte vem lenta, sofrida, criminosa, e ainda assim, depois, justificam, continuam a transferir, de novo, a responsabilidade dizendo: “Foi Deus quem quis” .

NÃO É MORRER.
É COMO MORRE!

Morre de forma estúpida, violenta, criminosa.

Morre por doenças evitáveis
Morre sem os cuidados de quem muito cuidou

Morre com problemas preveníveis

Morre por falta
Morre por excesso
Morre por descaso
Morre por descuido

Morre por negligência
Morre por desatenção
Morre sem afeto
Morre em hospital
Morre em asilos, sofrendo, calados, sem direitos assegurados

Morre em UPAS, nas últimas

Morre sem carinho
Morre sozinho
Morre distante de entes queridos

Morre sem rever amigos
Morre sem a mão na mão

Morre em muita dor, sofrimento
Morre em silêncio
Morre sem expressar sentimentos
Morre sufocado, sem ar, em agonia

Morre esquecido
Morre sem memórias
Morre, como se a morte fosse o fim do existir

Morre, antes de morrer
Morre em faz de conta que vive

Vivas a quem morre, com vida digna, bem vivida

*Recorte do livro, pesquisa – “Não é morrer. É como morre”, que a jornalista Liliana Peixinho – fundadora do grupo: CUIDAR DE QUEM CUIDOU- está a escrever sobre a responsabilidade do tripé: Família/Sociedade/Estado, nos cuidados com idosos doentes, dependentes.

*Liliana Peixinho é jornalista, ativista humanitária, tem especialização em Jornalismo Científico, Meio Ambiente e Cultura. Fundadora de mídias independentes e grupos ativistas como o AMA – Amigos do Meio Ambiente. Colaboradora de mídias especializadas em ambiente, Educação, ODS, saúde, sustentabilidade.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
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