Autor de clássicos da literatura nacional, o escritor baiano João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro morreu aos 73 anos, no início da manhã desta sexta-feira (18), vítima de uma embolia pulmonar, em sua residência no Leblon (RJ). Aclamado internacionalmente como um dos maiores escritores de sua geração, João Ubaldo usava sua memória de uma lendária Itaparica (BA), terra onde nasceu, na construção de personagens tão triviais que parecem velhos conhecidos e imprimia em suas obras um humor de coisas simples, ao ponto de parecerem estranhas ao olhar urbanizado. Para os apreciadores desse talentoso contador de histórias, a partida de Ubaldo representa uma perda irreparável para o patrimônio literário da humanidade.
Com a despretensão de um observador em férias, que assiste e anota, João Ubaldo produziu livros como “Viva o Povo Brasileiro” e ‘Sargento Getúlio”, que constam da maior parte das listas dos cem melhores romances brasileiros do século. Coincidentemente, seu último romance, “O Albatroz Azul”, fala sobre vida, morte e renovação, em uma bela homenagem a Itaparica. Inclusive, João lutava ultimamente para não ver construída a ponte que pretende ligar Salvador à ilha pela qual sempre apaixonado.
Apesar de ser formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e possuir mestrado em Administração Pública e Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul, João Ubaldo teve uma marcante passagem pelo Jornalismo e nunca chegou a advogar. Foi repórter, redator, chefe de reportagem e colunista do Jornal da Bahia; colunista, editorialista e editor-chefe da Tribuna da Bahia, além de contribuir para jornais da Alemanha (“Diet Zeit”), Inglaterra (“The Times Literary Supplement”), Portugal (“Jornal de Letras”), São Paulo (“Folha de S. Paulo”) e Rio de Janeiro. Ele também era colunista do Jornal A Tarde, onde escrevia aos domingos, no Caderno 2+. A última coluna assinada por ele foi publicada no domingo, 13, com o título “Maus perdedores”.
Diversas instituições brasileiras que tiveram sua história marcada pela passagem do escritor divulgaram notas de pesar. Jornalistas, escritores, poetas e leitores de todo o país se manifestaram surpresos nas redes sociais com o falecimento de Ubaldo. A Associação Bahiana de Imprensa, da qual João Ubaldo era sócio desde 1980, lamentou a perda do escritor. Em sua página, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia também expressou pesar. “A Fundação Pedro Calmon lamenta a morte de João Ubaldo Ribeiro, uma perda imensa para literatura universal”.
Ao longo da carreira, João Ubaldo ganhou diversos prêmios literários, entre eles duas edições do Jabuti (1972 e 1984), como Melhor Autor e Melhor Romance do Ano; Prêmio Anna Seghers (Alemanha, 1996); Prêmio Die Blaue Brillenschlange (Suíça) e Prêmio Camões (1998). A convite do Instituto Alemão de Intercâmbio, ele passou um ano em Berlim, na década de 1990, e depois fixou residência no Rio de Janeiro, onde se casou com Berenice de Carvalho Ribeiro e teve dois filhos. Além deles, o escritor já possuía duas filhas do casamento anterior, com Mônica Maria Roters.
O poeta e jornalista baiano Florisvaldo Mattos, que também se formou em Direito mas optou pelo Jornalismo, tem de João as melhores recordações. “Ele era um grande amigo, homem de uma sensibilidade extraordinária. Eu acompanhei a construção de “Sargento Getúlio” e li o primeiro capítulo do romance desse que foi um escritor de alta ordem criativa. Ele teve uma bela passagem pelo jornalismo, onde foi um brilhante cronista. Com certeza, é uma grande perda para todos nós. Ele era um grande itaparicano e defendia a preservação da ilha e de seu patrimônio natural”. Mattos lembrou ainda que João tomou posse na Academia de Letras da Bahia (ALB) apenas no ano passado, depois de tantos anos como membro da Academia Brasileira de Letras, na qual ocupa a cadeira de número 34.
“Para onde vamos é sempre ontem”, diz um verso do escitor baiano Ruy Espinheira Filho, poeta da memória, que presidiu a comissão que concedeu a João Ubaldo Ribeiro o Prêmio Camões, na Portugal de 2008. “Perda imensa. João escreveu dizeres fundamentais, em meio a histórias e pessoas tão simples, com sonoridade nas palavras e equilíbrio na prosa. Tenho muito orgulho de ter trabalhado e convivido com ele”, contou Espinheira Filho, em um misto de surpresa e emoção.
O jornalista e professor de Literatura Celso Silva, que leciona para jovens com idades entre 15 a 18 anos, nas escolas de Salvador – além de atender ao público de cursinhos preparatórios para vestibulares -, destaca o caráter regional da obra de João Ubaldo, que exaltava a cultura e os costumes do Nordeste brasileiro. “Não há adjetivos, elogios e até hipérboles suficientes para definir a importância desse simples e grande João para a literatura baiana, brasileira e mundial. Ele sempre valorizou o negro, a mulher, o índio, o nordestino, o candomblé”.
Para Silva, o escritor deixou um importante legado. “Apesar de sua obra ser marcada pelo ponto de vista em relação a nossa cultura, não podemos esquecer que ele é respeitado internacionalmente. O mundo reconhece o talento de João Ubaldo. Quando ele escreveu “Sargento Getúlio”, o livro foi traduzido para o inglês. Mas, os tradutores não conseguiram traduzir as gírias nordestinas. Aí, o próprio João fez uma tradução tão perfeita que ganhou prêmio como tradutor nos Estados Unidos”, lembra. “O querido Ubaldo deixa obras como ‘Sargento Getúlio”, “O sorriso do lagarto” e a obra-prima “Viva o povo brasileiro”. Nesta última, ele narra 300 anos de história do Brasil, porém contada aos olhos do negro, do índio, de quem foi explorado. Ainda cria a heroína Maria da fé, uma mistura de negros, brancos, índios, europeus, a mistura que nos formou. Maria da fé: fé de esperança e Maria por representar todas as mulheres deste país. Se não fosse Maria, seria José ou João. Viva o povo brasileiro. Viva João Ubaldo Ribeiro”, completa o professor.