O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), organização independente sediada em Nova York que trabalha pela liberdade de imprensa em todo o mundo, publicou uma nota nesta terça-feira (13) em que reprova a condenação dos jornalistas brasileiros Aguirre Talento e Ricardo Boechat, acusados por difamação, e exorta as autoridades a reverter as decisões na apelação. A entidade também divulgou no último dia 6 um relatório especial onde ressalta a impunidade nos crimes cometidos contra profissionais da imprensa. No documento, o CPJ destaca a forma como políticos e poderosos empresários se aproveitam das leis de difamação e de privacidade para sufocar reportagens críticas.
“As condenações de Ricardo Boechat e Aguirre Talento enfatizam o que os juízes e legisladores regionais vêm dizendo há mais de uma década: a difamação deve ser um ilícito civil, e os jornalistas não devem ter medo de ir para a cadeia por suas reportagens”, disse Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do CPJ. “O Brasil tem, em sua maior parte, abandonado a difamação penal nos últimos anos. Os tribunais devem continuar nessa linha e derrubar essas condenações”.
Nas recomendações do relatório, o CPJ insta as autoridades brasileiras a expandir o programa de proteção nacional para defensores dos direitos humanos para incluir explicitamente os jornalistas sob a ameaça iminente; decretar reformas legais para a federalização dos crimes contra a liberdade de expressão; e desenvolver procedimentos e treinamento para as agências de aplicação da lei para garantir que os jornalistas possam cobrir as manifestações em torno da Copa do Mundo sem medo de ataques ou represálias.
Aguirre Talento, repórter da Sucursal de Brasília da Folha de S. Paulo, trabalhava no jornal A Tarde quando assinou reportagens sobre supostos crimes ambientais em 2010. O empresário Humberto Riella Sobrinho considerou-se difamado pelo texto do jornalista, que dizia que o Ministério Público havia pedido a prisão do empresário. A denúncia foi feita, mas não houve pedido de prisão. Em 28 de abril, o juiz, então, entendeu que Talento agiu “maldosamente” e condenou Talento a uma pena de prisão de seis meses, suspensa em favor de serviço comunitário e uma multa. A defesa recorreu sob a alegação de que o jornalista se limitou a narrar os fatos e não teve a intenção de difamar.
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Já Ricardo Boechat, apresentador do noticiário “Jornal da Band” na rede TV Bandeirantes, foi condenado sob a acusação de difamar o senador Roberto Requião (PMDB-PR) e sentenciado na última quinta-feira (8) a seis meses e 16 dias de prisão, pena que foi convertida em serviços comunitários. A Bandeirantes informou que vai recorrer da sentença.
As acusações tiveram origem em comentários de Boechat feitos em um programa de rádio em 2011 sobre uma entrevista do senador Roberto Requião a outro jornalista que perguntou ao senador sobre uma pensão vitalícia que ele teria recebido por sua antiga posição como governador. O senador ficou irritado e tentou apagar a entrevista. Mais tarde, Boechat em seu programa acusou Requião de corrupção e nepotismo, o que o senador negou. Requião, posteriormente, entrou com uma ação contra Boechat, acusando-o de difamação e danos a sua reputação.
Os dados do relatório da entidade internacional foram apresentados à presidente Dilma Rousseff antes de serem divulgados durante o 6º Fórum Liberdade de Imprensa em Brasília. Na quarta-feira (7), o coordenador sênior do programa das Américas do CPJ, Carlos Lauría, se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal de Justiça, Joaquim Barbosa. O ministro, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que “decisões de juízes de instâncias inferiores são, por vezes, irresponsáveis”. Ele afirmou que gostaria de exortar o órgão disciplinar do Poder Judiciário a evitar emitir decisões que enviariam uma mensagem assustadora à imprensa.
Ato de desagravo
Diversas entidades se manifestaram publicamente contra a condenação, em primeira instância, do jornalista Aguirre Talento. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA) divulgaram nota em defesa da liberdade de imprensa e demonstrando preocupação com processos movidos contra jornalistas no estado. A Ordem pediu, ainda, o cumprimento do Plano de Ação para Segurança de Jornalistas, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Um ato de desagravo ao jornalista Aguirre Talento será realizado na manhã desta sexta-feira (16), na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no campus de Ondina. O evento encerra a Semana de Mobilização dos Jornalistas, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba). A moção ajuizada pelo sindicato aponta que foi ferido “o princípio da indivisibilidade da ação penal privada prevista no Código do Processo Penal, uma vez que o jornal A Tarde, veículo no qual foram circuladas as matérias jornalísticas objetos da queixa-crime, não foi acionado solidariamente com o autor das reportagens”.
O debate “Liberdade de Expressão” começa às 9h30 e terá a participação da ex-corregedora do Conselho Nacional dos Jornalistas (CNJ) Eliana Calmon e do diretor institucional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), José Carlos Torves, com mediação da diretora da Facom, a professora Suzana Barbosa. A exemplo de Aguirre, ex-aluno da instituição, processado por conta de matéria publicada no jornal A Tarde, o encontro discutirá o grande número de processos contra pessoas físicas e não contra as empresas de comunicação, além da exposição dos profissionais a risco de prisão e pagamento de multas acima da capacidade financeira da categoria.
*Informações do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), Observatório da Imprensa, Folha de S. Paulo e Bahia Notícias.