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Toda iniciativa exige cuidados na sua continuidade

O jornalista Luis Guilherme Pontes Tavares relata sua visita ao Parque Memorial do Quilombo dos Palmares

Luis Gulherme Pontes Tavares*

Sou grato pela oportunidade de visitar o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, no alto da Serra da Barriga, a 500 metros acima do nível do mar, distante oito quilômetros da sede municipal de União dos Palmares, em Alagoas. Estive lá em duas ocasiões do dia 19jul2024 (uma sexta-feira). Vencera, na véspera, no volante de Tenente (meu Jeep Renegade), o percurso de cerca de 630 quilômetros, desde Salvador até a cidade alagoana. No Parque, todavia, não encontrei receptivo algum.

O Parque Memorial foi inaugurado em 19 de novembro de 2007, véspera do Dia da Consciência Negra, com a presença do ministro da Cultura, o administrador, compositor e intérprete Gilberto Gil, e do presidente da Fundação Cultural Palmares, o arquiteto e gestor cultural Zulu Araujo. A área é tombada pelo IPHAN desde 1985 e é reconhecida, desde 20nov20217, como bem cultural do Mercosul.

Em junho do corrente, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, ambos baianos, assim como Gil e Zulu, o que aumento o nosso compromisso com a continuidade do Parque, inauguraram novas placas de sinalização e deram publicidade ao aplicativo que foi criado para facilitar a visitação – https://www.serradabarriga.app.br/

Apesar da minha aproximação à informática desde a 2ª metade da década de 1970, quando fui iniciado pelo Prodasen (Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado Federal), em Brasília, com outros colegas da Assembleia Legislativa, sou avesso à intermediação do celular no meu dia a dia. Que pena! Desconhecia, pois, a existência de tal aplicativo quando estive no Parque Memorial e, desde então, cultivo a queixa de que, em nenhum momento fui assistido por qualquer funcionário de lá.

O Google exibe alguns endereços oficiais e outros não e, do citado abaixo (link), reproduzo estas informações:

“Nesta espécie de maquete viva, em tamanho natural, foram reconstituídas algumas das mais significativas edificações do Quilombo dos Palmares. Com paredes de pau-a-pique, cobertura vegetal e inscrições em banto e yorubá, avista-se o Onjó de farinha (Casa de farinha), Onjó Cruzambê (Casa do Campo Santo), Oxile das ervas (Terreiro das ervas), Ocas indígenas e Muxima de Palmares (Coração de Palmares)”

https://www.gov.br/palmares/pt-br/departamentos/protecao-preservacao-e-articulacao/serra-da-barriga-1/parque-memorial-quilombo-dos-palmares

Subi a Serra da Barriga, cujo estradão (nome dado à ladeira) é pontuado de endereços afins com a cultura afro-brasileira (foto 1, 2 e 3). A estrada está conservada e tivemos a surpresa de encontrar pé de milho crescendo na borda do meio-fio (foto 4). Chuviscava e o portão do Parque estava aberto (foto 5). Após ingressar, à esquerda, aproximei-me do busto de Zumbi (foto 6) e da placa com a localização dos módulos do parque (foto 7). Segui a orientação e, à direita, me detive na segunda destinação: a Muxima de Palmares (foto 8). Constituída de dois módulos. No segundo, há homenagem a afrodescendentes, alguns nossos contemporâneos, e agradou-me constatar a inclusão de Mestre Camisa (foto 9), cujo perfil poucos baianos têm conhecimento:

“[José] Tadeu Carneiro Cardoso, nascido em Jacobina, na Bahia, iniciou-se na Capoeira nos anos [19]60 com seu irmão mais velho, o Camisa Roxa. Em seguida mudou-se para Salvador, indo morar no bairro de Lapinha, onde continuou a praticar capoeira nas rodas de rua, principalmente nas de Mestre Valdemar e Mestre Traíra, que eram realizadas na Rua Pero Vaz Posteriormente foi treinar na academia de Mestre Bimba, onde se formou. Mestre Camisa fundou a Escola Abadá-Capoeira, hoje presente em todos os estados brasileiros e em mais de 28 países do mundo, entre eles: Estados Unidos, México, Canada. França, Dinamarca, Inglaterra, Israel a Angola. A Escola se tornou uma divulgadora da língua portuguesa pelo mundo, com cerca de 40 mil capoeiristas, seguindo a filosofia, doutrina, normas e fundamentos ditados pelo Mestre”.

Lembrei-me do irmão dele, Camisa Roxa, a quem, nas décadas de 1960-1970, temíamos quando chegava com seu grupo nas festas populares. Guardo alguma lembrança da chegada dele na Festa da Boa Viagem, na virada do ano de 1972, se não me engano. Nunca me importou, mas fama tem preço!

Voltemos ao Parque e recordemos que o platô (zona plana no alto do morro) é, sobretudo, área de preservação devido à riqueza arqueológica. Há fragmentos de objetos e ossos que comprovam a presença indígena há 900 anos (século XII) no local. Os escravizados que lutaram pela liberdade no Quilombo dos Palmares inauguraram essa luta no século XVII, com as lideranças da princesa africana Aqualtune (? – 1650), seguida de Ganga Zumba (1630-1678) e Zumbi (1655-1695). Por isso, o Parque assinala a presença indígena com ocas de piaçava (foto 10), que, por sinal, estão exigindo cuidados na conservação da cobertura de piaçava (foto 11).

Posso entender que, devido à riqueza documental (arqueológica) contida no terreno, não haja passarela com piso antiderrapante. Imprudente, sob chuva leve, escorreguei três vezes e caí de costas (foto 12, flagrante de Ronrom) sobre a camada fina de lama e limo. Alguns módulos estavam fechados, de modo que desconheço se o Restaurante Kuuku-wuana estaria ou não funcionando. Difícil entender, no entanto, as lojinhas improvisadas e vizinhas aos módulos (foto 13) e as residências (foto 14) na rota para a Lagoa dos Negros (foto 15).

Enfim, voltaria lá, sobretudo se estudar mais a respeito e verificar, por exemplo, o grau de parentesco entre Aqualtune, Ganga Zumba e Zumbi, assim como a identificação da tribo – Wassu Cocal – que antecedeu o Quilombo dos Palmares. Há tanto o que ver no local e no entorno, que encerro com as imagens dessas duas surpresas (fotos 16 e 17) que encontrei no caminho.

Viva o Brasil!

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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