DEU NA PONTE – A Justiça de São Paulo reformou a sentença que havia condenado o Estado de São Paulo a pagar indenização no valor de 100 salários mínimos ao repórter-fotográfico Alexandro Wagner Oliveira da Silveira, o Alex Silveira, atingido em 18 de maio de 2003, no olho esquerdo por bala de borracha disparada pela Tropa de Choque da Polícia Militar. Na época, Alex, então com 29 anos, trabalhava como fotógrafo do “Agora SP”, jornal do grupo “Folha de S. Paulo”. Pela nova decisão no caso, o Estado não deve pagar nada ao fotógrafo que mutilou.
Segundo o relator, Vicente de Abreu Amadei, a conduta dos professores da rede estadual, que protestavam por melhores salários na avenida Paulista, justificou a reação da Tropa de Choque, com a utilização de bombas de efeito moral e disparos de balas de borracha. Essa justificativa, para o magistrado, exclui a ilicitude da ação do Estado que resultou no ferimento de Alex. Amadei considera que o repórter-fotográfico, ao buscar informações sobre o que estava acontecendo na avenida naquele instante, colocou-se em situação de perigo:
“Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor [refere-se ao repórter-fotográfico] colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, concluiu. O juiz substituto em 2º grau Maurício Fiorito e o desembargador Sérgio Godoy Rodrigues de Aguiar também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator.
Nascido com uma deficiência no olho direito, Alex sempre dependeu do esquerdo (até então perfeito) para enxergar. E foi exatamente no olho bom que o projétil acertou. Em decorrência do ferimento, teve de abandonar a fotografia. Hoje, estuda arquitetura na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e trabalha com direção de fotografia e criação de maquetes virtuais para produtoras independentes e escritórios de arquitetura. Para fazer seus trabalhos, tem de ampliar várias vezes as imagens na tela e colar o rosto nos monitores, que nunca medem menos de 20 polegadas.
Entrevistado pela Ponte, Alex disse estar indignado com a decisão do 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Trata-se de um atentado contra a liberdade de imprensa. A Justiça de São Paulo deu um salvo-conduto para a polícia atacar jornalistas; basta dizer que eles estavam no meio de um confronto.”
“Se vacilar, o Estado ainda vai me processar por ter ‘sido obrigado’ a usar a bala de borracha que destruiu o meu olho. Talvez, como acontece em ditaduras sangrentas, ainda cobre o preço da bala que me mutilou”, disse com amargura Alex, a voz embargada [ele tinha acabado de receber o texto do acórdão com a decisão].
“Ficamos chocados com a decisão, disse a advogada Virginia Veridiana Barbosa Garcia, do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian, que representou Alex no processo. “É uma decisão absurda. Ela reconhece que Alex foi atingido uma bala de borracha disparada por um agente público, mas conclui que a culpa foi toda da vítima”, afirma.
A advogada pretende recorrer da decisão, inclusive, se necessário for, levando-a ao Supremo Tribunal Federal. “A imputação de culpa à vítima mutilada no exercício da atividade jornalística configura uma clara ameaça à liberdade de imprensa”, disse.
*Texto de Laura Capriglione/colaboração: Fausto Salvadori Filho, originalmente publicado na Ponte – Segurança, Justiça e Direitos Humanos sob o título “Justiça de SP culpa vítima de bala de borracha pela perda do próprio olho”.