Artigos Pensando a imprensa

Tudo por acesso?

Por Giorlando Lima*

Chamam de instantaneidade o que a internet proporciona ao ofertar informações sobre tudo quase na mesma hora em que acontece. O rádio é assim, a TV também pode ser. Mas, nenhum outro meio supera a internet na velocidade de reprodução dos fatos. E das mentiras. Ou equívocos. Eles chegam pelo WhatsApp e viram notícia, precedida do adjetivo “urgente”, nos blogs ávidos por acessos. É a urgência do furo, da necessidade de dar a notícia antes, vencer o concorrente, de olho no anunciante. Sem checagem, sem aprofundamento, sem revisão ortográfica e muito menos gramatical. A urgência gera visualizações, compartilhamentos, sinônimos de sucesso.

Antes que seja tarde, é importante ressaltar que isso não é uma característica exclusiva de qualquer blog. Nem de Vitória da Conquista e nem mesmo de blogs. Por aí, é comum a notícia açodada matar alguém, prender alguém, falir alguém, casar ou separar famosos e não famosos e assim vai… Falta apuração, pelas mais diversas razões.

E este pode ser um mea culpa, uma confissão de erro. Porque, apuração, apuração, apuração mesmo, por estas bandas, só o Avoador, site-laboratório do curso de Jornalismo da Uesb. No mais, fazemos um meia-boca. Infelizmente, há muitas situações em que a boca não é nem metade e ainda é banguela. Em nome do furo e da quantidade de acessos. A pressa.

Repetindo: mea culpa.

Mas, há uma pressa que não faz apenas a notícia incompleta, faz causar dor. Entristece e dá uma dimensão mais trágica do que vem acontecendo com a imprensa, a informação, o jornalismo, derivado da profusão de blogs, da facilidade de publicação/postagem e da seleção pouco criteriosa da parte do leitor, ele mesmo cada vez menos crítico, no sentido da exigência com a qualidade do texto e com o conteúdo do que acessa.

A professora e monitora de creche, moradora do bairro Patagônia, em Vitória da Conquista, Maria Neusa dos Santos Costa, 54 anos, morreu no dia 7 de setembro. Ela havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) quando assistia a uma missa na Paróquia Rainha da Paz e passou vários dias na UTI de um hospital da cidade. No dia 23 de agosto, alguém soube que outro alguém disse que os médicos diagnosticaram morte cerebral e desligariam os aparelhos que a mantinham respirando. Assim, ela virou manchete como morta.

A família de Maria Neusa correu para desmentir. Os blogs que deram a notícia – e anteciparam em duas semanas o falecimento dela – correram para apagar a postagem e explicar a pressa.

O jovem Ruan Santos, balconista da Farmácia Bom Preço, no bairro Patagônia, sofreu um acidente de moto no sábado, 7 de setembro. A moto que ele conduzia foi atingida por outra. Ruan foi atendido pelo Samu 192 e levado para o Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC). Chegou lá com um quadro gravíssimo de Traumatismo Crânio Encefálico, mas vivo.

No domingo cedo, mensagens diziam que Ruan havia morrido. A informação, apressada, saiu dos grupos de WhatsApp para se transformar em manchete de blogs. Mas, Ruan não morrera naquele dia. Ele faleceu na manhã desta terça-feira (10).

Em nenhum dos casos os blogs inventaram as mortes das pessoas. Souberam por meio de amigos, familiares e, já aconteceu em outros momentos, porque alguém de dentro do hospital deixou escapar. Porém, a falta da necessária apuração, um ou dois telefonemas para os hospitais, para a polícia, para a família, poderiam ajudar a confirmar ou negar. O que impede é a pressão pelas visualizações, pelo furo, pelo destaque. E não foi a primeira vez, provavelmente não será a derradeira.

Uma pressa que gera acessos, cliques, compartilhamentos, um passo na corrida pelo ranking dos blogs mas visitados, mas também ocasiona a quebra de esperanças, sustos, a antecipação de lágrimas e dor, do desespero. Não adianta apagar depois. A mensagem em inglês (sorry, but the page you were trying to view does not exist) avisando que a página não está mais no ar, não desfaz o impacto ruim, não serve como pedido de desculpas. Ninguém tem o direito de frustrar a esperança de ninguém. Muito menos em nome de uma concorrência sem qualidade e sem primor, que preza, quase que exclusivamente, por sucesso comercial.

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Giorlando Lima é jornalista, marketeiro e publicitário, atua no ramo da comunicação há 40 anos. <https://blogdegiorlandolima.com>

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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