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CPI de Crimes Cibernéticos propõe leis que ferem liberdade de expressão e violam privacidade

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Crimes Cibernéticos, que concluiu seus trabalhos nesta quinta-feira (31), não foi bem recebido por especialistas. O documento de mais de 250 páginas traz pontos polêmicos que ferem o Marco Civil da Internet, violam a liberdade de expressão e instauram um perene estado de vigilância na rede. A votação da CPI está prevista para o dia 7 de abril e o encerramento dos trabalhos da comissão estão programados para o dia 12.

Há oito anteprojetos de lei que a rigor promovem graves retrocessos e cerceamentos. Um deles prevê condenação de até dois anos de prisão pra quem desrespeitar os “termos de uso” – aquela página que você diz concordar sem nem ter lido – de sites e aplicativos. Outra lei obriga a remoção de qualquer ofensa a político (mesmo denúncias) a pedido do próprio em 48 horas, sob pena de a empresa ser enquadrada como coautora. Provedores de internet são obrigados a revelar de imediato o dono de cada endereço de IP na rede, cedendo às forças policiais o nome e endereço do usuário, sem que seja necessário passar pela Justiça. Falar mal de governos ou de políticos poderá fazer o usuário ser visitado em casa por um policial.

“A amplificação do dano advém da característica das redes sociais que permitem a replicação e a continuidade das postagens de forma impessoal e com pouco ou nenhum esforço”, justificam os deputados. “Deve-se considerar a impossibilidade prática do direito ao esquecimento. Bastam alguns cliques para que postagens sejam revividas e o pesadelo das vítimas seja reiniciado”, concluem. Um PL atribui competência à Polícia Federal para qualquer crime praticado usando um computador ou celular, o que pode incluir o download de músicas e filmes. A polícia teria acesso a dados sensíveis de uma pessoa, como nome e endereço domiciliar através de seu computador.

O professor e advogado Carlos Afonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), alerta para o perigo de dispensar a intervenção do Poder Judiciário. “Ao ter uma ferramenta jurídica legal, que dá a cada um o direito de pedir a remoção de conteúdos a cada 48 horas, certamente não é nada salutar quando o Brasil está justamente trabalhando no amadurecimento das ideias políticas na Internet. O uso político da Internet no Brasil está amadurecendo nesse momento a duras penas, com debates pós-eleição para presidente”.

Para ele, a alteração proposta pela CPI vem a recrudescer esse cenário. “Ao invés de amadurecer,a gente vai dar um passo atrás e impedir que a Internet seja um campo de amadurecimento, de construção, de crítica política. Por que a gente percebe que é através da rede que a gente complementa muito das informações que vemos na mídia impressa e televisiva. Não é o momento de restringir o acesso às informações”, alerta Souza.

Marco Civil

Marcocivilcamara__625O Marco Civil da Internet é uma lei aprovada em 2014 que afirma que os provedores de aplicações (como redes sociais e aplicativos de mensagens) apenas podem ser responsabilizados pelo conteúdo postados pelos seus usuários se descumprirem uma ordem judicial que determine a remoção de um conteúdo ilícito. Em outras palavras, o Marco Civil não obriga provedores de internet a tirarem algo do ar só por que alguém mandou – a menos que seja algo pornográfico ou efetivamente criminoso. Pela nova proposta, numa discussão política, as pessoas do partido contrário vão sempre alegar que as publicações do outro partido atingem a honra do seu candidato. O mesmo vale qualquer comentário mais crítico.

Para o diretor do ITS-Rio, a remoção de conteúdo por violação à honra “cai como uma luva em tempos onde a Internet está tão dividida politicamente” e se aprovada se tornaria a ferramenta perfeita para abafar o discurso político contrário. “Bastará notificar que o provedor deverá remover o conteúdo. É um duro golpe para a liberdade de expressão. Certamente será uma medida também muito usada por políticos para impedir que críticas sejam feitas à sua atuação”, avalia o professor.

Neutralidade de rede

Outro projeto de lei estabeleceria a possibilidade de bloquear serviços conectados a partir de ordens judiciais. Isso permitia que provedores de internet fossem obrigados pela Justiça a barrar o acesso a aplicações da internet consideradas ilegais. A prática iria tornar corrente o mecanismo que, no ano passado, fez o Whatsapp ficar inacessível no Brasil por pouco mais de 12 horas. Os deputados assumem que a medida será uma violação ao princípio da neutralidade de rede, estabelecido pelo Marco Civil da Internet. Ele prega a transmissão de qualquer conteúdo enviado pela internet com igual velocidade e condições técnicas. A ideia é tirar do radar dos brasileiros na internet serviços que, por exemplo, ofereçam conteúdos que violem os direitos autorais ou pornografia infantil.

Invasão de perfis em redes sociais

A proposta altera a legislação de crimes eletrônicos, que ficou conhecida como Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737, de 2012), que pune a invasão de computadores com a intenção de obter dados particulares. A proposta é ampliar e transformar em crime o acesso não permitido a qualquer sistema informatizado ou aparelho eletrônico que cause prejuízo econômico, alteração de dados, instalação de vulnerabilidades, obtenção de conteúdo ou o controle remoto da plataforma ou aparelho em questão.

Seriam incluídas invasões a smartphones e redes sociais. Essa conduta poderia dar até dois anos de cadeia. A pena aumentaria para até quatro anos se cometida contra presidentes da República, do STF, da Câmara, do Senado, das Assembleias Legislativas estaduais e distrital, Câmaras municipais e administradores públicos. Caso o acesso ocorra graças à violação de um mecanismo de segurança do sistema, o período de reclusão aumenta de dois a três terços da pena. O argumento dos deputados é que, quando aprovada, a lei Carolina Dieckman não especificou atitudes que poderiam incorrer em crime.

Recursos públicos

Para subsidiar as atividades da polícia judiciária, os deputados sugerem a criação de uma lei para destinar os recursos de um fundo bilionário voltado atualmente à fiscalização das telecomunicações. Assim, para legislar a internet, os membros da CPI sugerem que é preciso obter mais verba, ignorando o fato de que o Brasil é um país já notabilizado pela má gestão de recursos públicos. A ideia é usar até 10% do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). O dinheiro do fundo advém das taxas de fiscalização cobradas pela Anatel, de parte dos valores pagos por empresas que querem operar no Brasil e de multas aplicadas pela agência. Não é pouca coisa: entre 2001 e 2015, o Fistel arrecadou R$ 63,5 bilhões. Os deputados argumentam que os recursos ajudariam as polícias judiciais a se estruturarem para combater o crime cibernético.

Sem rumo

Instaurada em julho de 2015, a CPI tinha objetivo de investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos sobre a economia brasileira, mas, de acordo com o jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais Alexandre Inagaki, perdeu o rumo e saiu do escopo inicial. “A internet e os avanços tecnológicos atropelam as legislações sem parar pra prestar socorro. Os projetos de lei sugeridos pela CPI chegam a ser pueris na tentativa vã de quererem controlar algo que se move tão rapidamente”. Durante nove meses, a Comissão ouviu 103 especialistas em criminalística, em direito digital, representantes da Polícia Federal, da Abin, do CDCiber do Exército, de provedores de internet (Oi, Claro, Vivo e TIM) e de serviços conectados (Google, Facebook, WhatsApp, Yahoo e Twitter, Microsoft).

*Com informações de Carla Matsu para o IDGNOW! e Helton Gomes (G1-SP) e Gustavo de Almeida (EXTRA).

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