ABI BAHIANA

Entidades cobram segurança para profissionais de imprensa

Ao menos 15 trabalhadores do segmento sofreram ataques durante os atentados do dia 8, em Brasília

Catharine Ferreira e Joseanne Guedes

Pelo menos 15 profissionais de mídia foram agredidos nos atos antidemocráticos praticados em Brasília, no último dia 8, durante a invasão e destruição do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. Os dados são do balanço do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal – SJPDF, após radicais de extrema direita alvejarem a Praça dos Três Poderes, protagonizando o ataque terrorista que ganhou destaque na imprensa mundial, pela violência e saldo de desprezo a símbolos da soberania nacional. Diversas regiões do Brasil também registraram ataques à democracia.

Em meio a manifestações de repúdio contra as agressões sofridas pelos jornalistas, entidades representativas da imprensa e instituições de ensino cobram das forças de segurança ações efetivas para barrar a onda de violência, além de exigirem das empresas de comunicação a adoção de medidas de proteção, reforço das equipes e dos equipamentos de proteção individual (EPI). A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) pedem “providências urgentes”.

As universidades públicas e os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia repudiaram os atos antidemocráticos, conforme nota divulgada pela UFSB – Universidade Federal do Sul da Bahia. Em nota, a Universidade Federal da Bahia disse acompanhar “com perplexidade e indignação a invasão dos edifícios dos Três Poderes da República Federativa do Brasil” e exortou as autoridades a investigar, responsabilizar e punir os responsáveis. A instituição se somou a todas “as vozes da sociedade que repudiam os ataques, que vilipendiam não apenas o patrimônio público, como os símbolos do estado democrático de direito, da ordem e da paz social de nosso país”.

Ainda na noite do dia 8, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) lamentou que “as forças policiais e de segurança não tenham agido para impedir tais violências contra o patrimônio público e a democracia”. Segundo documento publicado pela entidade, as autoridades do Distrito Federal “foram ausentes, para não dizer coniventes”. Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a liberdade de imprensa “é inerente ao Estado democrático de direito, que não pode tolerar ou conviver com a baderna e o vandalismo” (leia a íntegra aqui).

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) prestou solidariedade aos colegas agredidos e destacou a importância da atuação dos profissionais e empresas de comunicação, que, segundo a Associação, seguem contribuindo para que o Brasil se conheça e reconheça, em profundidade.

Ensaios do caos

Foto: Arquivo pessoal

“O episódio gera muita preocupação em todos os profissionais que vão para as ruas cumprir suas funções de reportar os fatos. É difícil pensar que você vai trabalhar, ou vai enviar um profissional de sua equipe, e pode ser agredido”, afirma Silvana Oliveira, gerente de Jornalismo da Rádio Sociedade da Bahia. Ela confessa que, neste momento, as faces de jornalista e de cidadã se misturam. “Eu vejo os atos com um misto de indignação, raiva e tristeza. Nós não conseguimos costurar um tecido social que estava se esgarçando e permitimos que lideranças extremistas transformassem o país num caos”, analisa. A gestora, contudo, destaca o posicionamento do governo atual. “Percebo que a gestão agiu de forma firme e efetiva.”

A jornalista Malu Fontes, professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, enxerga a violência reservada aos jornalistas durante a cobertura do ato – comparado à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos – como uma espécie de ramificação do cenário desenhado há uma década.

Para ela, a ascensão da extrema direita no Brasil, “alimentada cotidianamente” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, não é algo episódico. “Nada na história é um frame, tudo é processo. Todos os desdobramentos dessa onda que emergiu no país nos últimos anos representam um braço de tudo o que ocorreu naqueles protestos de 2013. Aquele ano foi um laboratório de fermentação do caos político que vemos agora”, avalia a articulista de política e cultura da mídia da Rádio Metrópole.

Foto: Angeluci Figueiredo

“Na sessão de impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro defendeu a ditadura militar, homenageou o torturador Brilhante Ustra e ficou por isso mesmo. Foram muitos processos políticos reacionários”, observa a professora.

Segundo Fontes, os atos de domingo tiveram vários ensaios, principalmente ao longo dos últimos quatro anos, com as motociatas, caminhoneiros interrompendo as estradas, bloqueios nas rodovias pela polícia nas eleições, incêndios a ônibus no dia da diplomação do presidente Lula e outras ações. “Tudo isso organizado através de fóruns com milhares de pessoas, o que só é possível quando entra em cena o universo do digital, as plataformas por onde são construídas as versões completamente dissociadas da realidade”.

Embora se repita todos os dias que “a internet não é terra de ninguém”, Malu Fontes adverte que a rede ainda é terra de muita gente que comete crimes e compartilha toda sorte de discursos de ódio, sem que haja responsabilização. “O Brasil está polarizado. Uma parte da população não suporta a liberdade de imprensa e viola os princípios democráticos. É completamente presumível que um movimento de rua que quer destruir os Poderes destrua, antes de tudo, quem vai narrar o absurdo, que é a imprensa”, argumenta a jornalista.

Sem jornalismo, sem democracia

Mariluce Moura, referência em jornalismo científico no país e professora aposentada da UFBA, concorda que o poder público desperdiçou oportunidades de evitar um episódio como o de domingo. “Precisamos pensar os fatos recentes a partir dos acontecimentos de 2013 e ter um olhar articulado entre aquilo que se dá nos planos nacional e internacional. Estava claro que a extrema direita vinha fazendo todo o esforço para tentar perpetrar um novo golpe”, analisa.

Para ela, os atos de vandalismo registrados em 12 de dezembro [diplomação de Lula] deveriam ter sido reprimidos. “Queimaram ônibus e saquearam a cidade, mas foram tratados com leniência pelo governo”, aponta a docente, que enfrentou perseguição política na ditadura militar, foi presa e torturada pelos agentes da repressão.

“O Brasil não fez uma justiça de transição, as forças nazifacistas não foram confrontadas após a redemocratização, não houve punição. Ficaram em nossas instituições dispositivos prontos para a rearticulação”, afirma a presidente do Instituto Ciência na Rua. Segundo Moura, foi justamente a articulação entre as forças econômicas, militares e políticas que criaram o cenário atual, que enaltece o totalitarismo.

Foto: Leo Ramos via Revista ComCiência

Moura reforça a importância da imprensa para a manutenção da democracia brasileira. “O livre exercício do jornalismo é, em si mesmo, uma face da democracia”, reflete. Ela defende a atuação do jornalista como essencial para o funcionamento da sociedade. Uma prova disso, segundo a professora, é que durante a pandemia, um consórcio de veículos de mídia foi responsável por manter a população atualizada sobre o número de mortos e infectados pelo vírus da Covid-19, diante da negativa do governo em fornecer informações.

“Foi a mobilização dos grandes meios de comunicação que deu ao povo a oportunidade de se proteger, depois do levantamento estatístico divulgado em todo o país. No último domingo, nós dependíamos crucialmente da informação jornalística. O país só relaxou um pouco quando começaram a aparecer as imagens da contenção dos terroristas, na Esplanada. Estávamos procurando informações em todas as fontes disponíveis”, relembra.

Para a professora, a onda de violência contra a imprensa só será barrada com uma redemocratização efetiva. “Isso passa pela apuração e punição rigorosa de todos os responsáveis, direta e indiretamente, pelos atentados”, sustenta. “Precisamos recompor o ambiente da democracia, para acabar com os riscos ao livre exercício da atividade jornalística.”

Mais segurança

Nesta segunda-feira (9), um dia depois dos atentados, o ministro da Secretaria de Comunicação Social Secom da Presidência da República, Paulo Pimenta, se reuniu com representantes das entidades de jornalistas do Brasil e profissionais de mídia no Palácio do Planalto, em Brasília.

De acordo com a Fenaj – Federação Nacional do Jornalistas, o objetivo do encontro foi discutir ações para garantir a segurança no exercício da profissão, sobretudo diante da violência que vitima jornalistas em coberturas de atos como o que ocorreu no domingo.

Foto: Arquivo pessoal

Para o jornalista Moacy Neves, presidente do Sinjorba – Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia, várias medidas podem ser tomadas nesse sentido e a primeira é ampliar a denúncia para expor os agressores. “A segunda é que todos os profissionais registrem boletins de ocorrência e acionem os agressores judicialmente depois, seja individualmente ou através dos sindicatos”, continua. A outra medida citada pelo dirigente, mais corporativa, envolve as entidades e empresas de jornalismo. “Essas instituições precisam exigir da Justiça a punição rápida e exemplar dos culpados”, defende.

“Em paralelo – e o Sinjorba vai fazer isso – devemos cobrar dos veículos que criem estratégias e tomem medidas para preservar seus profissionais colaboradores, avaliando riscos e só enviando equipes para determinadas coberturas após se certificar de que há segurança para o trabalho”, indica Neves. Segundo ele, as entidades se preparam para criar fóruns nos estados, a fim de monitorar a violência contra a imprensa e seus trabalhadores, envolvendo amplos setores da sociedade civil.

*Revisão: Jaciara Santos

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