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Viajei de carro para ver as fotos de Salgado e o Facebook me puniu

Luis Guilherme Pontes Tavares*

Em 2023, a exposição “Amazônia”, do fotógrafo internacional Sebastião Salgado, nascido em Minas Gerais, será exibida em mais três estados brasileiros. Nenhum desses será a Bahia. Por isso e porque a exibição no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, será encerrada em fevereiro, antes do Carnaval, decidi visitá-la e, por causa do preço das passagens aéreas, fui de carro (3 mil e 316 quilômetros, somados a ida e o retorno). Valeu! O que não merece aplauso é a indigência que afeta os baianos no campo cultural há alguns anos.

Luis Guilherme em companhia de sua esposa, Romilda Tavares e da bibliotecária Graças Cantalino (no centro da foto)

Antes do final do texto, o título deste artigo será esclarecido, sobretudo no tocante à punição. Sigamos, pois. “Amazônia”, que já foi exibida em São Paulo, tem a curadoria de Lélia Wanick Salgado, esposa do autor das fotos. Ele, agora com 78 anos, trabalhou na selva amazônica ao longo de muitos anos e esse esforço foi acompanhado pelo jornalista Leão Serva e estampado em suplementos especiais publicados pela Folha de S. Paulo.

Museu do Amanhã

A exposição, que já passou pela França, Itália e Inglaterra, tem fundo musical próprio, criado pelo compositor francês Jean Michel Jarre. No Museu do Amanhã, é a principal e ocupa o térreo do edifício concebido pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Havia a previsão de encerrar-se em 29 de janeiro, mas foi prorrogada para 12 de fevereiro. Visitar as exposições do Museu do Amanhã requer a aquisição antecipada de ingresso. Os preços são aceitáveis e a 3ª idade é contemplada com bilhete grátis.

CONTEÚDO DA MOSTRA

Vídeo com depoimento do líder Yanomani

Um dos diferenciais das fotos de Sebastião Salgado é a exclusividade do p&b (preto e branco). “Amazônia” exibe fotos grandes, tipo painel, e é rica em imagens da selva e dos povos originários. Ademais, há dois espaços para projeção de fotografias e três outros que, além de fotos, têm equipamentos audiovisuais projetando entrevistas sobre a situação das tribos amazônicas. Guardei a lembrança da gravidade exposta pelo líder yanomami Davi Kopinawa sobre a sua tribo.

Diante de foto do rio voador, de Sebastião Salgado | Foto: Ana Virginia Pinheiro

Experimentei especial agrado com a aventura empreendida desde Salvador ao Rio de Janeiro pela BR-116, entre 08 e 10 de janeiro de 2023, quando vi uma das fotos de Salgado com o registro de um rio voador . Trata-se de formação de nuvens devida à evaporação de rios amazônicos e o deslocamento delas para o sul do continente americano e o consequente transporte de água de uma região à outra. Esse registro do fotógrafo, cuja vasta obra merece toda a atenção, enfatiza o quando é necessário e urgente preservar o meio ambiente, sobretudo a selva amazônica. Sem os benefícios que ela oferece à humanidade, resta perspectivas reduzidas de sobrevivência e qualidade de vida.

Construção da casa do casal Lélia e Sebastição, no Instituto Terra, em Aimores, MG

O casal Lélia e Sebastião Salgado é exemplo a ser seguido. Tanto contribui com arte como no exercício de preservação de áreas rurais mineiras e capixabas através da ação do Instituto Terra, localizado em Aimorés (MG), terra natal dele. Ali, onde estive em 11 de junho de 2022, o casal constrói morada – o endereço atual é em Paris. A atuação do Instituto Terra assegurou a preservação de mais de duas mil nascentes d’água na área em que atua. Creio que não é favor de governo algum ouvir Sebastião Salgado na questão do meio ambiente.

A FOTO PROIBIDA

Após a visita à exposição “Amazônia”, publiquei dois comentários a respeito no Facebook. Isso se deu nos dias 11 e 12 de janeiro. A segunda publicação, intitulada “Maloca não tem móvel da Tok&Stok”, foi refugada. A foto, extraordinária, da índia junto com um macaco aranha abatido, feriu regras do aplicativo. O texto abaixo que se referia à foto, suponho, não moveu a turma do controle.

Foto censurada pelo Facebook | Reprodução/Sebastião Salgado

 “A vida dos povos originários é diferente e isso exige reflexão a respeito. Tem a ver com estágio civilizatório e conformação cultural bem distinta dos humanos urbanos e dos rurais do mundo inteiro.

A exposição “Amazônia”, do fotógrafo Sebastião Salgado, é uma aula a respeito.

Insisto: a mostra tem que ser exibida em Salvador. 

A propósito, esta foto encerra tantas informações que compartilhar é oferecer material inspirador para reflexões a respeito dos nossos irmãos silvícolas.”

Reprodução/Sebastião Salgado

Enfim, após o título explicado, resta-me questionar se há como sustentar qualquer censura à nudez de silvícolas. Acrescento: a foto do macho em companhia de macaco flechado e abatido, provocaria a mesma reação? Fica a questão. Há, todavia, uma bem maior: os baianos terão que ir a São Paulo e a Rio de Janeiro para usufruir de eventos culturais de relevo? A quantos de nós, empolgados e incontroláveis, é dado a chance de viajar a outro estado só para ver fotografias e assim se educar um pouco mais?

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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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